A encruzilhada dos shoppings centers

Muito se fala da crise de hegemonia do imperialismo dos Estados Unidos, com a submissão da União Europeia, que vai de encontro a proposta de China, Rússia e mais o sul global, que defendem um mundo multipolar. No entanto, ao mesmo tempo, estamos vivendo o começo do fim da civilização motorizada, a era do homem hidrocarboneto, como definiu o Daniel Yergin, no seu premiado livro “O Petróleo”.

No período pós-Segunda Guerra Mundial, ocorreu o aumento visceral do consumo devido ao petróleo barato, com a imposição do american way of life, massificação do automóvel, transformando todos os flancos da economia e destruindo o meio ambiente. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) das Nações Unidas e o Observatório Europeu Copernicus confirmaram que há dados suficientes para afirmar que julho será o mês mais quente já registrado na História. Segundo o secretário-geral da ONU, António Guterres, o planeta chegou agora à era da “fervura global”.

O total mundial de consumo de energia triplicou entre 1949 e 1972. No entanto, esse crescimento eclipsou-se diante do aumento do consumo de petróleo, que no mesmo período cresceu mais de cinco vezes. Em todos os lugares, houve um drástico aumento na demanda de petróleo. Entre 1948 e 1972, o consumo triplicou nos Estados Unidos, indo dos 5,8 milhões para 16,4 milhões de barris diários. O mesmo aconteceu na Europa Ocidental, Japão e até nos países da periferia econômica. 

Os shoppings centers, com dezenas de metros quadrados de estacionamentos inicialmente gratuitos, tornaram-se a meca para o consumidor e um local estratégico para varejistas.  Em 1946, havia somente oito shoppings centers em todos os Estados Unidos e, no início dos anos 1980, esse número pulou para 20 mil grandes shoppings, que registraram quase dois terços do total de vendas a varejo. O primeiro shopping center cercado e climatizado surgiu perto de Minneapolis, em 1956.

Em 2020, informou o Business Insider, a Coresight Research projetou que 25% dos cerca de um mil shoppings dos Estados Unidos fechariam as lojas nos próximos três e cinco anos. Analistas do UBS estimaram que algo entre 40 mil e 50 mil lojas de varejo do país fechariam até 2027. Eles disseram que os shoppings tradicionais correm um risco alto porque os compradores agora preferem fazer viagens rápidas às lojas mais próximas.

Os shoppings dos Estados Unidos estão entrando em falência à medida que o comércio online ganha força entre os consumidores. Segundo o site Business Insider, daqui a 10 anos, haverá, aproximadamente, 150 shoppings americanos, número inferior aos 700 que existem hoje.

O proprietário do Shopping Center Westfield San Francisco Centre, em pleno Vale do Silício, na Califórnia, com mais de 20 anos de história, disse que estava devolvendo o estabelecimento aos credores, citando a queda nas vendas e no tráfego de pedestres.

No Brasil, houve queda de 21% do patamar de 505 milhões visitantes, em 2019, para 397 milhões, em 2022, segundo a Associação Brasileira de Shoppings Centers (Abrasce). O público de shoppings está 20% abaixo do pré-pandemia. Dados da NielsenIQ Ebit revelam que o número de brasileiros que consomem no ambiente online aumentou 24% em 2022, em relação a 2021, mesmo com o fim das medidas de quarentena e isolamento social por conta da pandemia de Covid-19.

De acordo com um estudo elaborado pela ABComm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), o e-commerce irá atingir R$ 185,7 bilhões em 2023. Em 2024, o mercado deve chegar a R$ 205 bilhões e saltar para R$ 225 bilhões em 2025. Para 2026, a entidade projeta que a área irá gerar uma receita de R$ 248 bilhões, número que deve saltar para R$ 273 bilhões em 2027.

Além do volume avassalador das vendas online, os shoppings brasileiros sofrem com o brutal aumento da concentração de renda no período do governo Bolsonaro (2019/2022). Um novo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), divulgado neste mês de julho, traçou um dramático retrato da fome no Brasil. Segundo o documento, 70,3 milhões de brasileiros enfrentaram algum tipo de insegurança alimentar entre 2020 e 2022, enquanto 21,1 milhões de pessoas, ou 9,9% da população brasileira, se encontram em um quadro de insegurança alimentar severa — ou seja, ficaram um ou mais dias sem ter o que comer.

Um bom exemplo é o caso da Polishop, varejista de eletrodomésticos e itens para casa, que enfrenta dificuldades que obrigaram a empresa a reduzir sua estrutura. Os sócios precisaram injetar recursos para equilibrar a estrutura de capital em 2022 e, de um ano e meio para cá, dezenas de lojas deficitárias foram fechadas, com demissões e corte de custos, em um plano para reorganizar a operação e tentar ser mais rentável.

Ao fim de 2021, eram 250 unidades, e um ano depois, em dezembro passado, a rede somava 180 – hoje, são 120 lojas. Neste ano, shoppings de empresas como Multiplan, Iguatemi, Ancar, Saphyr e Aliansce Sonae BR Malls entraram com ações de despejo e execuções de títulos judiciais contra a rede por conta de atrasos no pagamento de aluguéis.

Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o fundador João Appolinário, critica a posição de shoppings nas negociações de contratos e diz que as linhas de bancos “sumiram”, sendo que as que existem têm “taxas absurdas”, alcançando mais de 25% ao ano (CDI + taxa).  “O fato é que shopping virou um lugar de lazer. Tem lá restaurantes, teatros, eventos. As pessoas entram nos shoppings olhando para o celular, mesmo que você faça uma vitrine linda, não olham. E você paga percentual da venda a eles, e ainda metem multa se puderem”, afirmou.

A classe média brasileira empobreceu e sem ela boa parte dos shoppings tendem a sucumbir. Por isso, a pressão principalmente do empresariado do varejo pela queda da taxa básica de juros, que o presidente do Banco Central, Campos Neto, resiste pôr em prática, sem qualquer argumento técnico convincente.

De acordo com Nick Egelanian, presidente da empresa de consultoria de varejo SiteWorks, os shoppings que resistirão à nova dinâmica de consumo dos americanos serão locais premium, com entretenimento, restaurantes e lojas de luxo. No Brasil, quantos shoppings para abastados irão sobreviver?