Jaime Rodrigues*
No atual momento é extremamente oportuno e necessário construirmos uma ampla análise sobre a realidade que vivemos em nossa sociedade. É urgente nos prepararmos para a superação da crise política forjada desde muito antes ao golpe realizado com o “impeachment” ao governo de Dilma e sempre com base no ridículo “Fonte para o Futuro”.
Este governo atual e seus apoiadores tem adotado uma orientação antipopular e antidemocrático, diminuindo os salários dos trabalhadores brasileiros, retirando a segurança no trabalho, terminando com sua aposentadoria. Na Condição de Vida dos cidadãos e cidadãs reduz ou mesmo termina com investimentos em educação, saúde, habitação e muitas outras funções e elementos. Junto enfraquece o Estado com privatização de grande parte de sua estrutura e também descaracterizando a força institucional com atividades do poder executivo, judicial e parlamentar.
O Meio Ambiente já está sendo afetado. Uma política de “retração” sem necessidade. Muito grave é a descaracterização da Constituição do Brasil. A orientação e atuação da poderosa mídia no Brasil lidera a informação e o poder de análise limitando a mobilização de toda a população. São respostas conservadoras às questões do momento.
Este debate é importante na trajetória de enfrentamento aos impasses de desenvolvimento no atual “tempo histórico”. Diversas modificações objetivas alteram a estrutura da sociedade e exigem novas soluções em sua dinâmica maior. O domínio atual da condução destas mudanças no país tem sido das forças conservadoras. Um caminho que aproveita deficiências ou vazios nas orientações progressistas que, em outra situação e com outras exigências aplicou um rumo muito positivo. Quais suas características, sua dimensão, a relação que apresenta para as limitações à Democracia atual e qual a capacidade de um país como o Brasil em sua superação destes impasses com benefício popular. São fortes desafios. Um debate que para ser decisivo deve contar neste processo da população a partir das lutas concretas.
A “transição” que vivemos
Hoje vivemos em uma transformação da sociedade no mundo todo. Suas mudanças são amplas no sentido que abarcam e articulam sua estrutura entre as pessoas e no seu conjunto. Um fator essencial é a tecnologia bastante inovadora, com renovação rápida e que altera todas as atividades. Seu controle tem sido com domínio do Sistema Financeiro.
As Relações de trabalho, Relações de Produção, Valores da Ideologia, Sistema da Política, Os Valores da Cultura, Condições de Vida da População, o Meio Ambiente. Foi implementada uma reorganização das estruturas institucionais do Estado e também das empresas, partidos e entidades de comunicação. Afeta todas as funções e elementos de organização da sociedade nas Formas, Valores e Sentimentos nas relações entre cidadãs e cidadãos. Altera e transforma os valores e modifica o individualismo, o medo, aumenta a violência, faz predominar a concorrência em todas relações. Traz novas características de submissão por imposição de quem domina ou é dominado. Estabelece uma “pastagem” na apresentação e no convívio nas diversas realidades, um caminho de indefinição que permite exercer e aumentar o poder.
No crescimento econômico atual os grandes lucros existem principalmente no Sistema Financeiro. Nas Relações de Produção a rápida mudança da tecnocracia utilizada e a sua complexidade de funcionamento, com seus altos custos onde pequenos equívocos geram imensas alterações de resultados. Esta enorme insegurança tem sido um dos aspectos para o domínio pelo grande capital. Ao mesmo tempo existem alterações no consumo e do mercado assim como o valor da mão de obra na mercadoria, o que para o capitalismo são conceitos decisivos.
Da mesma forma a dimensão internacional da economia em toda sua combinação sofreu profundas modificações, atualmente um comércio pequeno. Como podemos ver é um panorama muito complexo e com diferenças com a realidade que havia sido alcançado no passado.
A exploração da Mão de Obra aumentou agora mesmo quando o salário, por acaso, seja maior porque a sua produtividade é muito maior. Insatisfeitos, entretanto, o capitalismo quer colocar o trabalhador em situação de enorme defensiva e garantir a exploração agregada no valor na produção. É simplesmente usar e jogar fora. As pessoas têm sido condicionadas hoje à concorrência e oportunismo aos demais com a perda da significativa Solidariedade que a trajetória da vida nos trouxe, são valores recente no capitalismo. Qualquer caminho progressista será necessariamente participativo e democrático. Os trabalhadores ficam sem força para questionar e, inclusive, sem capacidade de preparo para sua própria qualificação profissional. Cada caso é específico e em todos os países e regiões guardam dinâmicas próprias. Sua força real de dominação é conduzida pelo Setor Financeiro.
A sexta economia do mundo
No Brasil estão bastante presentes estes aspectos de crescimento. Hoje a política conservadora atua para exercer domínio ainda maior mesmo com retração no crescimento. Neste sentido se vale dos participantes do atual governo que sempre foram altamente negativos na sua presença e na formulação de caminhos na história brasileira. Suas presenças são oportunistas e procuram “encostar” nas estruturas existentes, mas sempre diferenciados pelo seu aspecto medíocre. A proposta defendida por estas forças nos conduz para uma realidade de Colônia. Concentra na diminuição do Estado, a redução do preço e garantia do trabalho, desmoraliza toda a política para fortalecer seu domínio direto e, junto estabelece o predomínio em setores como a “agroindústria”, privatiza empresas como a Petrobrás, da mesma forma a exploração da água e extração de outros elementos da natureza. Infelizmente as forças conservadoras de tradição histórica e significado mostram debilidade profunda para alcançar um caminho alternativo e consistente. Infelizmente ainda não abriu espaços e, ou, não conseguem soluções mais sérias.
Em nossa história desde a República Nova construímos estruturas muito fortes como a indústria, uma forte mão de obra (inclusive qualificada). Igualmente temos soluções de agricultura, comércio e serviços. Nosso Estado é sólido e importante em sua atuação em todos aspectos da sociedade. No processo de desenvolvimento deverá ser atualizado, mas não reduzido.
Nossos governos recentes foram de sucesso e melhorias na sociedade. É evidente de limites, erros e deficiências, mas nada em que o diálogo aberto e participativo não possa superar e inclusive construir valores novos e necessários. Não temos dívidas no exterior, guardamos uma reserva de 380 bilhões de dólares, somos um país continental, temos uma possibilidade ampla para autonomia e nossos “inimigos” do exterior estão muito débeis. E mais ainda, temos importantes “amigos” no mundo para construir ou avançar. Nós somos fortes, mesmo sendo um país que teve 350 anos de escravidão, mais uns tantos de coronelismo e no entanto alcança ser a sétima potência do mundo, disputando a sexta.
