Até FMI reconhece que Brasil vai crescer acima da média mundial em 2023

O relatório do Panorama Econômico Mundial divulgado nesta semana pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) diz que o Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produzidos) brasileiro crescerá 3,1% em 2023, alta de 1 ponto percentual em relação à estimativa anterior, apresentada em julho passado. Em contrapartida, a estimativa de expansão para a economia global caiu de 3,5% para 3% neste ano.

Para 2024, o FMI melhorou a previsão de crescimento para o Brasil, de 1,2% para 1,5%, e reduziu levemente a projeção de crescimento global de 3% para 2,9%. O documento foi apresentado em Marrakech, no Marrocos, onde o Banco Mundial realizou sua reunião anual em parceria com o FMI.

O FMI citou três fatores principais para a melhoria das estimativas econômicas para o Brasil. Segundo o relatório, a “agricultura dinâmica” e os “serviços resilientes” no primeiro semestre, acompanhado da manutenção do consumo forte por causa de estímulos fiscais, contribuíram para melhorar o desempenho da economia brasileira em relação às estimativas iniciais.

Apesar de melhorar as projeções para o Brasil, o FMI citou riscos para o país. Segundo o órgão, a inflação persistente e o endividamento das famílias continuam a preocupar. Certamente não foi incluído nesta análise o programa Desenrola Brasil que começou em outubro e vai beneficiar pessoas que ganham até dois salários mínimos ou que estejam inscritas no CadÚnico. São R$ 126 bilhões em descontos para cerca de 32 milhões de brasileiros.

O relatório também mencionou a falta de espaço fiscal para gastos prioritários e riscos decorrentes das mudanças climáticas. As previsões do FMI estão mais em linha com as estimativas do governo brasileiro. A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda prevê expansão de 3,2% da economia brasileira em 2023 e de 2,3% em 2024.

Já a mídia corporativa especializada preferiu focar na dívida pública brasileira. O economista-chefe do Banco Mundial, Indermit Gill, ressaltou que o Brasil não está no grupo de países pressionados pelo crescente peso da dívida pública. Ainda assim, segundo ele, o Brasil sofre do chamado “crowding out”, um termo usado por economistas quando se avalia que o efeito da elevação dos gastos públicos para estimular a economia é anulado pela redução dos investimentos privados.

No documento, a instituição prevê que a dívida pública bruta do Brasil vai subir para 88,1% do PIB em 2023. A previsão é que o indicador siga em alta nos cinco anos seguintes, até atingir 98% do PIB em 2028. O caminho para minimizar o impacto do “crowding out” sobre o crescimento é, na avaliação do presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, a adoção de uma postura cautelosa em termos de estabilidade macroeconômica e fiscal, uma estratégia que o Brasil estaria seguindo com as reformas já aprovadas ou em discussão no Congresso.

É a velha fórmula do FMI de sempre sugerir a redução os investimentos do governo para alavancar a economia. Um dos caminhos da “estabilidade macroeconômica” citada é conter o excesso de inflação com a restrição à oferta de dinheiro. Isso o Banco Central “independente” brasileiro já faz com a taxa básica de juros, a Selic, nas alturas. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que em setembro foi de 0,26%, nos últimos 12 meses ficou em 5,19%. Como a taxa Selic está em 12,75% ao ano, a rentabilidade dos aplicadores em títulos públicos está em 7,56% pontos percentuais ao ano acima da inflação.

O arcabouço fiscal do governo Lula já é suficiente para controlar os investimentos federais. Agora, o Brasil poderia reduzir sua dívida se acabasse com as operações compromissadas, que em outras palavras, significam remuneração da sobra de caixa dos bancos. O gasto com tais operações, que correspondem à remuneração de um depósito voluntário feito por bancos junto ao Banco Central, custou cerca de R$ 1 trilhão de reais em 10 anos (2009 a 2018), conforme números oficiais. O problema dessa operação é que ela é incluída no cômputo da dívida pública. Quanto mais essas operações o BC realiza, mais a dívida pública é afetada.

Outro assunto proibido pela mídia corporativa sobre a dívida pública é a denúncia que consta no livro “O Complô – como o sistema financeiro e seus agentes políticos sequestraram a economia brasileira” (2017), do deputado federal constituinte, eleito em 1986 pelo MDB do Rio Grande do Sul, Hermes Zaneti. Ele vai nos detalhes de um dos episódios mais surpreendentes em relação aos dispositivos constitucionais.

Zaneti fez uma aprofundada pesquisa unindo seu material como constituinte, matérias publicadas em jornais e outras investigações sobre as origens de determinados itens que teriam sido enxertados misteriosamente na Constituição de 1988. Um deles é a alínea “b” do inciso II do parágrafo 3 do artigo 166. O parágrafo 3º ressalva que as emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:

II – Indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidem sobre:

  1. a) Dotações para pessoal e seus encargos
  2. b) Serviço da dívida
  3. c) Transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal

A alínea b significa que tem que pagar os juros da dívida e não pode bufar. Não interessa se tem brasileiro passando fome, se nossas escolas públicas estão um lixo, não tem como dar um salário digno aos professores ou se falta dinheiro para infraestrutura. Nesse dinheiro não pode mexer. 

A previsão do Tesouro Nacional é que a dívida pública encerre o ano de 2023 entre R$ 6,4 trilhões e R$ 6,8 trilhões. O dado consta no Plano Anual de Financiamento (PAF), divulgado em janeiro deste ano. As instituições financeiras seguem como principais detentoras da Dívida Pública Federal interna, com cerca de 30% de participação no estoque.

Segundo a Associação dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), entre 2018 e 2020, os juros nominais da dívida – que não levam em conta a inflação do período – ficaram em média em R$ 353 bilhões, ao ano, números do BC. Em 2021, quando a Selic começou a subir no governo Bolsonaro, a conta de juros passou para R$ 448 bilhões. Já em 2022, com os juros em 13,75%, foi R$ 586 bilhões. A previsão do mercado para 2023 é que o valor dos juros da dívida chegue próximo de R$ 800 bilhões. 

Com Agência Brasil e Valor Econômico