ENIO SQUEFF/ Quando a alternativa é só a política

É notável e significativo que os principais protagonistas das enchentes do Rio Grande do Sul nomeadamente o prefeito Sebastião Melo, de Porto Alegre e o governador gaúcho, Eduardo Leite, tentem impedir que as tragédias sejam, como eles dizem,politizadas. É um engodo. Os dois políticos não sabem ou fingem não saber o que é política. A palavra vem do grego “polis”. Política referese tudo ao que diz respeito à “polis” cidade, em grego. Ora, a se considerar que os centros urbanos gaúchos, seus arredores e seus segmentos, as áreas agriculturáveis que as alimentam, foram afetadas, quando não destruídas, se existe uma questão a ser discutida é exata e indiscutivelmente, a política. Tudo o que se refere à “polis”, como é o caso, é do âmbito da política; não existe absolutamente nada mais urgente e prementemente a ser debatido que não a política.  

Há compreensíveis receios dos dois dirigentes a exporem o que não fizeram na administração da “polis”, vale dizer, das cidades gaúchas e tudo o que se refere a elas. A vulgar palavra desleixo ou o mais despectivo conceito, resumido no mais vulgar que é a palavra “esculhambação” são os termos inegáveis a serem aplicados, sem qualquer pejo, ao que ambos fizeram em suas respectivas administrações.  

Desgoverno, incompetência, desprezo pela polis, ou seja, pela coisa pública ou res (coisa, em latim), pública ressumam uma ideologia muito difundida nos últimos anos pelo que está muito próximo do fascismo. Historicamente, o fascio que tomou a Itália não só antes da Segunda Guerra, mas hoje em dia, e que é o nosso popular facho, no caso da Itália expressa de forma suscinta, o que é: tratase de um feixe de varetas amarrados (normalmente com um machado, que sugeria a autoridade e que simboliza a união inquebrantável e ameaçadora das ditaduras). Era com os feixes, ou mesmo fachos de luz, que os exércitos romanos desfilavam para as suas batalhas. Assim como a palavra política, que os dois dirigentes gaúchos, apesar de políticos, não sabem ou fingem não saber o que significa, o neoliberalismo com os quais eles se identificam, pretendem que nos devemos unir em torno do conhecido mercado. Seria ele e não o Estado, o condutor do mundo novo.

Foi por exorcizar o Estado em favor do Mercado, como se quem poderia socorrer as vítimas de quaisquer flagelo fossem os donos da Van e das Americanas, que o governo brasileiro anterior, logrou que morressem mais de setecentos mil brasileiros de Covid19. Os neoliberais que cultuam o mercado, prescindem das milícias fascistas e nazistas (o sucedâneo do fascismo na Alemanha): têm mais nos grupos de informação a grande imprensa, as redes de TV, a imprensa hegemônica, em suma, os promotores da “lavagem cerebral” que hoje se observa no país. Foi a grande imprensa, com as quase inexistentes exceções quem convenceu os eleitores brasileiros a elegerem o pior parlamento que o Brasil já teve, incluídos aí vários chefes dos executivos municipais e estaduais. O prefeito Melo e o governador Leite, fazem parte desta geleia geral que praticamente domina o país. Fácil de explicar.

A imprensa hegemônica é um negócio que se faz vendendo anúncio das grandes corporações capitalistas, do agronegócio, e dos interesses do Império. A coisa chegou a tal ponto, que segmentos inteiros do próprio Estado, como as Forças Armadas, corporações da saúde, do mundo jurídicoformamse em torno do mercado. É o que explica haver generais dispostos a trair seu país, a médicos negacionistas das vacinas, e governantes, como Melo e Leite, a deixarem apodrecer equipamentos que deveriam resguardar as cidades das enchentes, dos incêndios, da bandidagem e assim por diante. Tudo para vender os próprios do Estado, com grande vantagem para os compradores normalmente estrangeiros. Tratase do velho e podre entreguismo.

Quantos militares não trabalharam para o desmonte de fábricas de armamentos nacionais, em favor dos fabricantes dos países hegemônicos? E quantos médicos abdicaram de seu saber contra a vacinação, mas em favor da ineficiente cloroquina para combaterem a recente pandemia, tudo em nome da ideologia neoliberal? E quantos não trabalham contra o SUS, apesar de saberem que é o único remédio para os milhões de pobres do Brasil? No entanto, sem o aparelho estatal Forças Armadas, Corpo de Bombeiros, médicos inseridos no setor público, a máquina do Estado, em suma, o Rio Grande do Sul estaria ainda ao Deus dará, como se manteve nos primeiros dias, quando Melo e Leite, atônitos, agiram como baratas tontas, sem saber o que fazer? O governador Leite chegou ao cúmulo, em sua ideologia neoliberal, de pedir que o Brasil, por meio de seus estados, cessasse de enviar roupas, remédios, e dinheiro, tudo para proteger neoliberalmentea economia gaúcha, completamente destroçada pelas águas. A população gaúcha que ficasse sem abrigos, passando fome, sedenta de águas puras, esperando a enchente baixar. E o mercadinho da esquina a contar com o fim do desabastecimento, só possível com a remontagem das estradas, dos aeroportos e afins, providências que o mercado, por si só, evidentemente não normaliza.

Esse o nível de descomprometimento com a polis, ou seja, com as cidades que levaram os dois políticos, a não querer discutir o essencial, que é a política. 

Poupemonos de garimpar expressões não chulas para classificálos. Os leitores certamente as terão, e irão agradecer por não sermos disfêmicos. 

 

*Enio Squeff é artista plástico.