Esta orientação de querer nos humilhar é reacionário. Ocorre que no atuai momento a política dos “containers” apresenta uma solução de colônia para o tempo atuai. É violenta, não aceita diálogo, é impositiva e autoritária na política e relacionamento. Impõe valores de submissão na relação de toda a sociedade. Ocorre que sua estrutura mostra ser fraca e superada, rapidamente apresenta defeitos. Uma solução progressista, no entanto, não surge sem uma luta clara e sem uma proposta que permita avançar em tempos de domínio do poderoso sistema financeiro.
Esquerda
As forças progressistas apresentam políticas de confronto baseado quase que só em questões imediatas de questionamento às desastrosas atitudes do governo e seus sustentadores. Não apareceram valores maiores de autocrítica às suas deficiências e debilidades que facilitaram a realidade atual. Não alcançamos ainda uma avaliação da crise que vivemos e, menos ainda, foram conseguidas alternativas de propostas. O grande mérito já iniciado é o início forte de um Processo Político Progressista. Surgem novas e grandes lideranças, antigos líderes como o do ex-presidente Lula que está renascendo com alto reconhecimento de sua liderança. Junto podemos ver importante organização popular e movimentos com questões novas e acompanhadas de soluções fortes. Muita coragem, acompanhadas de perguntas que exigem determinações em superar nossos limites.
Um tema muito presente neste questionamento é saber como atingir a chamada “periferia e sua população” de nossas enormes cidades brasileiras. Qual é o caminho para sua inserção na sociedade e como podem se movimentar em nosso país que concentrou uma das maiores quantidades destas Metrópoles no mundo. Fenômeno em parte construído pela recente ditadura a partir de um acelerado êxodo rural em tempo muito curto. Da mesma forma todos nós queremos saber como será a sociedade na época atual.
É evidente que é impossível previsões antecipadas e absolutas. Mas as perguntas e formulação de diretrizes são elementos necessárias para, na prática e na luta debatermos e construirmos o futuro.
Mais Democracia
Nossa luta é complexa e grande. Sua evolução nos ensina que a participação é fundamental. Trata-se de um fator para nos indicar que a luta é para ser construída pela população e por ela decidida. Os caminhos de representatividade não podem pretender a mesma importância prática que representou no passado do Brasil e em diversos países. Este significado é de força e caráter de solução assim como a própria possibilidade de ser revolucionário e transformadora. Soluções amenas são muito limitadas o que não quer dizer o “radicalismo”. O próprio capitalismo encontra dificuldades de definir propostas e ser aceito.
Esta pontualidade de questões sugeridas é só um exercício. Não tem pretensão de fazer afirmações mais complexas. A proposta progressista mostra ser oposta ao que os conservadores adotam até agora. A definição de Sociedade é inovadora e efetivamente deve ser construída para estruturar sua dinâmica. A Nação que foi extremamente determinante no estabelecimento do capitalismo em tempos mais remotos deve ser retomado, agora para garantir o Desenvolvimento da Sociedade, superar a polarização, modificar a Relação de Trabalho, favorecer a pequena e média empresa, ampliar o diálogo com os mais ricos e qualificar a Condição de Vida do país.
Para alcançarmos esta situação é fundamental reorganizar a Democracia com Participação e Poder Direto Ampliado. Garantir e qualificar o Estado é fundamental porque esta Sociedade depende de sua presença. Várias questões essenciais aparecem neste sentido, em condições imediatas e na reorganização futura. É decisiva a reforma fiscal, alterar a sistemática dos juros na relação financeira, defender a Nação na relação de comércio externo. As exigências hoje são em grande parte de nova condições técnicas, portanto é necessária sua transformação para beneficiar ao Cidadão e à Cidadã, o que é diferente da simples “modernidade” várias vezes colocado. É urgente nova Assembleia Constituinte a nosso país e, como coerência de proposta é fundamental que sejam Eleições Diretas.
* Urbanista/Historiador
Autor: da Redação
Por que Temer ainda não caiu?
Muitos se perguntam: por que, após tantas denúncias, ditadas e repetidas por fontes as mais diversas, e insuspeitas, como a voz dos ex-sócios, Michel Temer ainda não caiu, quando foi tão fácil depor a presidente Dilma Rousseff?
Como se sustenta um presidente sem apoio no voto, ungido ao poder por um golpe de Estado midiático-parlamentar (onde começa a desmilinguir-se seu mando), e desfrutando do desapreço da população de seu país, de quem foge, acuado, escondido no bunker em que foi transformado o Palácio do Jaburu?
Vários fatores podem, no conjunto, constituir uma resposta mais ou menos satisfatória. Mas, antes de mais nada, lembremos que, divergências secundárias à parte, mantem-se de pé a coalizão econômico-política montada lá atrás para assegurar o impeachment. O capital financeiro, o agronegócio, as igrejas pentecostais e suas representações no Congresso e nos grandes meios de comunicação, permanecem unificados em torno das ‘reformas’, eufemismo com o qual se designa o projeto, em curso acelerado, de regressão política, social e econômica do País, cujo alcance paga qualquer preço.
Para esse efeito, Temer é peça secundária, instrumento descartável a qualquer momento. E por que não é jogado ao mar como carga imprestável? Por que a troca de guarda coloca, entre várias outras questões (como a relativa apatia das ruas, o medo dos parlamentares em face dos seus ‘justiceiros’, e o ‘risco Lula’, etc.) dois problemas, para o establishment: um, o modus faciendi do descarte, que precisa respeitar, pelo menos nas aparências mais vistosas, as regras constitucionais, e, dois, a necessidade de que a substituição se faça em segurança, para que no lugar de Francisco se sente Chico, comprometido, como ele, com as ‘reformas’.
Por tais razões, nenhuma porta pode ser aberta, mesmo pela direita, sem o concurso, ora da Câmara dos Deputados (a quem cabe autorizar ou não o impeachment e a abertura de processo contra o presidente), ora do Supremo Tribunal Federal, que, para dizer o mínimo, deixa muito a desejar na sua letargia, no seu partidarismo, sempre atendendo aos movimentos dos cordéis comandados pelo poder.
Lamentavelmente, após um lento processo de corrosão (derivado em elevada potência do desastre do processo político-eleitoral em agonia), apresentam-se derruídas as bases morais e constitucionais dos poderes projetados pela soberania popular (e sobre todos reinam os poderes econômicos e mediáticos), pois estamos em face da falência de representatividade (donde perda de legitimidade) tanto do Legislativo quanto do Executivo – ambos, ademais, acusados de corrupção congênita.
