Brasil propõe ao G20 aliança global contra a fome e taxar os super-ricos

O pré-lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, principal aposta da presidência brasileira do G20 para erradicar a fome no mundo por meio da cooperação tanto financeira quanto técnica entre os países, aconteceu nesta quarta-feira, 24, no Rio de Janeiro, durante a reunião de ministros de finanças do bloco.

O presidente Lula disse que a riqueza dos bilionários passou de 4% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial para quase 14% nas últimas três décadas. “Alguns indivíduos controlam mais recursos do que países inteiros.”

Para Lula, o combate à fome é uma escolha política dos governantes. “A fome não resulta apenas de fatores externos, ela decorre, sobretudo, de escolhas políticas. Hoje o mundo produz alimentos mais do que suficientes para erradicá-la. O que falta é criar condições de acesso aos alimentos”, disse.

“Enquanto isso”, acrescentou, “os gastos com armamentos subiram 7% no último ano, chegando a US$ 2,4 trilhões. Inverter essa lógica é um imperativo moral, de justiça social, mas também essencial para o desenvolvimento sustentável.”

“A fome não é uma coisa natural, a fome é uma coisa que exige decisão política”, reforçou Lula. “Não é possível que, na metade do século 21, quando a gente já está discutindo até inteligência artificial, sem conseguir consumir a inteligência natural que todos nós temos, a gente ainda seja obrigado a fazer uma discussão dizendo para os nossos dirigentes políticos do mundo inteiro, ‘por favor, olhem os pobres porque eles são seres humanos, eles são gente e eles querem ter oportunidade’”, completou.

O bloco do G20 aprovou os documentos fundacionais da iniciativa, dando início à adesão pelos países. Qualquer país interessado pode aderir à aliança. O lançamento oficial será formalizado na Cúpula de Líderes do G20, em novembro, também na capital fluminense.

A iniciativa estabelece um compromisso internacional para obter apoio político, recursos financeiros e conhecimento técnico para implementação de políticas públicas e tecnologias sociais comprovadamente eficazes para a erradicação da fome e da pobreza no mundo.

Super-ricos na mira

A taxação dos super-ricos é também uma agenda proposta pelo Brasil, que está em debate no bloco. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chefe da equipe econômica brasileira, que presidiu a reunião dos ministros de finanças do G20, defende a taxação dos super-ricos para ajudar no financiamento do combate à fome e à pobreza no mundo.

Ele afirmou que é possível arrecadar de US$ 200 bilhões a US$ 250 bilhões por ano se bilionários pagassem 2% de sua riqueza em impostos, conforme estudo do economista francês Gabriel Zucman, realizado a pedido da força-tarefa do G20. “Aproximadamente cinco vezes o montante que os dez maiores bancos multilaterais dedicaram ao enfrentamento à fome e à pobreza em 2022”, disse Haddad.

A secretária do Tesouro estadunidense, Janet Yellen, afirmou nesta quinta-feira, 25, que os Estados Unidos apoiam firmemente a tributação progressiva e a taxação de bilionários. Yellen ressaltou, porém, que é difícil coordenar a política tributária internacionalmente. Ela também disse que não considera ser necessário um acordo global nesse sentido.

A resposta é típica da política estadunidense. Apoia, mas descaracteriza a proposta em seu núcleo: contra a coordenação internacional, ou seja, do G20, e desaconselha o acordo global. Não podemos esquecer que é fundamental para o imperialismo a concentração de renda.

O G20 é um fórum de cooperação econômica internacional composto por Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, República da Coreia, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos, além da União Europeia, que representam cerca de 85% do Produto Interno Bruto global. Em 2024, a presidência é exercida pelo Brasil.

Brasil reduz a fome

Em todo o Brasil, 14,7 milhões de pessoas deixaram de passar fome em 2023. A insegurança alimentar severa, que atingia 17,2 milhões de brasileiros em 2022, caiu para 2,5 milhões no ano passado. Os dados fazem parte do Relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial (The State of Food Security and Nutrition in the World/Sofi 2024), divulgado também no Rio de Janeiro, antes do pré-lançamento da Aliança Global.

Em 2014, durante o governo de Dilma Rousseff (PT), o Brasil havia conseguido deixar o Mapa da Fome. No entanto, a insegurança alimentar aumentou ao longo dos anos e o país voltou a constar no relatório em 2021, no governo de Jair Bolsonaro. A partir do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2023/26-PT), a erradicação da fome tem sido prioridade, com uma série de programas voltados para esse fim, como Bolsa Família, Programa Nacional de Alimentação Escolar e o Programa de Aquisição de Alimentos. O governo Lula projeta que até 2026 o país voltará a sair do Mapa da Fome. Esta é a primeira vez que o relatório é divulgado fora de Roma ou Nova York.

Fome no mundo

O relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo de 2024, da FAO, informou que mais de 700 milhões de pessoas em todo o mundo ainda enfrentam a fome todos os dias. O relatório traz dados alarmantes. Em todo o mundo, uma em cada 11 pessoas pode ter passado fome no mundo em 2023. Em números absolutos, isso significa entre 713 e 757 milhões de pessoas.

As perspectivas não são boas. A projeção é que, em 2030, 582 milhões de pessoas ainda enfrentem desnutrição severa. Mais de metade deles deverão estar em África. De acordo com o texto, a falta de melhoras globais na segurança alimentar e o acesso desigual a recursos para custear dietas saudáveis estão entre os motivos.

O relatório adverte que somente fontes oficiais e públicas não serão suficientes para preencher a lacuna de financiamento para acabar com a fome. “Aumentar o financiamento privado, através de parcerias público-privadas, também será essencial para complementar os esforços”.

Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os ODS são uma agenda mundial para acabar com a pobreza e as desigualdades. Eles foram pactuados pelos 193 Estados-Membros da Organização das Nações Unidas (ONU) e devem ser cumpridos até 2030.

Com Agência Brasil e Valor Econômico