As forças conservadoras do Senado resolveram através da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 65/2023) inserir na nossa lei fundamental a autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira do Banco Central (BC), já estabelecida pela Lei Complementar 179, de 2021, aprovada no governo Bolsonaro, e acrescenta a autonomia orçamentária.
Essa autonomia orçamentária significa o controle, por exemplo, da senhoriagem, que é o lucro do governo que resulta da emissão de moeda, ou a diferença entre o valor do dinheiro e o custo de produção e distribuição, que gira em torno de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), R$ 27 bilhões anuais. Nos últimos cinco anos as orçamento do Banco Central girou em torno de R$ 3,8 bilhões.
Além disso, a PEC transforma o BC, hoje autarquia de natureza especial sem vinculação com nenhum ministério nem subordinação hierárquica, em instituição de natureza especial organizada como corporação integrante do setor público financeiro que exerce atividade estatal, fiscalizada pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU). Ou seja, tira a fiscalização do Executivo e passa para o Congresso.
Para deixar mais claro, a PEC 65/2023 possibilita a interferência na política monetária de forma definitiva, independente de quem esteja no governo federal, controlando atividades de Estado do banco, como políticas para evitar a inflação, ou não, tema constante nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom). A inflação é fundamentalmente uma luta entre grupos pela redistribuição da renda real. A elevação do nível de preços é apenas uma manifestação exterior desse fenômeno, conforme Celso Furtado, em seu livro clássico Formação Econômica do Brasil.
Isso significa que a inflação beneficia as camadas da sociedade que podem repassar seus custos, ao contrário do assalariado. Com o Plano Real, que completou 30 anos em 2024, a inflação foi controlada. Então, a alta dos juros foi usada com o argumento de segurar o consumo. Na verdade, a burguesia nacional trocou os ganhos com a inflação pelas aplicações em títulos públicos com altas taxas de juros.
A taxa básica de juros muito acima da inflação, como agora no Brasil, provoca a transferência de renda para os bancos e grandes fortunas, tendo como consequência um crédito proibitivo, além de reduzir a produção e o consumo.
O Banco Central controla, ainda, as reservas brasileiras, que estão em torno de US$ 355 bilhões, e emissão da moeda nacional, o real. Portanto, a perda do controle do BC deixa o governo federal muito fragilizado. Não é pouca coisa.
Pedido de vista
Após pedido de vista formulado pelo senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) adiou na quarta-feira (14) a votação da PEC 65/2023. A proposta do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) recebeu voto favorável do relator, senador Plínio Valério (PSDB-AM), na forma de um texto alternativo. Após aprovado pela comissão, o texto passará por dois turnos de votação no plenário do Senado, onde precisará de 49 votos favoráveis em cada um deles. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, poderá vetar parte ou toda a PEC. O Congresso Nacional terá o prazo constitucional de 30 dias corridos para deliberação do veto pelos senadores e deputados em sessão conjunta.
Ao apresentar seu relatório, Plínio Valério inseriu novos dispositivos no texto e defendeu as mudanças no BC. — Um dos pontos centrais da PEC é conceder ao Banco Central a necessária autonomia orçamentária. É preciso explicitar que o Banco Central, organizado na forma de corporação integrante do setor público financeiro que exerce atividade estatal, é instituição de direito privado. E, ainda, com essa nova condição, o Banco Central não estará inserido na legislação orçamentária de que trata a Constituição — assinalou Plínio.
Em tramitação no Senado desde 27 de novembro de 2023, a PEC 65/23 continua sendo alvo de críticas dos servidores do BC. O Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) reafirmou em nota a resistência à matéria. O Sinal denunciou que a PEC da autonomia financeira do BC é “uma real ameaça à coordenação da política econômica do país, favorecendo interesses privados em detrimento do interesse público”.
É mais um avanço na transformação do sistema presidencialista que vigora no Brasil num parlamentarismo “informal”. Em 2024, um quinto de todos os recursos livres do governo federal foi definido por deputados e senadores. Ou seja, a parcela dos gastos públicos livres definida por parlamentares chega a 20% do orçamento. Nos Estados Unidos chega a 2,4% e na França, 0,1%, conforme estudo do economista Marcos Mendes em 2022.
Emendas individuais, de bancada e de comissão estão próximas de R$ 50 bilhões, mesmo com veto do presidente Lula. São as emendas impositivas que o governo federal precisa executar. Entre elas, as chamadas emendas Pix, sem transparência e rastreabilidade.
Esta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para suspender as emendas impositivas e impor restrições ao pagamento das chamadas emendas Pix. Ao todo, estão sendo julgadas três ações, que questionam a falta de transparência nas modalidades de repasse de recursos públicos adotadas pelo Congresso.
Com Agência Senado