Enquanto muitas pessoas batem panela para manifestar sua decepção com a gestão Bolsonaro, é oportuno lembrar que as trapalhadas presidenciais não agravam nem amenizam o drama imposto pela pandemia do Covid-19.
O certo é que a catástrofe anunciada pela chegada do vírus está colocando à prova a estrutura brasileira de defesa sanitária e de salvaguarda da economia.
Quem diria que teríamos um desafio dessa grandeza?
Dá-se como certo que os sistemas público e privado de saúde, somados, não darão conta do problema, que está no começo e cujo pico deve ocorrer entre abril e junho.
Mas o que dizer do sistema econômico?
A primeira coisa que os empreendedores privados fizeram foi pedir aprazamento do pagamento de impostos, redução de tarifas de serviços essenciais (água, energia, telefone) e autorização para reduzir salários e carga horária.
O governo se dispôs a abrir os cofres para despejar dinheiro no mercado, o famoso Mercado, supostamente apto a resolver qualquer parada, desde que o Estado não se meta…Capitalismo de araque!
Os bancos que vêm acumulando lucros anuais de 100 bilhões de reais estão “quietos como coruja no poste”. E ainda não se ouviu um pio das seguradoras, que supostamente estão aí para ajudar vítimas de desastres etc.
Sim, o governo brasileiro foi pego no contrapé, mas a sociedade brasileira – se assim podemos chamar o nosso desigual quadro social – está na contingência de provar que o Brasil é um país viável com seus bancos poderosos, seu pujante agronegócio, suas grandes exportações de produtos primários, suas fábricas de automóveis de capital estrangeiro, suas universidades públicas e privadas – em que pesem seus brutais índices de desigualdade socioeconômica.
Embora apresente razoáveis índices de crescimento ao longo das últimas décadas, a economia brasileira está momentaneamente sem força para gerar renda e emprego para milhões de pessoas colocadas à margem do progresso.
E agora que está obrigada a fazer uma pausa em nome da saúde popular? É um baita desafio que se soma ao trabalho dos especialistas em saúde pública.
O que seria de nós sem os cientistas, os pesquisadores e os professores achincalhados nos últimos meses por ministros do atual governo?
Os jornais falados e impressos começam a contabilizar as mortes pelo covid-19 (quatro em São Paulo e duas no Rio na quinta, 19/3), mas esquecem de relacioná-las com a mortalidade geral do país.
Vamos recordar: em 2016, segundo os últimos dados disponíveis, morreram 1,3 milhões de brasileiros (éramos pouco mais de 200 milhões), sendo 340 mil de doenças cardíacas/circulatórias (hipertensão, 1/3 do total); 200 mil de cânceres; 139 mil de pneumonia e doenças do aparelho circulatório; 63 mil do fígado e aparelho digestivo; 56 mil de diabetes. Segundo os dados do Ministério da Saúde, “causas externas” (entre elas, acidentes de trânsito e violência interpessoal) causaram mais de 50 mil mortes.
A subnutrição vitimou seis mil brasileiros. Na lista de 100 causas mortis, mal constam sarampo, dengue e zika, todas causadas por vírus contraídos por via respiratória, como acontece com o coronavirus.
Os dois grandes indicadores de saúde apresentam dados positivos.
O índice de mortalidade infantil vem caindo ano após ano e está em 12,4 mortos/ano por mil nascidos vivos, sendo o Amapá o pior (22,8) e o Espírito Santo o melhor (8,1). Mérito dos profissionais de saúde, especialmente do SUS.
Também a esperança de vida vem subindo: 76,3 anos no país, sendo 79,7 anos em Santa Catarina e 71,1 no Maranhão (no ES, 78,8).
Mas como estaremos – na economia e na saúde — depois da quarentena que se anuncia?
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Todos os sucessos no setor moderno [dos chamados países em desenvolvimento] provavelmente serão ilusórios a menos que haja também um crescimento salutar – ou, pelo menos, uma solução salutar de estabilidade – entre os enormes números de pessoas cuja vida se caracteriza hoje não só pela mais terrível pobreza mas também pela desesperança”.
E. F. Schumacher, economista inglês, autor de “Small Is Beautiful (O Negócio é Ser Pequeno, na tradução brasileira de Zahar Editores), em conferência da Unesco em Santiago, Chile, 1965