João Alberto Wohlfart
Em tempos de crise institucional e de ditadura como estamos vivendo atualmente, moralismos sociais são frequentes. A burguesia dominante padroniza um discurso que tem na negação da corrupção o referencial constante. Esta classe fala duramente contra a corrupção, mas é exatamente ela que a produz, a reproduz constantemente, e ao falar contra ela, a reproduz novamente. A classe burguesa dominante, intensamente apoiada pelas religiões, se apresenta a si mesma como imaculada e santa, sem pecado original, grita autoritária e cinicamente contra a corrupção, criminaliza os movimentos sociais e culpabiliza os movimentos sociais e o Estado como os responsáveis pela corrupção.
O viés de abordagem é mostrar o pecado dos que se apresentam como santos e perfeitos, mostrar a imoralidade dos que clamam pela moralidade social, a corrupção dos que duramente falam contra a corrupção. Neste círculo vicioso da cobra que morde o seu próprio rabo e do macaco que não olha o seu próprio rabo, é preciso apontar um duplo pecado: a burguesia fala contra a corrupção, mas é ela a protagonista principal; a burguesia fala contra a corrupção, mas ao apontar os pecados de corrupção, esconde os principais pecados de corrução que obedecem à lógica neoliberal capitalista.
No momento atual, a operação lava jato é o símbolo deste papel. Os seus articuladores, nobres juízes da corte do direito, liderados pelo moralista Sergio Moro, aparecem diante da opinião pública como os detentores da moralidade e como a aura imaculada diante de um país mergulhado em corrupção. Esta castíssima elite da perfeição e da moralidade, para os empresários dos meios de comunicação social, para a elite burguesa e para a opinião pública manipulada, está limpando o Brasil do pecado mortal da corrupção. Qual seria a razão do tão grande interesse por parte da burguesia dominante em eliminar a corrupção no Brasil?
A moralidade da limpeza na corrupção por parte da lava jato e o caráter imaculado da moralidade dos juízes que a comandam é apenas um aspecto do que efetivamente representam. O que vemos todos os dias na televisão sobre esta operação e os seus articuladores é apenas uma pequena ponta de uma organização infinitamente maior. As razões de sua existência e o fundo temático da pressão contra o Partido dos Trabalhadores e contra Lula são totalmente outros, sistematicamente escondidos pelos meios de comunicação social.
Contrariamente ao que difunde a grande mídia, com destaque na limpeza do país de toda a corrupção, a operação lava jato é um procedimento jurídico e midiático destinado a entregar as riquezas do Brasil aos interesses macroeconômicos mundiais. É o principal procedimento moral, jurídico e midiático pelo qual o Brasil é destituído de sua soberania e entregue de presente nas mãos dos magnatas do grande capital. Por este espetáculo jurídico midiático passa a destruição dos principais pilares econômicos e políticos que sustentam a nação brasileira.
A operação lava jato é expressão de uma onda moralizante que varre o planeta e o Brasil. Os meios de comunicação social conseguiram difundir a ideia da corrupção generalizada, no sentido de evidenciar que todos os políticos, especialmente do PT são corruptos. Este fenômeno desdobrou-se em dois efeitos principais: a condenação da corrupção por parte do povo e a moralização social. Hoje o tema principal dos meios de comunicação social e das conversas entre as pessoas é a corrupção. Mas, paradoxalmente, há um grupo social que se considera como moralmente perfeito, isento da corrupção, e que generaliza a ideia de que todos são corruptos.
O paradoxo desta lógica está nos que condenam a corrupção, com um moralismo autoritário, mas são os que a produzem e a aprofundam cada vez mais. Nisto a lógica capitalista de produção e de acumulação é sistematicamente corrupta e corruptora. Disto resulta que os seus articuladores são eminentemente corruptos. Hoje no Brasil o poder mais corrupto e corruptor é aquele que deveria impedir a corrupção, o judiciário. Ele se apresenta como o suprassumo da moralidade pública e política, quando na verdade está podre e desmoralizado. As ações do judiciário, especialmente nas esferas mais elevadas, concentra as suas ações para construir uma sociedade elitista que exclui grande parte do povo do desenvolvimento econômico e social.
