Congresso quer tabelar juros do cartão de crédito e cheque especial durante a pandemia 

O limite da taxa de juros sempre foi uma questão polêmica no Brasil. A Constituição Federal de 1988 foi particularmente específica em seu Artigo 192, que limitava as taxas de juros a doze por cento ao ano.  No entanto, nunca foi aplicada pela necessidade de Lei Complementar.

O Artigo 192 da Constituição foi reformado em 2003 pela Emenda à Constituição n° 40 que revogou seu parágrafo terceiro que dispunha sobre a limitação as taxas de juros. A partir de então a regra é que a instituição financeira, se valendo da média do mercado, está livre para escolher qual taxas de juros remuneratórios adotar.

Mesmo com a redução da taxa Selic de 2,25% para 2% ao ano, definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, o impacto no bolso do brasileiro é mínimo. Segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), as taxas de crédito pessoal devem cair 93,35% ao ano para 92,91% ao ano, em média.

O Senado resolveu atacar o problema e aprovou um Projeto de Lei que prevê juros de, no máximo, 30% ao ano para todas as operações do cartão de crédito. A proposta, que também limita ao mesmo percentual os juros do cheque especial, foi aprovada por 56 votos a 14, com uma abstenção, e vai à Câmara dos Deputados.

Os juros do cartão de crédito e do cheque especial poderão ter limite de 30% ao ano, em caráter excepcional, durante o estado de calamidade pública por conta da pandemia. É o que prevê o substitutivo do senador Lasier Martins (Podemos-RS) ao Projeto de Lei (PL) 1.166/2020, do senador Alvaro Dias (Podemos-PR).

Os limites de crédito disponíveis em 20 de março deste ano não poderão ser reduzidos durante o período. Os empréstimos dessas linhas de crédito estarão isentos do pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). As chamadas Fintechs (pequenas instituições financeiras), as sociedades de crédito de financiamento e investimento, as sociedades de crédito direto e instituições de pagamento terão teto de 35% ao ano.

Segundo o senador Alvaro Dias, cerca de 76 países do mundo estabelecem o limite das taxas de juros dos cartões de crédito. “O mundo todo estabelece esse limite, e nós continuamos estabelecendo aqui a usura, a armadilha, a agiotagem oficializada, a exploração sem medida, com taxas de juros exorbitantes que chegam a 395 vezes a taxa Selic. São taxas de juros que vão de 302%, em média, atualmente, a 1.200%. Nós não estamos estabelecendo o tabelamento das taxas de juros – tabelar é diferente de limitar. A concorrência vai se estabelecer abaixo do limite estabelecido. Antes dessa pandemia, 65% das famílias brasileiras já estavam endividadas; e os bancos tiveram lucro, no ano passado, de R$108 bilhões.”

Pelo texto aprovado, fica vedada a cobrança de tarifa pela disponibilização aos clientes de limite para as modalidades de crédito do cheque especial. Também é proibida a cobrança de multas e juros por atraso no pagamento das prestações de operações de crédito, concedidas por instituições financeiras públicas e privadas, inclusive na modalidade de cartão de crédito.

Outra determinação do substitutivo proíbe a cobrança de juros e multas por atraso no pagamento de compras diretas de produtos e serviços. Todas essas determinações só terão validade enquanto durar a calamidade pública.

Analistas do setor financeiro, lembram que os bancos podem simplesmente limitar a concessão de crédito aos grupos com maior risco de inadimplência e sem garantias. Esse grupo é representado, majoritariamente, por famílias e indivíduos mais vulneráveis, além de micro e pequenas empresas.

Em janeiro deste ano, começou a valer o limite de 8% para a taxa mensal de juros do cheque especial. Antes, não havia limite. Essa foi a primeira vez que BC decidiu impor uma taxa máxima a uma linha de crédito com recursos livres (sem o direcionamento dos créditos imobiliários ou microcréditos, por exemplo). Em junho passado, a taxa média de juros cobrada no cheque especial foi de 300,3% ao ano.

O Projeto de Lei inclui também o chamado crédito rotativo, quando o cliente paga juros em cima de uma dívida que não conseguiu quitar. A taxa do rotativo chegou a 242% em junho para o cliente regular, de acordo com o Banco Central (BC).

Camila Duran, professora de direito da Universidade de São Paulo (USP) e Daniel Steinberg, doutorando pela USP, em artigo publicado no jornal Valor Econômico, afirmam que há, pelo menos, três fragilidades jurídico-econômicas do PL: uma de ordem formal e duas de natureza substancial. “Em primeiro lugar, uma lei que regula juros no mercado financeiro deve ter natureza de lei complementar, e não ordinária, conforme artigo 192 da Constituição. Em sua redação original, o próprio artigo 192 tabelou os juros no país. Seu conteúdo foi sucessivamente esvaziado por decisões do STF e, finalmente, pelo Congresso por meio de emenda.”

Em segundo lugar, segue o artigo, o Legislativo não está conduzindo análise de impacto. “A ausência de uma avaliação quanto aos efeitos práticos do tabelamento retira a possibilidade de sopesar custos e benefícios da medida, ou examinar alternativas jurídicas possíveis.”

Em terceiro lugar, complementam, “não há qualquer contribuição do PL para a construção de um Código de sustentabilidade para o consumidor no mercado financeiro. Cartões de crédito e cheque especial são produtos que poderiam ser regulados em quadro legislativo mais abrangente.”

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