Apesar do apoio do mercado e de entidades empresariais à reforma tributária do governo Lula, aprovada pela Câmara dos Deputados e que chega agora ao Senado, editoriais da mídia corporativa esta semana chamam a atenção para um artigo incluído pouco antes da votação. O artigo inserido na Proposta de Emenda à Constituição a reforma tributária (PEC 45/19) diz que Estados e Distrito Federal poderão instituir contribuição sobre produtos primários e semielaborados produzidos em seus territórios. Ou seja, a tributação ocorre onde o item é produzido, e não consumido.
Abriu brecha para a criação de um novo tributo estadual que pode incidir sobre produtos primários e semielaborados. O dispositivo, previsto no artigo 20 da PEC, preocupa setores como o agronegócio, a mineração e a indústria petrolífera.
O editorial do jornal O Globo salienta que há correções a serem feitas, mas sem perder de vista a necessidade de levar adiante a aprovação da PEC. “Um dos pontos que precisam cair é a criação de um novo imposto estadual para produtos primários ou semielaborados, medida contrária ao espírito de simplificação da reforma. Aprovado de última hora durante a votação na semana passada por pressão de parte dos governadores.”
O editorial do jornal Estado de São Paulo, o Estadão, afirma que a emenda que permite novo tributo pode prejudicar exportações e vai na contramão da reforma. Esses editoriais mostram que os lobistas agiram rápido.
O relator da reforma tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), afirmou que a criação de novos impostos por estados causa “insegurança” e “incerteza”. Ele sinalizou que deve alterá-lo. Em entrevista ao Globo, Braga disse que o artigo foi acrescentado de última hora depois de uma “gritaria geral” para manutenção de parte da autonomia dos estados.
Segundo Braga, tiraram a autonomia federativa sobre o IVA subnacional, o IBS. “Eles tiraram a autonomia com o Conselho Federativo. Isso deu uma gritaria geral. Então, eles criaram uma nova autonomia federativa apenas para alguns casos, em cima de produtos do agronegócio e mineração.”
O que a mídia corporativa não conta é que a Lei Complementar 87/1996, conhecida como Lei Kandir, trouxe para os estados brasileiros a desoneração das exportações de produtos primários e semielaborados em relação ao principal imposto estadual, o ICMS. Alguns anos mais tarde, as desonerações previstas na Lei Kandir foram constitucionalizadas. Com a emenda constitucional 42 de 19 de dezembro de 2003, a Constituição de 1988 passou a dar imunidade total às exportações, fossem elas de mercadorias ou de serviços.
Essas desonerações representaram um grande problema para os estados brasileiros dependentes da arrecadação do ICMS. A queda abrupta e acentuada dessa receita significou praticamente a totalidade das receitas tributárias dos estados brasileiros exportadores. A queda para o Rio Grande do Sul representou algo próximo a 65% das receitas totais.
Em 2020, finalmente a compensação para as perdas da Lei Kandir dos estados e municípios foi regulamentada, mas só garantiu o repasse total de R$ 58 bilhões, entre os anos de 2020 e 2037. No entanto, só o estado gaúcho calcula perdas na ordem de R$ 80 bilhões no acumulado.
Em 2020, o ex-governador e ex-senador do RS, Pedro Simon (MDB), disse que a Lei Kandir foi uma desgraça para o estado gaúcho. “Se reparar nas finanças do Rio Grande do Sul, onde é que ela começou a degringolar? Quando a Lei Kandir entrou em vigor, a nossa economia deixou de arrecadar, aí é que está o déficit. Então, hoje, tudo é em função disso.”
As renúncias de impostos concedidos pela União a parcelas da sociedade devem chegar a R$ 456 bilhões em 2023, ou 4,29% do Produto Interno Bruto (PIB). O total é um pouco superior ao que o governo gasta anualmente com o pagamento de pessoal.
Nota técnica das Consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado sobre o Orçamento de 2023 mostra que a proposta está distante da meta da emenda constitucional 109 (21) que determina a redução dos incentivos para 2% do PIB até 2028.
Além das renúncias, o Orçamento de 2023 prevê benefícios financeiros e creditícios no valor de R$ 130 bilhões, um aumento de 20,5% em relação ao total para 2022. A nota destaca ainda que mais de 60% das renúncias e benefícios estão concentrados nas regiões Sul e Sudeste, o que também estaria fora do objetivo constitucional de redução das desigualdades regionais.
Com Agência Câmara de Notícias