LUIZ-OLYNTHO TELLES DA SILVA / Nostalgia

Luiz-Olyntho Telles da Silva*

Ah! Quem não gostaria de voltar, navegando quiçá nos versos de Casemiro de Abreu, à infância querida, viajando no tempo com Wells, às origens do mundo, mas com o saber de agora, com a consciência que então não se tinha? Assistir ao Big Bang, bem protegido, é claro! (Embora não consiga acreditar que houvesse proteção para tanto. Sim, a explosão, originária da vida, teria sido também mortal.)

Quanto a mim, antes da pandemia, acreditava que só retornar a outros tempos, com Shakespeare, por exemplo, em uma tarde cinzenta, abrigado da garoa, lendo Virgílio e vendo Dido e Enéas também resguardando-se da chuva – eles em uma caverna, e assistindo à transformação em suas almas, proporcionada pela paixão –, já seria suficiente. Invisível na biblioteca do bardo, poderia testemunhar sua leitura da Eneida, o reconhecimento da pouca importância do cenário quando a paixão avassala tudo o mais. Sim, o chuvisco do qual se defendiam era um simples eufemismo para dizer da tempestade que lhes ia no coração. E Shakespeare começaria a escrever seu último romance. Um sonho. E se voltasse um pouco mais no tempo, em outro flashback, talvez pudesse ver que associações Virgílio teria deixado de anotar enquanto revia a desditada Dido abandonada por ordem dos deuses.

Queremos voltar para reencontrar bons tempos. E encontraríamos?

Odisseu, depois de dez anos pelo mundo, voltou para casa, para a mulher que supostamente o esperava, não ficou feliz e partiu novamente. Sua odisseia foi o nostos, origem etimológica de nossa nostalgia. Voltou para casa, mas encontrou-a tomada pelos pretendentes de Penélope, servidos por suas criadas, suas ovelhas e seus porcos, a esposa sem reconhecê-lo.

Menos ambicioso, acreditava ficar satisfeito se voltasse tão só àqueles dias em que o freguês sempre tinha razão! Porque agora – aliás, desde antes da pandemia (causada pelo Corona vírus Sars CoV-2), a exemplo dos viajantes que são tratados, legalmente, como potenciais ameaças sociais e examinados, antes de embarcar, com mais rigor do que ao bandido pego na rua, em flagrante –, os fregueses já não têm razão nenhuma. A tão sonhada igualdade – condição em que os direitos e as oportunidades de cada um seriam respeitados por todos –, transformou-se apenas em igual falta de respeito. Palavrões por todo o lado estão liberados; os jovens sabem mais que os velhos, nascem dentro de uma tecnologia de comunicação maravilhosa, mas que parece abolir toda a educação anterior, agora presumida como obsoleta. Se antes queríamos voltar a conviver com os dinossauros, mas em cabines de pressão controlada, hermeticamente fechadas e com ar condicionado a piacere, neste momento, atingidos por essa nova peste, trancados em casa, sentimos saudades até do tempo em que os vendedores nos tratavam mal. Se os relacionamentos, mediante uma boa tecnologia, pareciam mais fáceis e o outro, o semelhante, como objeto virtual, ficava lindo, agora vemos a falta que nos faz sua presença, seu abraço amigo.

Ah! Casemiro, como são belos os dias do despontar da existência! Respira a alma inocência como perfumes a flor.

 

Luiz-Olyntho Telles da Silva (Marcelino Ramos, 1943) é psicanalista e escritor. Autor – na área da literatura – de Incidentes em um ano bissexto, Iluminura turca e outras crônicas, Um elefante em Albany Street e Os Embaixadores. E-mail: lots@uol.com.br

 

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