Queda de braço entre a Faria Lima e o governo Lula

Esta semana ficou marcada pela queda de braço entre a Faria Lima – avenida Brigadeiro Faria Lima, principal centro financeiro do país, localizada em São Paulo – e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em relação a escalada do dólar que fechou o mês de junho valendo R$ 5,58, depois de ter iniciado o mês a R$ 5,12. Durante esses dias, o mantra da mídia corporativa foi que Lula precisava recuar em sua cruzada contra o Banco Central (BC) e o atual chefe da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, que anda de convescotes com governadores de oposição e entrevistas rebatendo o presidente da República, inadequado para um presidente do BC.

Por trás dessa discussão está a luta da Faria Lima em manter as altas taxas de juros para garantir os ganhos dos bancos e das grandes fortunas na aquisição de títulos públicos, com a mesma desculpa de décadas do perigo da inflação, que está totalmente controlada devido ao consumo pífio, em razão de salários miseráveis, e a classe média descapitalizada, vivendo da mão para boca. 

A Faria Lima só fala no Arcabouço Fiscal, uma imposição do Congresso para sufocar o governo Lula e controlar o endividamento focado no equilíbrio entre arrecadação e despesas. No entanto, a Faria Lima não fala que  cada um ponto percentual da taxa básica de juros, a Selic, custa R$ 38 bilhões aos cofres públicos. Na prática, como a taxa Selic está  próxima dos sete pontos percentuais acima da inflação, o custo da dívida aumenta mais de R$ 250 bilhões, que vai acabar nos bolsos dos rentistas.  Ou seja, concentração de renda. 

No livro “Por uma Economia Não Dogmática” o economista André Lara Resende, um dos pais dos planos Cruzado e Real, foi direto ao ponto: ““Esse viés fiscalista é fruto de mitos e de um liberalismo anacrônico de Chicago dos anos 1960. No século XX, para efeitos práticos, terminou o padrão-ouro, as moedas são fiduciárias, não tem mais como impor ao Estado essa restrição. Inventou-se então a teoria quantitativa da moeda, cujo grande defensor foi Milton Friedman, na Universidade de Chicago, dizendo: Embora não haja necessidade do lastro para emitir moeda, não se pode emitir mais moeda do que o crescimento da renda nominal – a teoria quantitativa da moeda -, senão vai causar inflação. Isso nunca foi empiricamente correto, mas foi muito aceito.”

Interesse especulativo

O mercado começou a sentir a pressão quando o presidente Lula disse para uma rádio da Bahia que havia um jogo de interesse especulativo contra o real e que alguma coisa teria de ser feita pelo governo.

O movimento seguinte de Lula foi promover uma reunião na casa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em São Paulo, com o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, o ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, economista Luiz Gonzaga Belluzzo, Eduardo Moreira, diretor do canal ICL, e Gabriel Galipolo, diretor do BC e provável futuro presidente da instituição em 2025. A discussão foi sobre os possíveis caminhos para resolver a subida do dólar e consequente desvalorização do real.

Belluzo em entrevista ao jornalista Luís Nassif disse que foram analisadas possíveis operações de swap cambial – quando uma empresa possui um ativo financeiro indexado à variação do dólar comercial e deseja trocar esse indexador por uma determinada taxa prefixada, sem se desfazer do ativo financeiro, ela poderá realizar essa operação por meio de uma troca de taxas. Ele ressalvou que o estoque atual de swap cambial é alto. Os contratos com o BC, vencimento em 1º/4/2025, representam um valor nominal de US$12,5 bilhões.

O passo seguinte foi o anúncio do ministro Haddad, na noite desta quarta-feira (3), após se reunir com o presidente Lula, no Palácio do Planalto, que o governo prepara um corte de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias que abrangem diversos ministérios, para o projeto de lei orçamentária de 2025, que será apresentado em agosto ao Congresso Nacional. “É um número que foi levantado, linha a linha do orçamento, daquilo que não se coaduna com os programas sociais que foram criados, para o ano que vem”, disse o ministro em declaração a jornalistas após a reunião.

No mesmo dia, o presidente Lula afirmou que o Brasil manterá a responsabilidade fiscal e o controle da inflação. “Estejam certos de que a comida vai ficar barata, estejam certos de que esse país jamais será irresponsável do ponto de vista fiscal. Eu não tenho um dia de experiência, eu tenho 10 anos na Presidência.”

O dólar comercial encerrou a quarta-feira cotado a R$ 5,56, representando uma queda de 1,71% em apenas um dia. Foi a primeira vez que o câmbio recuou em quatro pregões. A mídia corporativa considerou as declarações do presidente Lula e do ministro Haddad, um recuo do governo perante a Faria Lima, contribuindo para o alívio no câmbio.

Não foi bem assim, porque o recuo foi mútuo.  Faria Lima ficou apreensiva quando o presidente Lula disse “que alguma coisa teria de ser feita pelo governo”. Além disso, existem as empresas importadoras de insumos, que já demonstravam desconforto com a desvalorização do real e consequente aumento de seus custos.

O jornal O Globo de quinta-feira, 4, publicou diversas matérias sobre o assunto, além dos colunistas. Em uma delas consta: “o aparente recuo ontem, quando Lula citou que responsabilidade fiscal é um compromisso do governo e autorizou Haddad a anunciar o cumprimento do arcabouço fiscal, foi visto como demonstração de que o presidente demarca posição, insiste no tema, mas não vai esticar a corda.”