Que dizer de uma Câmara dos Deputados presidida, até ontem, pelo presidiário Eduardo Cunha (hoje por Rodrigo Maia), ou de um Poder Executivo chefiado por Michel Temer, aguardando, em doce vilegiatura pela Europa, a denúncia por crime de corrupção com a qual lhe acenam a PGR e o STF?
Um de seus comparsas, em crise com a chefia, como quase sempre ocorre nos momentos de divisão do butim, resumiu bem, e com a autoridade que ninguém lhe nega, o retrato da organização criminosa: “metade está na cadeia e metade está no Palácio do Planalto”, sua caverna, sua toca.
O Judiciário, por seu turno, faz sua parte, seja como instituição, seja pelo comportamento de alguns de seus membros. Lento e parcial, contraditório em suas decisões (de que deriva a insegurança jurídica), desrespeita direitos amparados pela Constituição e invade áreas do Legislativo e do Executivo. Partidarizado, intervém no processo político, como ao não julgar a liminar sobre a proibição de Lula assumir a chefia da Casa Civil de Dilma Rousseff. Omitindo-se, ardilosamente, abriu, consciente e deliberadamente, o caminho de que as forças golpistas careciam para abrir caminho ao impeachment, do qual se fez coator.
Quando a todos nos parecia que o ridículo, o opróbrio, o inusual, o insuspeitável, o escandaloso teria sido esgotado pelo espetáculo de chanchada chinfrim oferecido pela Câmara dos Deputados na lamentável e cara (sabe-se agora, pelas delações premiadas, quanto de propina custou aquela votação!) sessão de 17 de abril de 2016, quando aceitou a denúncia contra Dilma Rousseff, eis que o julgamento, pelo TSE, do pedido tucano derrotado de desclassificação da chapa vitoriosa em 2014, se transforma em episódio lamentável.
Refiro-me evidentemente, ao comportamento do presidente da sessão (debochado, insolente, mal-educado, rompendo as raias do ridículo), o ainda ministro Gilmar Mendes, ministro do STF e do TSE, advogado militante, empresário do ensino privado, promotor de convescotes com homens de negócios e acadêmicos sem nomeada, assessor de réus que ora julga no tribunal eleitoral, ora julga no Supremo, e, finalmente, com sua família, fornecedor de bois para o complexo JBS.
Com sua falta de educação e contínua deslealdade diante de seus colegas, assusta um acomodado STF que, sem nervos e músculos para impor-se, recusa o dever de chamá-lo à ordem.
Esquece-se porém, o tribunal, que a História não julgará isoladamente este ou aquele ministro, este ou aquele juiz, mas sim o Poder Judiciário, como instituição.
A propósito, vários pedidos de impeachment de Gilmar Mendes foram apresentados ao Senado Federal. De um deles tive a honra de ser signatário (ao lado de Fábio Comparato, Sérgio Sérvulo, Álvaro Ribeiro da Costa e Celso Antônio Bandeira de Melo, entre outros) e do qual foi nosso patrono Marcelo Lavenère, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados. Nosso pedido foi convenientemente recusado pelo então presidente da Casa, o inefável senador Renan Calheiros e contra essa denegação os autores impetraram mandado de segurança junto ao STF. Caiu-lhe como relator o ministro Edson Fachin, que, por sua vez, considerou ‘inadmissível’ a medida. Desta decisão foi impetrado agravo interno que espera julgamento pelo plenário.
Diante desse quadro de crise sistêmica, que nos resta como ‘saída’? A alternativa do impeachment do presidente, que o genro de Moreira Franco não deixa andar (entre outros dorme em suas gavetas o pedido formulado pelo Conselho Federal da OAB), contém, tanto o defeito da morosidade, quanto o de depender da atual Câmara dos Deputados e do atual Senado Federal, dominados, majoritariamente, pela aliança da corrupção deslavada com o baixo clero, e um “centrão” tomado por conservadorismo mais que reacionário. O provável pedido do STF, de autorização para processar Temer, padece da mesma dependência, no caso a prévia licença da Câmara.
O atual Legislativo (confia-se que o STF, não obstante tudo, não lhe siga as pegadas) é a guarda pretoriana do presidente, surdo à voz das ruas, já que os interesses que defende e preserva não coincidem com os interesses de seus supostos representados, pois, falam as pesquisas de opinião de todos os institutos especializados, a quase unanimidade da população repudia o atual governo e defende sua defenestração.
O tucanato, agente decisivo no golpe e base fundamental da sustentação do governo, mesmo agora, vem à luz do dia propor a renúncia de Temer seguida de imediata convocação de eleições gerais, ou seja, a antecipação do pleito de 2018. Não se sabe se FHC já combinou o jogo com Temer, e muito menos com os titulares de mandatos eletivos espalhados Brasil afora, do Senado às câmaras municipais, pois, se é, na atual ordem constitucional, impossível reduzir esses mandatos, a efetividade da proposta passa a depender de uma renúncia coletiva. É preciso acreditar em duendes para apostar em tal evento. Em um ponto, todavia, todos estamos de acordo: o Congresso, que não tem legitimidade para promover reformas tão profundas como as exigidas pelos donos do dinheiro, surrupiando do povo direitos conseguidos há décadas, também não tem legitimidade para eleger o eventual substituto de Michel Temer.
De uma forma ou de outra, há uma evidência: esse governo precisa ser removido e substituído por outro, esse emanado do voto popular. A solução, pois o País não pode permanecer imobilizado quando cresce e se aprofunda o projeto de sua desconstrução, volta-se para a saída de Temer e a convocação, mediante emenda constitucional, de eleições diretas para sua sucessão, de sorte que essa sucessão, não sendo apenas uma troca de seis por meia dúzia, segundo o gosto das classes dominantes, seja a segurança da retomada do desenvolvimento, da defesa nacional, da recuperação dos direitos sociais e trabalhistas.
Eleições diretas não são um fetiche, uma panaceia, mas, sim, a única oportunidade que ainda temos de devolver legitimidade à Presidência da República, mormente quando, sabidamente, só um dirigente legitimado pela soberania popular terá condições morais e políticas de comandar, com o conjunto da sociedade, a árdua tarefa de recuperação política e econômica do País. Qualquer outra tentativa de saída simplesmente aprofundará a crise que continuará crescendo como um insaciável Moloch, para um dia, sem controle, nos devorar.
O povo novamente nas ruas, a rebeldia de nossa gente, a insatisfação transformada em pressão popular, podem – e devem – construir as condições objetivas para a saída do impasse. Daí a importância da unidade dos movimentos populares, a começar pela unidade do movimento sindical, convergindo para uma grande e ampla frente nacional pelas Diretas Já.
