“Recepção de Lula a Maduro foi vexatória” foi o título do editorial de O Globo. Não, vexatória foi a cobertura da mídia corporativa da reunião em Brasília dos presidentes dos países da América do Sul, com o objetivo de restabelecer algum mecanismo de cooperação que envolva todos. A cobertura desnuda que temos uma mídia que tem como principal objetivo defender interesses de fora, que não servem ao Brasil e sua população.
A declaração de Laura Richardson, chefe do comando Sul dos EUA, evidencia a importância da aproximação cada vez maior dos países da América Latina: “Sim, falo do nosso inimigo número 2 na região, Rússia. Quero dizer, claro, falo sobre as relações entre Cuba, Venezuela e Nicarágua com a Rússia. Mas porque essa região é tão importante? Com todos os seus ricos recursos e elementos de terras raras. Temos o triângulo do lítio, que é vital para a tecnologia atual. 60% do lítio está no triângulo do lítio: Argentina, Bolívia e Chile. Temos as maiores reservas de petróleo bruto, leve e doce, descobertas na Guiana há pouco mais de um ano. Temos os recursos da Venezuela também com petróleo, cobre, ouro. Temos o pulmão do mundo na Amazônia. Também temos 31% da água doce do mundo nesta região. Temos muito o que fazer. Essa região é importante. E temos que intensificar nosso jogo. Tem muito a ver com a segurança nacional.”
Por isso, a mídia corporativa criou rapidamente uma narrativa diversionista, atacando o presidente da Venezuela Nicolás Maduro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, na noite de terça-feira (30), que a reunião de 11 presidentes sul-americanos em Brasília, ocorrida no Palácio do Itamaraty, não foi de um grupo de amigos, mas de líderes de países em busca de uma coordenação regional. Foi uma resposta aos questionamentos sobre divergências que vieram à tona com outros presidentes, como o do Chile, Gabriel Boric, e o do Uruguai, Luis Lacalle Pou. Ambos criticaram a Venezuela por violações de direitos humanos e enfraquecimento da democracia.
Em 1975, contando com a receita do Estado venezuelano ampliada pelo primeiro choque do petróleo, o governo do social-democrata Carlos Andrés Pérez (1974-1978) nacionalizou o setor e criou a Petróleos de Venezuela S.A (PDVSA). No ano seguinte, essa corporação já operava as catorze empresas estatizadas, cuja produção alcançava um total de 2,3 milhões de barris/dia.
Em 2009, 0 governo do presidente venezuelano, Hugo Chávez, estatizou 60 empresas que prestavam serviços à PDVSA, depois da promulgação de uma lei que deu ao Estado o direito de controlar total ou parcialmente bens e serviços relacionados à atividade.
Na lista de bens expropriados pelo governo venezuelano estavam 300 embarcações e 39 terminais utilizados na produção petrolífera. Cerca de oito mil trabalhadores dessas empresas se tornaram funcionários do Estado. Na época, Chávez revelou que produzir um barril de petróleo custava quase US$ 8. Quase metade disso, 40%, ia para empresas contratadas. É disso que se trata.
Tanto Boric, como Lacalle Pou não comentaram as centenas de sanções dos Estados Unidos contra a Venezuela e, ainda, a decisão da Suprema Corte do Reino Unido de manter o bloqueio de 31 toneladas de ouro venezuelano, depositados no Banco da Inglaterra. O banco se nega a liberar as reservas em ouro do povo venezuelano, por reconhecer o opositor Juan Guaidó, títere do governo dos EUA, como autoridade legítima.
“O fato de ter dois presidentes que não concordaram, não sei em que jornal eles leram. Eu disse que aqui não foi convocada uma reunião de amigos do Lula. Foi convocada uma reunião de presidentes para construir um órgão dos países”, afirmou Lula.
Na reunião bilateral entre Lula e o presidente Nicolás Maduro, na segunda-feira (29), o presidente brasileiro defendeu que o país vizinho deveria divulgar sua “narrativa” sobre a situação política e econômica para se contrapor às narrativas negativas feitas por opositores no cenário internacional.
Questionado sobre as divergências durante uma entrevista coletiva após a cúpula, Lula ressaltou a pluralidade do encontro. “O fato de o cidadão ter o direito de falar mal e de discordar, é tudo que me interessa”, respondeu.
“O Maduro faz parte deste continente nosso. Houve muito respeito com a participação do Maduro. Ninguém é obrigado a concordar com ninguém. É assim que a gente vai fazendo”, acrescentou o presidente.
Em discurso, Lula defendeu a retomada da União de Nações Sul-americanas (Unasul). Criada em 2008, no segundo mandato do presidente Lula, e em meio a ascensão de governos de centro-esquerda, o grupo chegou a reunir a totalidade dos países da região, mas foi se desintegrando ao longo do tempo, após mudanças de governos em diversos países, e agora reúne apenas sete: Venezuela, Bolívia, Guiana, Suriname e Peru, além de Argentina e Brasil, que voltaram ao grupo recentemente.
Consenso de Brasília
Ao final do encontro, os 11 presidentes, mais o representante do governo do Peru, divulgaram uma carta em que reafirmam valores comuns e concordam em aprofundar discussões sobre a criação ou restabelecimento de algum mecanismo de cooperação que envolva todos os países da região. Entre os itens aprovados, está a elaboração de uma proposta para se criar um organismo sul-americano de cooperação. Segundo Lula, o grupo de ministros de Relações Exteriores deve apresentar uma proposta em cerca de quatro meses. “Esse grupo que foi criado, de chanceleres, tem 120 dias para apresentar, numa próxima reunião [de presidentes], as propostas que eles pretendem concluir”, afirmou em declaração a jornalistas.
“A reunião de hoje é um exemplo de que ou nós resolvemos nos juntar para brigar em defesa dos nossos interesses ou ficamos sendo marionetes nas mãos das grandes economias”, enfatizou Lula, ao defender novamente a retomada de um grupo de países da região.
Para a indignação ainda maior da mídia corporativa brasileira, na quarta-feira, 31, Mao Ning, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, comentou a disposição da Venezuela de ingressar no bloco dos BRICS, numa coletiva de imprensa realizada em Pequim: “Damos as boas-vindas a mais parceiros com ideias semelhantes para se juntarem à família BRICS em breve”.
Com Agência Brasil, BBC e Global Times