A história da Petrobras é um exemplo claro da luta do Brasil para deixar de ser uma colônia. Aprovado na Câmara dos Deputados em setembro de 1952, o projeto do presidente Getúlio Vargas, com a criação da Petrobras, foi remetido ao Senado, onde alguns senadores se identificavam abertamente com os interesses privados, nacionais e estrangeiros.
Em junho de 1953, o projeto retornou à Câmara com 32 emendas – inclusive permitindo o completo controle pelo capital privado –, mas foram todas derrubadas. Mas duas concessões foram feitas: a que confirmava as autorizações de funcionamento das refinarias privadas já existentes; e a que permitia a participação de empresas particulares, inclusive estrangeiras, na distribuição dos derivados de petróleo.
Em 3 de outubro de 1953, depois de intensa mobilização popular com o lema “O Petróleo é nosso”, Vargas sancionou a Lei nº 2.004, criando a Petróleo Brasileiro S. A – Petrobras, empresa de propriedade e controle totalmente nacionais, com participação majoritária da União, encarregada de explorar, em caráter monopolista, diretamente ou por subsidiárias, todas as etapas da indústria petrolífera, menos a distribuição. Ao Conselho Nacional do Petróleo (CNP) caberia orientar e fiscalizar o monopólio da União, sendo reafirmada sua competência para supervisionar o abastecimento nacional do petróleo.
Os números dão a dimensão do resultado: foram necessários 45 anos, a partir da criação da empresa, para que alcançássemos a produção do primeiro milhão de barris de petróleo, em 1998. Quatro anos depois, a Petrobras atinge a marca de 1,5 milhão de barris de petróleo, em 2002.
Já nesta época o PSDB tentava a privatização da estatal. Em 2000, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) anunciou que a Petrobras iria virar Petrobrax. No mesmo ano, vendeu 30% da Refinaria Alberto Pasqualini, a Refap, à empresa espanhola Repsol, alegando que era preciso diminuir a participação da Petrobras para estimular a concorrência. FHC não teve tempo de terminar o desmonte, deixando a Presidência em 2002.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chega à Presidência da República em 2003, e sinaliza que a Petrobras iria reassumir o seu protagonismo no setor de petróleo e gás natural no Brasil. A decisão política fundamental foi apoiar a experiência inédita de furar dois mil metros de sal. O pré-sal descoberto no Brasil constitui uma grande reserva petrolífera e de gás natural localizada em áreas profundas do oceano. Essa reserva situa-se em uma área de três bacias sedimentares: Bacia de Santos, Bacia de Campos e Bacia do Espírito Santo. A descoberta do pré-sal foi muito importante para garantir a autossuficiência brasileira em relação a esse combustível.
Além disso, Lula começa a construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí (RJ). O projeto previa uma refinaria com capacidade para 330 mil barris por dia. Também tinha o projeto das refinarias “premium” de petróleo previstas para o Maranhão e o Ceará, voltadas para abastecer o mercado interno.
A refinaria do Maranhão seria a maior do país, com capacidade para processar 600 mil barris de óleo por dia, que teria como prioridades abastecer o Norte e, especialmente, o Centro-Oeste do país. A refinaria do Ceará teria capacidade de refino de 300 mil barris de óleo por dia. Em 2010, a Petrobrás readquiriu 30% da participação da unidade que havia sido vendida à Repsol em 2000.
Desmonte
Em outubro de 2016, um mês após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), o Congresso aprovou o projeto de Lei 4567/16, do senador José Serra (PSDB), que desobrigou a Petrobras de ser a operadora de todos os blocos de exploração do pré-sal no regime de partilha de produção.
O governo do interino Michel Temer, MDB, (2016/2018) também promoveu a aceleração do cronograma de leilões de petróleo no pré e pós-sal; flexibilização da exigência de conteúdo nacional em máquinas e equipamentos no segmento de exploração e produção de petróleo; e a ampliação do Repetro (regime especial que permite a desoneração de impostos para a importação de equipamentos para a produção petroleira).
O governo Bolsonaro (2019/2022) passou a diminuir a capacidade de realização das refinarias, que hoje atuam com 77% da capacidade, sendo que o ideal é a capacidade plena, entre 93% e 94%. O resultado é o aumento da importação da Petrobras de gasolina e óleo diesel no segundo trimestre de 2021. A importação da gasolina disparou 950% em relação a igual período do ano passado, e a do diesel, 548,1%. Isso afetou os preços nas bombas e, consequentemente, a inflação.
Em dezembro de 2021, a Petrobras concluiu a venda da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, para o fundo Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos. O negócio, de US$ 1,8 bilhão, é o primeiro a ser concluído no âmbito do programa de desinvestimentos da estatal no refino. A companhia sinalizou, porém, que as negociações dos demais ativos podem se estender para além das eleições de 2022 – o que lança incertezas sobre a continuidade da abertura.
Bolsa de Nova York
Em 2000, ainda no governo de FHC, houve o lançamento de grande parte das ações da Petrobras na Bolsa de Valores de São Paulo e de Nova York. Atualmente, cerca de 40% são acionistas estrangeiros, que capturam os lucros da empresa e remetem seus dividendos para fora do país.
A Petrobras confirmou que pretende pagar de US$ 60 bilhões a US$ 70 bilhões em dividendos entre os anos de 2022 e 2026. Do total, somente de US$ 3,5 bilhões a US$ 4,4 bilhões – aproximadamente R$ 20 bilhões a R$ 25 bilhões na cotação atual – serão destinados à União, principal acionista da empresa.
Por isso, na avaliação do Citibank, com a venda da Rlam, a Petrobras tem capacidade para se tornar uma potência em dividendos. A análise do Bank of America, aponta uma melhor perspectiva para pagamento de dividendos. De acordo com o BofA, a operação deve dar credibilidade ao plano de desinvestimento que inclui oito refinarias.
Para completar, está nas comissões da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5007/20 que acaba com o direito de preferência da Petrobras na operação dos blocos localizados na camada de pré-sal. O texto também determina que as novas áreas do pré-sal serão exploradas pelo regime de concessão, e não mais pelo de partilha, como é hoje.
Um dos críticos à venda das refinarias, o ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, atual pesquisador do Instituto de Estudo Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), faz um alerta sobre a possibilidade de faltar combustíveis no país. Em entrevista ao Portal CUT, ele disse que, se a política de desmonte e falta de investimentos da estatal continuarem neste ritmo, pode haver um apagão de combustíveis daqui a seis a sete anos.
De acordo com Gabrielli, a venda das refinarias tem efeitos a curto prazo, como a diminuição da capacidade de planejamento como um todo. No caso da Rlam, que é a segunda maior do país, sendo gerida por uma empresa isolada, sem se integrar às demais refinarias do sistema Petrobras, a preocupação aumenta.
“Hoje temos 14 refinarias no sistema sendo programadas para produzir diversos derivados de petróleo. Mas, não é a mesma que produz diesel, gás de cozinha e gasolina. Elas são otimizadas para que no conjunto possam fornecer os produtos consumidos aqui no Brasil”, explica Gabrielli.
Segundo ele, desta forma diminui a capacidade de atender, e aumenta a importação de derivados de petróleo. “Hoje importamos gasolina, diesel, gás e querosene de avião, e os planos do governo para os próximos três anos é substituir o gás de cozinha (GLP) pelo GNP (encanado), que tem transporte diferente, manuseio e formas diferentes de utilização.”