Invasão chinesa no “Quintal dos EUA” – Parte I

O novo embaixador dos Estados Unidos na China, Nicholas Burns, nomeado pelo presidente Joe Biden, afirmou durante uma audiência no Senado dos EUA, na semana passada, que a China é “o maior teste geopolítico do século 21”. Do seu jeito, os chineses responderam: “O que falta aos EUA são os meios para pressionar a China a se submeter.”

Burns tem motivos para estar preocupado, pois até no chamado “quintal dos Estados Unidos” –  usado em ciência política para se referir às áreas tradicionais onde os EUA possuem posição dominante, especialmente na América Latina -, os chineses estão por todos lados. Em artigo recente, Wang Youming, diretor do Instituto de Países em Desenvolvimento do Instituto de Estudos Internacionais da China, em Pequim, escreveu que o intercâmbio comercial da China com os países sul-americanos está ganhando ritmo.

Segundo ele, o comércio da China com a América Latina e o Caribe (ALC) deve crescer 26 vezes entre 2000 e 2035, chegando a atingir US$ 700 bilhões. “Essa trajetória impressionante do comércio China-ALC nos últimos 20 anos tornará a China um parceiro cada vez mais importante das perspectivas econômicas da ALC na recuperação pós-COVID”, afirmou.

Uma projeção com números semelhantes foi divulgada no estudo lançado pelo Atlantic Council, um dos principais “think tanks” em relações internacionais, com base em Washington. O estudo simula quatro cenários diferentes para avaliar os rumos das transações comerciais entre países latino-americanos e o gigante asiático. Dependendo do cenário, a participação da China subirá para 15% a 24% das exportações e importações totais da América Latina com o mundo. Hoje essa fatia está em 7,4% e representava menos de 2% do comércio latino-americano em 2000, conforme o estudo.

O comércio China-América Latina passou de US$ 18 bilhões em 2002 para US$ 315 bilhões em 2020. “A China está disposta a trabalhar com os Estados da ALC para construir interconectividade transoceânica e marítima na construção do Cinturão Econômico da Rota da Seda e da Rota da Seda Marítima do século 21”, disse o ministro das Relações Exteriores, Wang Yi.

Em janeiro de 2018, na cerimônia de abertura do segundo encontro ministerial da China e do Fórum da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), em Santiago, no Chile, Wang disse que a China participará ativamente da construção de sistemas de transporte, infraestrutura e instalações de energia na ALC.

Proposta em 2013, a Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative), conforme o governo chinês, visa alcançar conectividade política, infraestrutura, comércio, financeira e pessoa a pessoa ao longo e além das antigas rotas de comércio da Rota da Seda.

China LAC

Em dezembro 2017, aconteceu a 11ª Cúpula de Negócios China-América Latina (China LAC), em Punta del Este, Uruguai. Já naquele período a China possuía mais de duas mil empresas na região, de acordo com o BID.

Em seu discurso em Punta del Este, o então presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o colombiano Luís Alberto Moreno, disse que um dos objetivos de sua gestão era aprofundar as relações entre América Latina e China. Ele acrescentou que em menos de uma geração a China passou de quase nenhum contato com a nossa região para se tornar o segundo parceiro comercial e já o primeiro no Brasil, Chile, Peru e Uruguai.

Chile, Peru e Costa Rica já assinaram acordos de livre comércio com a China. O governo do Uruguai está levando adiante as negociações de livre comércio com o governo chinês, na esperança de se tornar uma porta de entrada para o bloco regional do Mercosul nas negociações com a segunda maior economia do mundo. No entanto, o Mercosul – bloco econômico que abrange Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – ainda não permite que seus Estados membros consolidem acordos de livre comércio bilateral individuais com economias de fora do bloco.

El Salvador rompeu laços diplomáticos com Taiwan em troca da promessa da China de ajudar o país a construir um estádio, uma biblioteca de vários andares e uma estação de tratamento de esgoto. Antes disso, a República Dominicana e o Panamá já haviam reconhecido a política de “uma China única”, voltando as costas também para os Estados Unidos.

Em novembro de 2018, foi realizada a 12ª Cúpula de Negócios China-América Latina e Caribe, em Zhuhai, província de Guangdong, cidade costeira no sul da China, vizinha de Hong Kong, Shenzhen e Macau. Zhuhai promove relações comerciais ativas entre a província de Guangdong e os países latino-americanos.

Em 2009, o Conselho de Estado da República Popular da China aprovou o Plano de Desenvolvimento Geral de Hengqin – maior ilha do município de Zhuhai, ao lado das três ilhas que compõe Macau – posicionada como uma área de demonstração do modelo de cooperação “um país, dois sistemas”, mediante o aprofundamento da reforma, abertura ao exterior e promoção da inovação tecnológica.

Dentro da Nova Área de Hengqin – que tem no total 244 mil metros quadrados – está sendo implantado o Parque de Cooperação Econômica e Comercial China-América Latina e Caribe, com 35 mil metros quadrados. O governo chinês lançou um pacote de políticas em favor das empresas da ALC. O apoio é conforme o tamanho do investimento e vai de facilidades no comércio à redução fiscal.

O parque foi projetado para atender as necessidades das empresas da América Latina de identificar os recursos de investimento e financiamento na China. Uma empresa leva apenas seis horas para concluir o seu registro, com uma redução de 15 por cento nos impostos sobre rendimentos.

Reação norte-americana

Os Estados Unidos reagiram, atropelando uma regra não escrita que assegurava aos países latino-americanos o comando do BID. O então presidente dos EUA, Donald Trump (2017-2021), indicou o norte-americano de origem cubana Mauricio Claver-Carone, que foi seu diretor para América Latina do Conselho de Segurança Nacional.

Ele foi eleito em outubro de 2020 com o apoio do governo de Jair Bolsonaro, que retirou o candidato brasileiro da disputa. O Brasil esperava com essa atitude conquistar a vice-presidência do BID. Depois que assumiu o comando do organismo, Carone esqueceu o Brasil.

Carone tem um plano para aumentar o capital do BID para US$ 80 bilhões, contrapondo-se à presença crescente da China na América Latina. Os EUA têm 30% do poder de voto, enquanto os chineses têm participação simbólica de 0,004% no BID atualmente.

Os investimentos chineses na região somaram US$ 136 bilhões entre 2005-2020, com o Brasil representando US$ 61 bilhões, e o Peru, US$ 27 bilhões. Bancos chineses de desenvolvimento emprestaram US$ 137 bilhões no período, com Venezuela (US$ 62,2 bilhões), Brasil (US$ 29,7 bilhões), Equador (US$ 18,4 bilhões) e Argentina (US$ 17,1 bilhões).

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