Ruínas
Junho tem do ano a metade. Uma que foi e outra que chega. Da janela junina tanto se pode olhar para trás quanto à frente. Emoldurando a vidraça o marco se desfaz em registros acontecidos e promessas buscadas. Cada um tem sua janela.
Jeanine tem a sua. Esguia se esgueira junto ao vidro esfumaçado. Atenta observa a rua enquanto esta a devolve discreta à casa feita em abandono. Sua janela é imaginária. De há muito foi quebrada. Estilhaçou-se aos poucos. Não foi um vendaval. Sequer uma chuva mais forte. Partiu-se somando cacos. Alguns agudos, outros ferrenhamente cortantes, tantos mais apenas estilhaços. Pontas e arestas já empoeiradas, muitas esquecidas.
Ela gosta de sua vidraça vazia. Com o vazio poucos se preocupam. O que encontrar ali? Poeiras, umidades, pedaços de coisas partidas, nada de serventia. Porém, vazios instigam, desafiam, apavoram. Despreenchimento que a Janine soava acalanto e segurança. Não porque cadeados ou grades a garantissem. Simplesmente por usufruir de uma janela só sua. Janela que nem janela era.
Da rua voltava todos os dias. Recolhia a friagem invernal. Guardava os “não” já acostumados. Juntava os comandos: “vai trabalhar!”. Era bom estar de volta. De seu canto enxergava os prédios amontoados logo adiante. Adivinhava seus moradores aquecidos. Imaginava os programas de televisão piscando em brilhos, vendendo ousadias e felicidades. Ouvia “fica quieto guri, assim não ouço nada.” Percebia dores na voz embargada das mulheres silenciadas pelo “hoje estou cansado, não me incomodem.”
Naquele entardecer Jeanine não voltou. Sua estadia fora lacrada. A porta de ferro repuxada a golpes de arrasto dobrara-se encabulada. Dos seus, todos levados adiante. Poderia ter chorado, gritado. Ficou inerte sem nada esperar. Frio por frio já o conhecia sem revolta.
Infeliz? Apenas extremamente entristecida. Por si, pelas pessoas, todos filhos e filhas. Por tantos abatidos pelas circunstâncias construídas e destruídas.
Lembrou da janela. Aquele cantinho só seu e nunca mais seu. Perdera. Fora-se a metade do ano. Quase. Havia a outra porção. Quem sabe?
Impunidade e amedrontamento no caso da Boite Kiss
Raul Ellwanger
Quando caiu a arquibancada do Estádio de Futebol do clube Bastiá, numa partida da Copa da França nos anos 1990, morreram em torno de 16 pessoas. Para esta partida contra o famoso Olimpique Marselha, os dirigentes corsos haviam colocados modulares metálicos, a fim de aumentar a capacidade do pequeno estádio. Para cúmulo, as estruturas desabaram em direção ao campo de jogo, e viu-se cenas dramáticas dos próprios jogadores socorrendo feridos, fazendo boca-a-boca, carregando corpos, todos desesperados, tudo transmitido ao vivo pela televisão.
No Brasil, a Boite Kiss da cidade de Santa Maria no Rio Grande do Sul foi destruída por um incêndio provocado por “fogos de animação” durante um xou ao vivo. O número de vítimas letais alcançou a 242 jovens, o número total de vítimas lesionadas e sequeladas física ou psiquicamente segue não avaliado. As mortes e seu número elevado não se deveram especialmente ao fogo e ao gáz em sí, mas às condições de absoluta insegurança do recinto há vários anos em funcionamento nestas mesmas condições e com sua documentação permanentemente irregular ou deficiente.
Deve ser a maior tragédia ocorrida em tempos de paz no Brasil, e para passar uma régua comparativa, teríamos que lembrar das cinco centenas de mortos e desaparecidos durante os 21 anos de ditadura recente, das duas centenas de lanceiros negros aniquilados ao final da guerra civil de 1835, das quinze centenas de cavaleiros guarani exterminados por dois exércitos imperiais no estertor da resistência missioneira na metade do século XVIII.
O que torna a comparação inviável é que não se tratou de um evento de conflito armado, tratava-se de jovens que ao final de semana saíram em busca de lazer e diversão, no âmbito de uma cidade de porte médio, numa rotina por eles muito conhecida. Confiando no sistema oficial de garantias edilícias públicas, que inclui prédios, incêndios, marquises, rodovias, elevadores, postes, águas, ruas, enfim, tudo o que cerca a vida comum e corrente da população, repetiram o habito de frequentar a boate.
Se num confronto civil entre facções armadas, é previsível a ocorrência de vítimas, a tal ponto de que existe uma convenção internacional para mitigar os danos e as dores dos inimigos, no caso presente tratou-se de algo surpreendente, de uma irrupção velocíssima de violência tóxica, que em poucos minutos (dois ou três) dizimou os estudantes, sem qualquer chance de defesa, sem qualquer protocolo, sem opção, sem recurso, sem alternativa, pois estavam literalmente encerrados, embretados, encurralados.
No caso, somaram forças para realizar este crime massivo os proprietários do negócio, o grupo de música regionalista e, muito especialmente, o poder público civil e militar. Se grave é o doloroso evento que gera muita visibilidade, igualmente grave é o que resta oculto: o risco corrido pela população de Santa Maria por meses e anos a fio, ante um sistema público de fiscalização em permanente descumprimento de seu dever, em todos os níveis e setores de responsabilidade funcional.
Este efeito de “falsa fiscalização” é recorrente na maioria do território brasileiro, vide a operação “Carne Fraca”, e sua monótona repetição deve ter um motivo, um fato gerador comum do qual há que seguir as pegadas e descobrir qual é.
No caso francês, a judicialização alcançou desde o chefe de bombeiros local, as secretarias provinciais envolvidas, a empresa fornecedora, a fiscalização técnica-militar, e subiu pelos escalões do Estado nacional, chegando ao próprio Ministro de infraestrutura (não sei o nome certo). Na mesma década, também foi judicializada a Ministra de Saúde, pelo atraso de 5 anos em tornar obrigatório, nas transfusões sanguíneas, o exame de HIV.
No caso rio-grandense, foram indiciados dois proprietários do negócio e dois membros do grupo musical, afora dois policiais militares por falsidade no decurso do processo, o que não remete ao crime em si.
Chamou a atenção que toda a cadeia funcional vertical e horizontal de responsáveis públicos pelo funcionamento e fiscalização da cidade, ficou eximida de qualquer persecução penal, sejam os funcionários de carreira, sejam os representantes e subalternos políticos de turno.
