O governo de conciliação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com agenda consensual, na prática não existe mais. O apoio da base parlamentar é frágil, com os partidos do chamado “centrão” não comprometidos com a agenda legislativa do governo.
O melhor exemplo é a derrota esta semana do governo na Câmara dos Deputados, com placar de 383 votos a 98, na votação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL), que revoga o aumento de alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), enviado pelo Executivo. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), pautou o tema sem avisar ao governo e ajudou a atropelar a medida presidencial.
O decreto legislativo revogou o aumento das alíquotas do IOF, estabelecido por um decreto presidencial, com aumento de tributação sobre investimentos em títulos privados imobiliários e agropecuários e apostas financeiras, que mirava os ricos e super-ricos.
O aumento das alíquotas do IOF também foi derrubado no Senado momentos depois, após uma votação relâmpago pautada pelo presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre (União-AP), numa demonstração de articulação próxima entre as lideranças do Congresso.
A disputa em torno do IOF define de onde sairá o dinheiro – em outras palavras, quem pagará a conta – para cobrir os R$ 20,5 bilhões necessários para cumprir a meta fiscal do orçamento de 2025. Isso porque o governo já bloqueou ou contingenciou R$ 31,3 bilhões em despesas deste ano.
Logo após a votação, Motta disse que foi uma construção suprapartidária, com a maioria expressiva. “A Câmara e o Senado derrubaram o decreto para evitar o aumento do Estado.” Até mesmo o jornal O Globo não resistiu e, em seu editorial, afirmou que o Congresso está sem rumo. “Fala em responsabilidade fiscal e austeridade, mas, no mesmo dia em que derruba o decreto presidencial aumentando o IOF, aprova a ampliação da Câmara de 513 para 531 deputados — com impacto anual perto de R$ 750 milhões (incluindo emendas parlamentares) e efeito cascata nas assembleias legislativas.”
No setor de energia, o Parlamento atende a interesses privados que custarão R$ 35 bilhões por ano na conta de luz dos brasileiros. Para não falar no descalabro das emendas, que segue sem solução. Um Projeto de Lei assinado por Motta prevê acúmulo de aposentadoria e salário de parlamentares, ultrapassando o teto constitucional, de R$ 46.366.”
Realmente é um escárnio completo, mas que já está afetando a imagem do Congresso nas redes sociais, com críticas veementes a postura dos deputados de oposição, uma maioria que defende interesses predatórios ao País.
Base volátil
Desde o início de seu terceiro mandato como Presidente da República, Lula cedeu para viabilizar um governo de coalização. Incorporou partidos do chamado “centrão”: MDB, PSD, União Brasil, PP e Republicanos que, juntos com o PT, ocupam 11 ministérios do primeiro escalão. A base é volátil. Esses cinco partidos já sinalizam faltar apoio mais firme, especialmente visando as eleições de 2026.
Com o arcabouço fiscal do governo Lula cortou na própria carne. No Novo Regime Fiscal, que entrou em vigor em 31 de agosto de 2023, o governo só pode aumentar suas despesas de acordo com o aumento da arrecadação, com um limite de 70% do crescimento da receita real (ajustada pela inflação). Piso e teto para o crescimento das despesas fiscais, entre 0,6% e 2,5% ao ano.
Dados do sistema DIRBI (Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades Tributárias) apontam que o total de isenções fiscais concedidos pelo governo pode ultrapassar R$ 800 bilhões.
O presidente Lula validou o decreto que alterou o regime de meta de inflação anual para o modelo de meta contínua a partir de 2025, com alvo em 3%. Com expectativas de inflação acima da meta, o Comitê de Política Monetária (Copom), sob a presidência do indicado por Lula, Gabriel Galípolo, prevê “período prolongado” da taxa básica de juros (Selic) a 15% ao ano.
Todas as medidas acima adotadas pelo governo Lula provocam recessão ou beneficiam o andar de cima. Mesmo assim, não saciaram a gula do Legislativo. Portanto, é preciso acompanhar os próximos movimentos do governo, se realmente vai deixar seu estilo conciliador com os partidos conservadores de sua base, que está afundando sua popularidade. A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), assegura que as portas não se fecharam para o diálogo com o Congresso.
No entanto, Lula resolveu reagir, manifestando a percepção de que a derrota parlamentar pode se transformar em uma oportunidade para o governo expandir o debate nacional sobre distribuição de renda, desigualdade social e a resistência dos setores mais abastados em contribuir com maior carga tributária.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta sexta-feira (27) que o presidente Lula perguntou para a Advocacia-Geral da União (AGU) se o decreto legislativo, que revoga o aumento das alíquotas do IOF, usurpa prerrogativa do Executivo. Segundo o ministro, se a resposta for positiva, o governo deve recorrer ao STF.
“Você tem a Constituição dizendo que a prerrogativa do IOF é do Executivo e a própria Constituição diz que o decreto do presidente tem que respeitar os parâmetros estabelecidos em lei, e isso foi feito”, afirmou Haddad em entrevista à GloboNews.
Antecipando-se ao governo federal, o PSOL protocolou no STF a ação direta de inconstitucionalidade em que defende a revogação do projeto, recém-aprovado pelo Congresso, que derruba o aumento no IOF decretado pelo governo.