O resultado primário do governo federal, que representa a diferença entre as receitas e os gastos, gerou durante a semana uma discussão praticamente política sobre o déficit fiscal, alimentada pela mídia corporativa. O mote foram as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que afirmou num café com jornalistas que o déficit “não precisa ser zero”.
E realmente não precisa. No final de 2022, por exemplo, a dívida pública japonesa atingiu US$ 9,2 trilhões (cerca de R$ 47,7 trilhões). O valor corresponde a 266% do PIB do país. Comparativamente, a dívida dos Estados Unidos, no mesmo período, ficou em US$ 31 trilhões (cerca de R$ 160,9 trilhões). O que leva a esses déficits são os mais diversos motivos, mas o principal é manter o crescimento de suas economias.
A partir daí, foi dito que o presidente contraria o ministro da Fazenda Fernando Haddad e o que está previsto no arcabouço fiscal e na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Ora, são essas travas que impedem que o governo Lula comece a gastar desenfreadamente.
Haddad voltou a repetir nesta sexta-feira, 3, que conversará com a imprensa quando “tiver novidades”, ao ser questionado sobre mudança na meta fiscal. “Assim que tiver novidade eu reporto”, respondeu. Além disso, Lula nada falou sobre alterar oficialmente a meta fiscal via mensagem ao Congresso ou simplesmente deixar de cumpri-la.
O editorial do jornal O Globo desta sexta-feira, é um exemplo da utilização da discussão do déficit público para fustigar o governo Lula: “…Todos confiaram que, depois do descontrole orçamentário promovido pela PEC da Transição, haveria, ao menos, grande esforço para reequilibrar as contas públicas. Intenções contam. Até que o presidente Lula torpedeou a meta do ano que vem no final de um café da manhã com jornalistas…”
Em meio ao debate sobre a alteração ou não da meta fiscal de déficit zero, o presidente Lula defendeu que o governo libere recursos para investimento. A fala aconteceu nesta sexta-feira, durante a abertura da reunião ministerial sobre Infraestrutura, em Brasília. “Para quem está na Fazenda, dinheiro bom é dinheiro no Tesouro, mas, para quem está na Presidência, dinheiro bom é dinheiro transformado em obras. Se o dinheiro estiver circulando e gerando emprego, é tudo que um político deseja. Queremos que vocês sejam os melhores gastadores de dinheiro deste país. A gente não pode deixar sobrar dinheiro que está previsto ser investido.”
A Secretaria do Orçamento Federal do Ministério do Planejamento divulgou uma leve melhora na projeção para o déficit nas contas públicas de 2023. Segundo o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 4º bimestre, a estimativa de rombo caiu de R$ 145,4 bilhões (1,4% do PIB) para 141,4 bilhões (1,3% do PIB).
Já que a discussão é política, o resultado primário do governo federal desconsidera o pagamento dos juros da dívida pública. A previsão do mercado para 2023 é que o valor dos juros da dívida chegue próximo de R$ 800 bilhões. Por que um valor dessa magnitude só de juros ao ano da dívida pública não pode ser questionado na defesa de investimentos para o País? A previsão do Tesouro Nacional é que a dívida pública encerre o ano de 2023 entre R$ 6,4 trilhões e R$ 6,8 trilhões.
O que aconteceu com o Brasil durante os governos Temer e Bolsonaro foi um ataque a máquina pública, redução dos direitos trabalhistas e previdenciários, privatizações com a entrega do controle de nossa energia e o fatiamento da Petrobras, contrabando do ouro das terras indígenas e defesa dos ganhos dos bancos e grandes fortunas através de altas taxas de juros, provocando recessão. Essa foi a situação do País recebida pelo governo Lula.
Mesmo assim, em 10 meses de governo, o desemprego no Brasil ficou em 7,7% no terceiro trimestre, menor nível desde fevereiro de 2015, quando recrudesceu o ataque das forças contrárias ao governo de Dilma Rousseff. O Brasil tinha em setembro passado 8,3 milhões de desempregados, quase metade do registrado no pior momento da pandemia, quando a desocupação chegou perto de 15%.
O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, cortou a Selic pela 3ª vez seguida. A taxa básica de juros cai de 12,75% para 12,25% ao ano. Bolsonaro entregou o governo com a taxa em 13,75%. Com a redução, a Selic atingiu seu menor nível desde maio de 2022, quando estava em 11,75% ao ano. A Selic desempenha um papel fundamental na política monetária, influenciando todas as taxas de juros no país.
A economia brasileira precisa ainda de mais estímulos para decolar, distribuir renda, mas é exatamente isso que a oposição não quer. Por isso, esses números não interessam.
Nesse momento, vale lembrar o movimento de um país citado sempre como exemplo pelos conservadores brasileiros. O presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt tomou posse a 4 de março de 1933, no auge da Grande Depressão, com 25% da massa trabalhadora estadunidense desempregada – recorde ainda hoje mantido.
Um mês depois da posse, Roosevelt anunciou ousadas inovações contidas em uma série de programas denominados New Deal, que incluíam medidas expansionistas, rompendo definitivamente com o liberalismo e inaugurando a fase de práticas keynesianas, com aumento da intervenção do Estado na economia, ativismo monetário e fiscal. Isto permitiu a superação da Grande Depressão.
Quem salvou os EUA, além da Segunda Guerra Mundial, foi o New Deal, com um gasto público jamais visto em tempos de paz. Os juros foram derrubados no início daquela década e só ficaram acima dos 4%, patamar dos anos de 1920, em 1953. Não é um bom exemplo?