Na memória do cidadão comum, deveria ficar a lembrança de que o corrido foi um “descuido” dos operadores diretos, e não uma severa omissão dos responsáveis públicos. Para os familiares, vitimados e fragilizados, e para toda sociedade igualmente ofendida, a mensagem é de que o poder é impune.
Como se não bastasse tanta dor, humilhação, perda e sofrimento continuados, culmina o Ministério Público por ajuizar ação contra alguns dos familiares, alegando crime de “calúnia” no curso da instrução (colação de efêmeros cartazes críticos ao MP). Chega-se ao ápice do desacerto e prepotência, tornando réus aqueles que são vítimas, simples pessoas que tiveram suas vidas transtornadas pela perda de filhos em que despejavam seus melhores sonhos e esforços, que deixam seus ofícios e famílias para buscar justiça, e terminam sendo atemorizados, ameaçados.
Para estas famílias, o Estado e seu Poder Judicial que deveria protegê-las da trama de irregularidades e omissões que geraram a tragédia, que deveria fazer a Justiça valer, aparece agora como seu inimigo, uma aterrorizante deusa sem máscara e com os olhos bem abertos faiscando de ira ante … a vítima.
Com um mínimo de modéstia, caridade, bom senso e humanidade, bastaria com que tais defensores pagos para defender os interesses públicos emitissem uma nota, discordando das afirmações e rechaçando as supostas calúnias. Toda a sociedade entenderia o gesto. Mas partir para o ataque, e pior ainda, usando das ferramentas da própria justiça para ameaçar e vitimizar novamente as vítimas tornando-as rés , é algo selvagem, foge à compreensão comum. Independente do que tenham dito ou não dito os novos réus, submetidos a uma situação dramática que comoveu o mundo, deveria olhar-se a situação com magnanimidade.
De que imensa conta honorífica se julgam portadores tais agentes judiciais ? Que soberba move suas ações? Ou será tão baixa sua conta própria que talvez não possam suportar o lamento súplice, a queixa sem resposta, o olhar desmaiado e a fala talvez inconexa que o sofrimento provoca, não possam talvez suportar os gritos que a impunidade arranca de todo injustiçado, àquele aos quais a Justiça deveria justamente de consolar.
Trabalho autônomo não é boa alternativa ao desemprego
Iracema Castelo Branco
A análise do perfil dos trabalhadores autônomos para o ano de 2016 revela que a maioria é homem (66,5%), tem 40 anos e mais (63,3%), possui baixa escolaridade (53,3% têm até o ensino fundamental) e não contribui para a Previdência Social (59,0%). Características estas distintas da média do total de ocupados na RMPA: 53,8% de homens, 47,5% têm 40 anos e mais, 37,4% têm até o ensino fundamental, e 16,9% não contribuem para a Previdência. Relacionando o perfil com o tipo de atividade, percebe-se que os autônomos que trabalham para empresas são um pouco mais jovens e escolarizados quando comparados com os autônomos que trabalham para o público em geral.
Em relação à renda, os trabalhadores autônomos possuem um rendimento médio real inferior ao dos assalariados. Além disso, a queda nos rendimentos dos autônomos foi mais intensa do que a redução dos salários nesses últimos dois anos de crise. Entre 2014 e 2016, a redução do rendimento médio real foi de 20,5% para os autônomos e 14,9% para os assalariados. Em 2014, um trabalhador autônomo recebia em média 4,8% menos do que um assalariado, diferença que aumentou para 11,1% em 2016. Destaca-se que a queda na renda dos autônomos foi 14,3% no segundo semestre de 2016 em relação ao segundo semestre de 2015, justamente no período em que se observou crescimento do seu contingente (13,6%). Analisando-se por categoria, os autônomos que atendem ao público auferem, em média, 26,8% menos do que aqueles que trabalham para empresas.
Em síntese, a inserção ocupacional do trabalhador autônomo dá-se em uma condição de maior precariedade comparativamente ao assalariado. Diante disso, uma alternativa que considere a superação do desemprego através do trabalho autônomo estará ampliando a precarização do mercado de trabalho. Mesmo que alguns desses trabalhadores prosperem, é irrealismo considerar que esse tipo de inserção ocupacional seja uma alternativa consistente na atual conjuntura de crise. Nesse sentido, ter a expectativa de que os 203 mil desempregados da RMPA (abril/2017) possam ser responsáveis pela sua própria geração de renda, ainda mais em um contexto de recessão econômica, retrata a incapacidade dos formuladores de políticas públicas (em âmbito econômico e social) em promover o crescimento econômico e a geração de empregos.

(Publicado originalmente na Revista de Conjuntura da FEE, Ano 26, n.6 – 2017, com o título Trabalho autônomo: alternativa consistente para superar o desemprego?)
O caso Andreas von Richthofen e a esquerda brasileira
Eduardo Maretti
Ao escrever estas curtas impressões, esclareço que minha preocupação, aqui, não tem a ver com filtros do senso comum. A premissa é que escrevo pensando em algo “más allá”, mas sempre dentro da esquerda brasileira.
Dito isso, quero dizer que a esquerda brasileira tem que evoluir muito para ser transformadora. Penso no mestre Pier Paolo Pasolini.
Uso para esta modesta análise impressionista o caso Andreas von Richthofen. Como era de se esperar, após vir a público a informação de que Andreas — o irmão de Suzane, condenada por ser a autora intelectual do assassinato dos pais em 2002 — foi encontrado em condições precárias e com “sinais de uso de drogas”, não tardaram as abordagens simplistas e, eu diria, espiritual e filosoficamente limítrofes, sobre o caso, por parte da nossa nobre esquerda.
Uma dessas abordagens, típicas, diz o seguinte: “é fácil ter compaixão e empatia pelo Andreas. Bem nascido, loirinho, frequentou os melhores colégios e vivemos, todos, a sua dor. Vimos a destruição da sua família. Solidarizamos a dor dele, quando teve os pais assassinados. Difícil mesmo é enxergar humanidade e ter compaixão e empatia com o viciado que parece vindo de outro mundo. Que é analfabeto. Que sempre morou na rua e que já passou pela cadeia algumas vezes”. É o que diz Marcelo Feller, advogado criminal.
Data venia, é o mesmo tipo de argumentação que encara um atentado como o de Paris em 2015, ou o de Manchester, no mês passado, com afirmações do tipo: é fácil lamentar as mortes de Paris, mas difícil mesmo é enxergar a humanidade dos assassinados nas periferias de São Paulo etc etc etc.
