A dialética do ódio no discurso dos brasileiros

O fascista não preserva o outro. Ele repete o quanto odeia aquele que não pensa como ele com a violência de quem poderia matar. E mata. Ideias matam. Pensar no outro como alguém que não tem valor e é descartável, é matar! No Brasil, a dialética nas opiniões políticas, de direita e de esquerda, se diferencia justamente nesse ponto, de como enxergam e colocam o outro. Ou como determinam o lugar do outro. O outro que sou eu, quando sei que todos somos iguais e temos o mesmo valor, está no discurso da esquerda. O outro que é inferior, descartável, não humano, povoa o discurso da direita. São duas formas diferentes de articular, na fala, as relações humanas. Principalmente porque em nosso país, precisamente no atual momento político, a esquerda assume uma postura democrática e não totalitarista em sua maioria e, de forma antagônica, a direita assume opiniões cada vez mais conservadoras, totalitaristas e antidemocráticas. Misantropia é a palavra que vem ao meu pensamento quando ouço o atual discurso da direita. Ódio, também. Compaixão, como em Schopenhauer, ou na Amizade (de Epicuro), ouço no discurso da esquerda. Humanismo… São duas dialéticas diferentes que situam o eu e o outro. Não, esquerda e direita não é somente uma escolha partidária. É uma escolha filosófica. Que define, na forma como se refere na fala, o lugar que o outro ocupa, o lugar em que está a pessoa humana e social. O lugar de quem se fala e de quem fala, numa reciprocidade. Ser, como existência, se constrói nessa dialética. Poderia ser um devaneio romântico de minha parte se o que descrevi não estivesse na fala. Está. Carrega-se ali esta verdade, a verdade de cada um. Basta analisar o discurso atual de ambos os lados, na efervescência política em que vivemos. Do lado das políticas ultraconservadoras da direita, o ideal de homem correto, predominantemente na aparência, branco, heterossexual e produtor de capital, erigido num profundo moralismo de cunho religioso, constrói a imagem do cidadão que se procura forjar. Ao forjar este cidadão, no imaginário, o “cidadão de bem”, cria um nicho, um lugar para todos aqueles que não merecem nossa consideração, sendo excluídos e desvalorizados. Dá-se esse processo no horrendo fenômeno Bolsonaro e sua personificação da intolerância, ódio e violência. Está nele o discurso fascista citado anteriormente e em seus seguidores, concordantes indubitáveis, que se assemelham, se identificam. Esse estilo, sendo eufêmico, não se percebe no discurso político dos representantes da esquerda brasileira. A necessidade de, em seu discurso, colocar o outro numa posição de valor, define sua postura perante o ser humano, que não inferioriza o outro nem o elimina. Usam predominantemente a dialética da união, ou do amor, com respeito a alteridade, de forma a priorizar, claramente, nossa necessidade de coexistir em uma sociedade.
A inserção da dialética do ódio na cultura
O homem conquista pertencência e pertinência quando se sente inserido na cultura. A cultura construída pela fala e pelo imaginário é dinâmica, sofrendo constante renovação. No contexto atual, a mídia tem determinante influência na construção do imaginário da cultura, como um interlocutor influente e inquestionável. Por meio da fala e da imagem determinam o papel do indivíduo. Determinam aquele que odeia e aquele quem se odeia, por exemplo. O discurso de ódio, que insere a dialética do ódio na cultura, precisa de um vetor, a mídia, e encontra na audiência um ótimo hospedeiro. Hospedeiro este que, além de alterar a si mesmo, dá continuidade à disseminação do ódio, infectando outras pessoas em uma cadeia catastrófica. O propósito de barrar essa disseminação do ódio pode ser encontrado no discurso da esquerda e não é difícil de se identificar. Quando falam de respeito aos homossexuais, mulheres, negros, povos indígenas e a importância do reconhecimento dos direitos destas pessoas, combatem diretamente o discurso de ódio. Aos que duvidam, convido-os a acompanhar alguma das manifestações contra o golpe que vêm ocorrendo.
Escolher é possível
Ódio Mafalda
Diante deste entendimento, da verdade que aflora no discurso, podemos esperar que as pessoas possam escolher qual discurso querem propagar. Há uma escolha importante nisso. Escolhe-se quem sou eu, quem é o outro e, inevitavelmente, quem somos. Assume-se desta forma uma posição social que pode colaborar para a coexistência humana, quando se escolhe a dialética do amor, ou não, quando se prefere a dialética do ódio. Podendo enxergar essa diferença, basta escolher. Perdoem minha saída reducionista: amamo-nos ou nos odiamos?

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