Brasil e China compartilham sinergias, rotas e cinturões

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping firmaram na quarta-feira, 20/11, uma declaração conjunta em que elevam o status da relação entre os dois países a uma “Comunidade de Futuro Compartilhado Brasil-China por um Mundo mais Justo e um Planeta mais Sustentável”. Os dois líderes assinaram 37 tratados em diferentes áreas. Lula recebeu Xi em Brasília em uma visita de Estado, com reuniões no Palácio da Alvorada e, depois, jantar no Palácio Itamaraty, sede da diplomacia brasileira.

Entre os tratados, o estabelecimento de sinergias entre o Programa de Aceleração do Crescimento, o Plano Nova Indústria Brasil, o Plano de Transformação Ecológica, o Programa Rotas da Integração Sul-americana e a Iniciativa Cinturão e Rota; Memorando de Entendimento sobre Cooperação em Bioeconomia; Contrato de Captação entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o China Development Bank (CDB).

Também entendimento sobre Cooperação na Indústria Fotovoltaica; Aprimoramento da Cooperação no Desenvolvimento de Capacidades em Inteligência Artificial; Estabelecimento do Laboratório Conjunto em Mecanização e Inteligência Artificial para Agricultura Familiar; Entendimento entre Telecomunicações Brasileiras S.A. Telebras, e a Shanghai Spacesail Technologies, cujo objetivo social é o provimento de Serviços e Soluções de Telecomunicações via Satélite (“Spacesail”).

Foi lançada no Rio de Janeiro a Aliança para Inovação e Compartilhamento Tecnológico no Setor Elétrico (EISA, na sigla em inglês). Em princípio, a iniciativa reúne 16 empresas, universidades e centros de pesquisa, que vão promover intercâmbio de informações e tecnologias para aprimorar o setor elétrico brasileiro e chinês.

A imprensa corporativa e colonial brasileira preferiu ressaltar a não entrada do Brasil na Nova Rota da Seda para evitar mal-estar com os Estados Unidos (EUA) e que a China não conseguiu de Lula a adesão total ao projeto chinês “Cinturão e Rota”.

Realmente, o veto do Brasil ao ingresso da Venezuela no grupo de “parceiros”, durante a 16ª Cúpula do Brics, em outubro passado, sugeriu um novo caminho escolhido pela diplomacia brasileira, com um maior alinhamento ao Ocidente. Logo após, o assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, Celso Amorim, deu uma entrevista ao jornal O Globo, e disse que o Brasil não iria aderir formalmente ao programa chinês Cinturão e Rota, conhecido como a Nova Rota da Seda.   No entanto, ele afirmou que a palavra-chave seria sinergia. Poucos entenderam.

O presidente Xi Jinping conversou na quarta-feira, 20, com o presidente Lula. Durante a reunião, China e Brasil decidiram estabelecer sinergias entre a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) e as estratégias de desenvolvimento do Brasil. Os dois países também elevaram seus laços com uma comunidade China-Brasil com um futuro compartilhado para um mundo mais justo e um planeta mais sustentável.

O Brasil é o primeiro país a estabelecer uma parceria estratégica com a China. É também a primeira nação na América Latina a entrar em uma parceria estratégica abrangente com a China. Xi elogiou o relacionamento bilateral: “Sempre foi um precursor nas relações entre a China e outras nações em desenvolvimento”.

Em um evento recente em São Paulo, a representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, afirmou que o Brasil deveria ter cautela com uma possível adesão ao Cinturão e Rota, ou Nova Rota da Seda, diferentemente do que desejavam os chineses. O Brasil decidiu não aderir. Em vez disso, concordou em usar na declaração conjunta o termo “sinergia”, para integrar a iniciativa chinesa a programas de infraestrutura como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Plano Nova Indústria Brasil. Os pragmáticos chineses passaram a utilizar o termo “sinergia” para o novo formato de integração com o Brasil.

Como tudo começou

No governo de João Goulart (1961-1964), o Brasil estabeleceu alguns contatos comerciais e diplomáticos com a República Popular da China, mas não formalizou um acordo pleno devido às tensões políticas internas e externas da época. Goulart adotou uma Política Externa Independente (PEI), liderada por seu chanceler, San Tiago Dantas. Essa política buscava diversificar as relações internacionais do Brasil, aproximando-se tanto dos países socialistas quanto dos capitalistas.

Em meio à Guerra Fria, a abertura para dialogar com a China comunista foi considerada uma decisão ousada, especialmente sob a pressão dos Estados Unidos, que viam com desconfiança qualquer aproximação com países do bloco socialista.

A oposição ao governo Goulart no Brasil, liderada por setores conservadores, militares e empresariais, considerava qualquer aproximação com a China como uma ameaça à segurança nacional. As reformas anunciadas por Goulart culminaram no golpe militar de 1964, que interrompeu essas iniciativas e deu início a uma política externa alinhada aos Estados Unidos, isolando ainda mais o Brasil de países socialistas, incluindo a China.

Apesar das limitações, as iniciativas do governo Goulart contribuíram para abrir caminho para as futuras relações diplomáticas entre Brasil e China. Essas relações só seriam formalizadas em 1974, durante o regime militar, sob o governo do general Ernesto Geisel. Essa aproximação ocorreu após a visita à China do presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, em 1972, quando ele e seu Conselheiro de Segurança Nacional, Henry Kissinger, se encontraram com o líder chinês, Mao Zedong. Em 1971, a China já havia substituído Taiwan na ONU como representante legítimo do país.

Os EUA e a China brindaram alegremente o comunicado de Xangai, que Nixon assinou com Mao – e que Kissinger havia planejado secretamente em viagens que fez incógnito a Pequim via Paquistão. O establishment da política externa dos EUA instintivamente captou o lado positivo de um movimento que deixou a União Soviética mais isolada naquele momento.

Muita coisa mudou de lá para cá. O governo de Donald Trump (2017-2021) adotou uma postura agressiva dos Estados Unidos em relação à China, caracterizada por tensões econômicas, tecnológicas, políticas e aplicação de sanções. Essa abordagem marcou uma ruptura com a política de maior cooperação que havia prevalecido entre os dois países em décadas anteriores.

O aniversário de 50 anos, em 2022, do encontro de Nixon com Mao passou em silêncio. A Casa Branca de Joe Biden ignorou os pedidos da China por um evento comemorativo conjunto da data. Com o tempo, transformou-se numa disputa geopolítica, tecnológica e por mercado.

Enquanto isso, entre 2007 e 2022, empresas chinesas investiram US$ 71,6 bilhões no Brasil, com o setor de eletricidade absorvendo 45,5% do total, seguido pelas áreas de extração de petróleo (30,4%).  O projeto do Satélite de Recursos Terrestres China-Brasil, considerado um marco na cooperação Sul-Sul em alta tecnologia, serve como exemplo de quebra do monopólio tecnológico dos países desenvolvidos e aumentou significativamente a confiança dos países do “Sul Global” em sua autossuficiência e força.

O encontro entre Lula e Xi serviu como encerramento das celebrações, em 2024, do cinquentenário das relações diplomáticas entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China.

Com Agência Brasil, Global Times, O Globo e Valor Econômico