O mais recente relatório de riqueza mundial, o “Global Wealth Report 2024”, elaborado pelo banco suíço UBS e divulgado nesta semana, escancara a causa principal dos conflitos atuais: o processo de concentração brutal de renda no mundo contemporâneo, após a Segunda Guerra Mundial, que se agudizou com o fim da União Soviética, em 1991.
Simultaneamente surge um sistema unipolar internacional no qual existe uma concentração de riqueza e poder bélico numa potência, os Estados Unidos, em parceria com as grandes fortunas do Ocidente. Esse grupo explora o chamado Sul Global, que não é geográfico, mas um termo utilizado em estudos que pode referir-se tanto ao terceiro mundo como ao conjunto de países em desenvolvimento.
O estudo do banco suíço UBS mostra que hoje 14 indivíduos no mundo têm fortunas de mais de US$ 100 bilhões, cada um. Esse grupo concentra US$ 2 trilhões em riqueza. No século XXI é possível uma alegoria da princesa Maria Antonieta bebendo champanhe com a aristocracia francesa nos jardins do Palácio de Versalhes, subúrbio de Paris, ignorando a aproximação do povo faminto. É só trocar o povo faminto, que teve o apoio, num primeiro momento, da burguesia, pelo Sul Global, ou o mundo multipolar, liderado por Rússia e China.
No Brasil, a concentração de riqueza aumentou 16,8% nos últimos 15 anos e o país já ocupa o terceiro lugar no ranking de maior desigualdade entre 56 nações. O banco suíço utiliza o “índice de Gini” como medida para calcular o tamanho do abismo entre os mais ricos e os pobres. No caso brasileiro, o coeficiente saiu de 70 para 81, em uma escala na qual quanto mais perto de 100 mais desigual.
O estudo revela, ainda, que o Brasil enfrentou uma redução significativa no ritmo de crescimento da riqueza entre 2010 e 2023. Esmiuçando os números fica claro que a redução não atingiu os super ricos. Por sinal, foram eles que provocaram uma crise política e financeira para derrubar a presidenta Dilma Rousseff (2011/2016-PT). Depois do impeachment contra Dilma assume o interino Michel Temer (2016/2018, MDB), que acelera o desmonte do estado brasileiro, com fatores como a reforma trabalhista, privatizações, depreciação do real, inflação, queda da produtividade e menor crescimento econômico. O ciclo de destruição do estado brasileiro é completado com o período de Jair Bolsonaro na presidência da República (2019/2022).
Anteriormente, nos dois primeiros períodos de Luiz Inácio Lula da Silva/PT (2003/ 2010) na presidência da República, houve uma expansão mais democrática de riqueza no Brasil de 384%, com uma média anual de 15%. Nos 13 anos seguintes (Temer e Bolsonaro) a taxa caiu para 55%, com um ritmo anual de apenas 3%.
A velocidade menor de expansão da riqueza não atingiu os milionários no Brasil, com a projeção de crescimento desse grupo de 22% nos próximos quatro anos. Significa que a expansão beneficia praticamente só os super ricos. Até 2028, conforme o estudo, o Brasil terá 83 mil novos milionários, em um total de 463.797 indivíduos, considerando a quantidade de pessoas com patrimônio igual ou superior a US$ 1 milhão. Com essa taxa, o Brasil ocupa a 12ª posição na lista de maiores crescimentos projetados entre 36 países.
Para que essas projeções se realizem, a elite brasileira patrocina com verbas milionárias a formação de um Congresso ultraconservador e tenta de todas as maneiras desestabilizar o atual governo Lula, com total apoio da mídia corporativa.
No seu livro “Destiny of Civilization: Finance capitalism, industrial capitalism or socialism”, Michael Hudson escreve: “Existem essencialmente dois tipos de sociedade: economias mistas com pesos e contrapesos públicos, e oligarquias que desmantelam e privatizam o Estado, tomando o controle do seu sistema monetário e de crédito, o solo e infraestrutura básica para enriquecer, mas travando a economia, não ajudando no seu crescimento.”