É como se a pessoa “bem nascida, loirinha”, abençoada por ter frequentado “os melhores colégios”, fosse destituída de humanidade. É um argumento filosoficamente indefensável. Um argumento que, no limite, justificaria os atentados de Paris de 2015.
Ambos, Andreas e o menino pobre da periferia, merecem a mesma compaixão. A dor de ambos dói igualmente, na alma. Mas na alma deles. A dor é espiritual e física, e existencial.
Se ser humanista é ser antiquado, eu sou antiquado. A questão de Andreas estar ou não na Cracolândia não importa.
A esquerda, da qual eu faço parte, precisa ir além do materialismo e do determinismo.
É óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues, que o país, e particularmente São Paulo, estão submetidos a políticas higienistas e fascistas. Voltamos décadas no tempo. Sofremos um golpe (que, aliás, foi conseguido de maneira tão fácil que chega a ser deprimente ser brasileiro na atual conjuntura – mas isso é outro assunto).
E não é isso que discuto aqui. Aqui, parto do pressuposto de que o fascismo é incabível no século XXI. Mas, repito: a esquerda brasileira precisa ir além do materialismo e do determinismo.
A esquerda brasileira deveria ler Nietzsche, Dostoiévski, Sartre e Baudelaire, para interpretar a história sob perspectivas menos materialistas e deterministas. Perspectivas que possam superar as abordagens fáceis. Entender o sofrimento de Raskólnikov (o protagonista de Crime e Castigo, de Dostoiévski) da mesma maneira que entende o sofrimento dos perseguidos pelo higienismo fascista de João Doria. São dimensões diferentes. Mas dimensões que precisam ser compreendidas como paralelas.
A esquerda brasileira precisa se desvencilhar de seus moralismos e ir “más allá”, se quiser transformar este pobre Brasil em algo digno de ser chamado de uma nação.
É só isso. Data venia.
(Publicado originalmente no blog Fatos Etc.)
JBS e a “reforma trabalhista”
Hugo Cavalcanti Melo Filho
O jornal Folha de São Paulo noticiou, na edição de ontem (15), que o grupo J&F, controlador da JBS, patrocinou iniciativas do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público, ao qual destinou, nos últimos dois anos, mais de R$ 2 milhões. Como é notório, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes é um dos sócios do IDP.
De acordo com a Folha de São Paulo, o Instituto informou que os recursos foram destinados a cinco eventos, além do suporte a um grupo de estudos em Direito do Trabalho e cursos gratuitos para a comunidade.
Para além das já noticiadas relações do ministro Gilmar Mendes com os sócios da JBS, a reportagem chama a atenção por outro aspecto: o financiamento, com dinheiro da JBS, do grupo de estudos em Direito do Trabalho.
Na página do IDP na internet, obtêm-se as informações de que o Grupo de Pesquisa de Direito do Trabalho foi lançado em 30 de junho de 2016, sob a coordenação do presidente do TST, ministro Ives Gandra Filho, para, segundo a apresentação ali feita, a produção de estudos e artigos temáticos, realização de seminários, “buscando encontrar soluções para os problemas que ora são mais cruciais na seara laboral, passíveis de embasar projetos de lei ou ser supedâneo para decisões judiciais”.
Além dos ministros Gilmar e Ives, figuram como coordenador do Grupo e como professores orientadores três juízes do Trabalho que, coincidentemente, são juízes auxiliares da Presidência do TST, afastados da jurisdição. Outra coincidência: a Secretaria-Executiva do Grupo de Pesquisa coube à mesma senhora que é secretária-geral do CSJT – Conselho Superior da Justiça do Trabalho, também presidido pelo ministro Ives.
É muito importante examinar as linhas de pesquisa do Grupo, no campo do Direito Material do Trabalho, retiradas da página do IDP:
A) Direito do Trabalho
– A extração de novos direitos trabalhistas a partir da exegese do ordenamento jurídico vigente à luz dos princípios constitucionais e laborais – baseado em levantamento de que direitos trabalhistas têm sido criados ou ampliados pela jurisprudência do TST invocando princípios constitucionais ou legais próprios do Direito do Trabalho e seu impacto na empregabilidade.
– Um marco regulatório seguro para o fenômeno da terceirização – perquirindo-se sobre quais seriam os parâmetros justos para se disciplinar o fenômeno da terceirização, inclusive no setor público.
– As micro e pequenas empresas e o Direito do Trabalho – perquirindo sobre que reformas trabalhistas seriam necessárias para não comprometer a existência e funcionamento das micro e pequenas empresas, especialmente em contexto de crise econômica.
– O tempo à disposição do empregador e sua remuneração – estudo para aperfeiçoar o conceito, hipóteses, efeitos e remuneração do período não laborado do trabalhador.
– O Direito e a Justiça do Trabalho e a empregabilidade – partindo do levantamento de que encargos sociais as empresas mais reclamam como entraves à competitividade e empregabilidade, para subsidiar eventuais reformas trabalhistas.
B) Direito Sindical
– Os meios alternativos de composição de litígios na seara trabalhista – analisando a jurisprudência e a realidade fática atual, para verificar como inserir adequadamente na seara laboral os meios alternativos de composição de litígios, constituídos pela arbitragem, mediação, conciliação prévia e negociação coletiva, de forma a desafogar a demanda judicial não assimilada pela Justiça do Trabalho.
– O conceito de Indisponibilidade de direitos – partindo da conjugação dos princípios da proteção e da subsidiariedade, propostos pela Doutrina Social Cristã, verificar quais seriam os parâmetros adequados para fixar um conceito de indisponibilidade de direitos em matéria de negociação coletiva.
– Os limites da autonomia negocial coletiva – baseado em levantamento de quais cláusulas de acordos e convenções coletivas de trabalho têm sido anuladas pela Justiça do Trabalho e por que razão.
A reforma sindical possível – estudando que reformas sindicais seriam precisas para tornar mais legítima a negociação coletiva.
As fontes de financiamento do sistema sindical – estudo das fontes atuais de custeio do sistema sindical e propostas de seu aperfeiçoamento.
No dia 30 de março de 2017, o Grupo de Pesquisa lançou o 1.º Caderno de Pesquisas Trabalhistas do GPDT, com onze artigos. Foram premiados, com um total de R$ 20.000,00, os autores dos três melhores trabalhos selecionados. Sobre o evento, publicou o sítio do IDP na internet: “De acordo com o ministro Ives Gandra, o principal propósito do GPDT, a partir da publicação do 1.º Caderno de Pesquisa Trabalhista, é ‘que, da análise de nossa jurisprudência trabalhista, cotejada com a legislação e a doutrina, verificando os impactos que provoca na realidade econômica e social, possa-se chegar a soluções e propostas que contribuam para o aperfeiçoamento e modernização de nossa legislação laboral”.
E mais: “De acordo com o ministro Gilmar Mendes, que coordenou junto ao ministro Ives Gandra a publicação do Caderno de Pesquisas Trabalhistas, o Brasil vivencia um grande desafio acerca da legislação trabalhista nacional, que se utiliza de modelos obsoletos que não correspondem à realidade globalizada: ‘Hoje, o nosso país tem uma massa de desempregados graças a essa brutal recessão. Há famílias que são dilaceradas por esse fenômeno. Não queremos um sistema engessado e precisamos ter uma visão diferente sobre a reforma trabalhista’.
Em 26 de abril de 2017 foi aprovada, na Câmara dos Deputados, a denominada reforma trabalhista, a partir de substitutivo apresentado pelo relator da matéria. A coincidência entre os eixos centrais da reforma e as linhas de pesquisa do Grupo de Pesquisa de Direito do Trabalho (IDP) é absoluta! Sem nenhuma dúvida, o propósito de “subsidiar eventuais reformas trabalhistas” foi plenamente alcançado. Por outro lado, a lógica que direcionou o trabalho do relator é em tudo coincidente com a visão dos ministros Gilmar e Ives sobre o Direito do Trabalho.
No dia 28 de abril de 2017, a ministra do TST Kátia Arruda encaminhou ofício ao presidente da Corte questionando se propostas de emendas da reforma trabalhista teriam saído da Presidência do tribunal, conforme indicara reportagem publicada pelo The Intercept Brasil.
Por todo esse tempo, nos jornais e na TV, pôde-se ver outro juiz do Trabalho, também assessor da Presidência do TST, a reproduzir as curiosas ideias do ministro Ives, em pronunciamentos e entrevistas, magistrado este que, declaradamente, atuou em comissão na Presidência da República, criada para redigir a proposta de “reforma” e, depois, no auxílio ao relator da “reforma trabalhista”, na Câmara, devidamente liberado das funções jurisdicionais, nas duas situações.
O encadeamento dos fatos conduz, razoavelmente, à conclusão de que o Grupo de Pesquisa de Direito do Trabalho do IDP, liderado pelo presidente do TST, coordenado por juízes auxiliares da Presidência do TST, secretariado pela secretária-geral do Conselho Superior da Justiça do Trabalho – também presidido pelo ministro Ives -, produziu subsídios para a reforma trabalhista, que foram integralmente acolhidos pelo relator da matéria na Câmara dos Deputados, havendo suspeita de que até as emendas apresentadas ao relator tenham saído do gabinete da Presidência do TST. O mais grave: tudo financiado pela JBS, que repassou ao IDP mais de 2 milhões de reais, nos últimos dois anos.
Ninguém ignora que os ministros Gilmar e Ives, especialmente este, não têm nenhum apreço pelo Direito do Trabalho e pela Justiça do Trabalho e que querem, a todo custo, ver aprovada a brutal “reforma trabalhista”, de interesse exclusivo do grande capital.
Só não se sabia, até ontem, que esses custos tinham sido suportados pela JBS, empresa envolvida no mais escandaloso esquema de corrupção do país e, desde sempre, impiedosa exploradora dos seus infelizes empregados, contumaz demandada na Justiça do Trabalho e notória devedora da Previdência Social.
A origem espúria dos recursos é indiscutível e reconhecida pelo próprio IDP: “Ao ser questionado pela Folha sobre o assunto, o instituto disse que devolveu R$ 650 mil deste total no dia 29 de maio, após revelação de acordo de delação premiada de executivos da empresa. O IDP diz que, em razão de uma cláusula contratual relacionada à conduta ética e moral do patrocinador, rescindiu um contrato assinado em junho de 2015 com o grupo”. Restam R$ 1.450 mil.
E o ministro Ives, a título de, digamos, contribuição pessoal, escalou mão-de-obra altamente qualificada para assegurar o resultado pretendido e abriu mão da integral concorrência nos serviços do gabinete da Presidência do TST de quatro de seus juízes auxiliares e da secretária-geral do CSJT.
Parece ter sido simples assim: a JBS financiou, o TST e o CSJT indicou quadros qualificados, o GPDT/IDP orientou a produção de textos e os publicou, estes subsídios foram apresentados ao relator da “reforma trabalhista” que os acolheu, prontamente, para escravizar os trabalhadores brasileiros. Será que isso se harmoniza com a Doutrina Social Cristã?
Hugo Cavalcanti Melo Filho, é titular da 12a vara do TRT de Recife e presidente da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho.
Torturados e torturadores
José Antônio Severo
A jornalista mineira Miriam Leitão, comentarista da Rede Globo, colunista de O Globo e ativa conferencista em eventos empresariais pelo país, é a personagem principal, ao lado de seu ex-marido Marcelo Netto, do livro “Em nome dos Pais”, em que o autor, Matheus Leitão, relata a prisão e tortura dos dois pelos serviços secretos do Exército, no Espírito Santo, em 1972.
No livro, o autor, que é filho do casal, recapitula os horrores de sua mãe seviciada pelos militares e insultada aos gritos de “terrorista” enquanto era despida, humilhada, agredida e jogada numa cela imunda e escura com uma cobra jiboia de cinco metros; curiosamente, há dias narrou Miriam, ao ser admoestada dentro de um avião de passageiros por um grupo de militantes políticos fardados, que a ameaçavam aos gritos de “terrorista”. Ela diz que se lembrou dos dias de chumbo da ditadura.
O livro é uma obra literária que revela uma escola de texto de uma geração de jornalistas de meia idade que está chegando ao comando das redações. Também mostra ao leitor as minúcias do trabalho de um repórter clássico, o que hoje no jargão da imprensa se chama de “jornalismo investigativo”.
O leitor acompanha passo a passo a determinação, o rigor e, também, muito importante, vai com o autor gastando sola de sapatos atrás da notícia. Respira velhos dossiês embolorados no fundo dos arquivos, sobe morros e procura sobreviventes; usa os recursos da tecnologia (gravadores e câmeras), sempre para se resguardar.
Matheus sempre informa a seus interlocutores que é repórter e diz o que está fazendo. Mais ainda: ele se vale de forma muito efetiva da Lei de Acesso à Informação. Tempos modernos de um mesmo país.
A narrativa é muito interessante. A começar pelo nome do autor, Matheus, que era o codinome de seu pai na clandestinidade. A ditadura é um pano de fundo. Quase não se vê em seu lado essencial: um regime que tinha no comando político velhos generais da ativa de quatro estrelas (com mais de 60 anos) e a máquina administrativa aparelhada por um enxame de oficiais da reserva; do outro lado, a fina flor da juventude brasileira.
No teatro de operações um grupo minúsculo de estudantes universitários idealistas (a célula retratada, do PCdoB capixaba, contava com 30 militantes) contra também jovens oficiais do Exército, tenentes e capitães, num combate desigual travado nos porões imundos de quartéis de Vitória e do Rio de Janeiro.
Há cenas pungentes, como o pai do autor, Marcelo, trancafiado numa solitária da Vila Militar, jogando xadrez de memória, sem tabuleiro, movendo as peças por sinais precários, como nas novelas de Alexandre Dumas, com seu companheiro de suplício, o jornalista Jorge Luiz de Souza, num cubículo ao lado, também brutalmente torturado na fase de interrogatórios.
O país andou muito ou muito pouco até chegar ao mundo de Matheus Leitão: Os velhos generais, coronéis e tenentes coronéis de 1964 morreram e foram deixando um vazio ocupado por seus adversários do MDB autêntico de Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Pedro Simon, Marcos Freire e tantos outros.
Estes também se foram, ou se aposentaram, deixando o quadro político para a geração seguinte que chegou ao poder com os tucanos de Fernando Henrique, numa transição para os jovens da guerrilha, que assumem a Presidência com Dilma Rousseff, uma menina dos tempos recuperados no livro e que governava a República enquanto o autor vasculha arquivos e percorre os caminhos dos oprimidos e opressores.
Mal ficaram os operadores da Guerra Suja: a maior parte morreu sem glória, muitos atormentados e frustrados, pois seus chefes boicotaram suas carreiras. Hoje, seus filhos ouvem atônitos as perguntas de Matheus e, até mesmo, expressam simpatia pela luta dos inimigos de seus pais. É um ponto alto do livro os encontros dessa segunda geração, os filhos de torturados e torturadores.
Mesmo sem descartar a emoção inerente à sua posição, Matheus apresenta uma matéria objetiva, muito útil para as novas gerações entenderem o lado humano daqueles tempos terríveis, sem os clichês (estenótipos) recorrentes. Leitura fácil de um texto feito com talento e correção. “Em Nome dos Pais” está, justificadamente, se convertendo em best seller. Um livro fundamental.
Em Nome dos Pais, 448 páginas, Editora Intrínseca, R$ 49
A Saúde Pública pede socorro
Everaldo Nunes *
As instituições públicas de saúde de todo território nacional sofrem cotidianamente com o descaso e o despreparo dos gestores, levando a saúde pública ao caos em todo Brasil. Dentre as inúmeras causas do declínio da qualidade dos serviços, destacam-se a imperícia da administração pública e a má utilização dos recursos destinados às redes de atenção em saúde.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é organizado em três camadas de complexidade. O nível de atenção primária à saúde é a porta de entrada ao SUS. Porém, a população tem seu acesso cada vez mais restringido as Unidades Básicas de Saúde (UBS), que compõem esse grau, chamado de baixa complexidade. Além disso, o atendimento prestado tem sua qualidade comprometida pela falta de investimento e de recursos humanos. Problemas recorrentes, mas nunca solucionados pelos governos.
No nível de atenção secundária, constituído pelos serviços de média complexidade, faltam médicos especialistas, equipamentos médico-hospitalares e instalações adequadas. Muitos atendimentos acabam não sendo prestados em virtude desta precariedade de recursos. No município de Porto Alegre, por exemplo, acidentes domésticos que requerem pequenas suturas são da competência das Unidades de Pronto Atendimento (UPA). Mas, por falta de condições, esses casos acabam sendo encaminhados ao Hospital de Pronto Socorro (HPS) ou ao Hospital Cristo Redentor, unidades hospitalares que deveriam receber apenas pacientes em situações de maior gravidade.
O nível terciário, nomeado de alta complexidade, corresponde aos hospitais de grande porte, como o HPS. Esses hospitais são destinados ao atendimento de urgências e emergências médicas. Dispõem de tecnologia de ponta, equipes multiprofissionais e suporte de vida avançado. Apesar de ser referência no atendimento a pacientes politraumatizados e queimados, o HPS atende inúmeras patologias agudas, de naturezas diversas e que contemplam muitas especialidades, como cardiologia, neurologia etc.
Infelizmente, Fortunati e Melo extinguiram a unidade de cardiologia e praticamente desmontaram o setor de serviço social, reduzindo de 14 assistentes sociais para apenas quatro. Essa é a visão truculenta dos gestores públicos. O HPS deveria atender apenas trauma, mas atualmente essa restrição é inviável. A necessidade da população é muito maior, o que se reflete na realidade da instituição.
A demanda não para de crescer, pois muitos hospitais especializados e filantrópicos fecharam suas portas, despejando a população para o ralo das emergências públicas. Os pacientes ficam amontoados nessas emergências à espera de um leito. A sobrecarga de trabalho aos profissionais de saúde, a descaracterização do serviço e, principalmente, a desumana superlotação são algumas das consequências. Esta última, inclusive, é noticiada de diariamente pelos grandes veículos de comunicação.
Nós, servidores, somos obrigados a trabalhar exaustivamente para suprir uma carência de cerca de 200 profissionais. Isso apenas no HPS. É neste contexto que ainda temos que suportar cobranças descabidas das chefias, que não hesitam em exigir o deslocamento para outros setores para cobrir as lacunas geradas pela falta de recursos humanos. O prefeito Marchezan, que se elegeu afirmando que ampliaria o horário de funcionamento das UBSs, demonstra que nada fará para melhorar a situação. Uma de suas primeiras atitudes foi a de ameaçar parcelar o salário dos servidores. Então imaginem quais serão suas próximas ações.
A crise e o caos do país não são de responsabilidade da população, tampouco dos servidores públicos. A culpa é da corrupção e do despreparo daqueles escolhidos para administrar e zelar pelo que é público. Ainda assim, eles se movimentam para que sejamos nós a pagar essa conta.
A população clama por um SUS de qualidade, para atendê-la de forma digna. A saúde pede a reestruturação de sua rede de atenção e a humanização de seus serviços, tanto para o trabalhador quanto para o usuário. A saúde pede um olhar atento, mais investimentos e mais profissionais. A saúde pede socorro, mas também pede respeito.
* Presidente da Associação dos Servidores do HPS
Apenas para lembrar: o que é o Acordo de Paris