Vimos nos meios de comunicação social onde o senhor Sérgio Moro aparece como a referência da moralidade. Mas os atos jurídicos por ele liderados são desastrosos para o país. A operação lava jato já destruiu um pilar da economia nacional e fundamental para o desenvolvimento do país, além da perda de milhões de empregos. Além do significativo enfraquecimento da Petrobrás, foram destruídas muitas empresas e atividades integrantes do sistema do Petróleo e da engenharia. A tal da operação lava jato é um meio de dissolução da ciência nacional, da tecnologia nacional e da engenharia nacional. Sem estes pilares fundamentais, o país não tem conhecimento e se transforma numa colônia informe do imperialismo capitalista internacional.
Os moralismos aqui identificados, um artifício do qual a burguesia se vale para justificar a sua inocência e o seu poder de dominação, têm consequências trágicas. Não pode haver maior tragédia que a ruptura dos princípios democráticos orientados com o lema fundamental segundo o qual o poder político provém do povo e ao povo retorna. O projeto golpista rompeu com este princípio constitucional, jogou o povo brasileiro à deriva e fez da política um poder de dominação das elites dominantes para as elites dominantes. A legitimação deste jogo tem vários componentes, especialmente o paradoxo da autojustificação moralizante da burguesia dominante e a disseminação do ódio social sistemático e profundo contra as massas populares. A postura moralizante, especialmente disseminada pela casta do judiciário, trouxe como consequência a perda de direitos humanos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988, solapados pela onda golpista que faz retroceder o Brasil aos tempos da escravidão. A tendência é de que num tempo relativamente próximo os trabalhadores voltem à condição de escravos de um sistema moderno que se caracteriza pelo domínio absoluto do capital sobre o trabalho. A criminalização dos movimentos sociais e a perseguição aos seus líderes é outro ingrediente da onda destruidora promovida pela lógica golpista.
O fenômeno contraditório da moralidade burguesia capitalista, trapaceada pelo discurso anticorrupção, produziu uma demolição generalizada da nação. A religião tornou-se a grande aliada da moralização social e da produção de uma sociedade constituída por uma minoria justa e uma grande maioria de injustos e pecadores. Além de uma nova fase de domínio imperial neocapitalista sobre o Brasil, muito mais agressiva que as modalidades conhecidas anteriormente, com a entrega de presente das principais riquezas naturais do Brasil, a sociedade brasileira fica diluída numa espécie de massa informe sem inteligência política, portanto sem forças de reação e presa de manipulação imperial.
O mesmo fenômeno acontece no outro lado do mar, mas com forte incidência na ditadura brasileira, com destaque no fortalecimento do conservadorismo religioso como um ingrediente fundamental na manutenção do golpismo. Trata-se dos cardeais ultraconservadores que habitam a Cúria Romana, com explícita oposição ao Papa Francisco no bloqueio de qualquer reforma que possa transformar a velha estrutura monárquica medieval. No Brasil há cardeais católicos com o mesmo teor de ódio conservador, com decisiva atuação no fundamentalismo religioso e na legitimação do golpe. Quando impera semelhante conservadorismo religioso, outra coisa não há que o encobrimento de interesses e a legitimação de um sistema econômico estabelecido.
Uma das expressões mais evidentes dos moralismos jurídicos é o fenômeno da superlotação das prisões. As mortes registradas nos presídios nestas últimas semanas são a expressão da tensão social implícita a este sistema. O sistema econômico cria os criminosos, necessita deles porque há empresários que lucram na proporção direta com o número de detentos. O moralismo da sociedade burguesa precisa evidenciar as suas virtudes ao condenar e colocar na cadeia milhares de “criminosos” que não apresentam as virtudes burguesas. Mas a situação das prisões é o porão da sociedade que joga lá dentro o seu próprio lixo e a sua própria escória. Os porões da miséria nas periferias das cidades, a criminalidade social e o submundo das prisões constituem a relação social produzida pelo próprio sistema capitalista. Mesmo que a burguesia capitalista o negue e não queira para si esta condição, é o mais genuíno produto da sociedade burguesa.
A operação lava jato esconde a sua verdadeira finalidade e os interesses que representa. Numa primeira aproximação, é um espetáculo judicial que prepara o terreno para a entrega das principais riquezas do Brasil para o grande capital internacional. De forma invisível, está por trás da lava jato a perseguição internacional sistêmica contra a Ciência, a Tecnologia e a Engenharia brasileiras, pois elas representam uma ameaça contra a hegemonia do norte que faz de tudo para eternizar a incondicionalidade do seu domínio. Há também um sentido social na medida em que criminaliza os movimentos sociais, o povo das periferias das cidades e as lideranças sociais. Temos visto a constante perseguição contra as lideranças populares com o objetivo claro de eliminar as esquerdas e inviabilizar qualquer projeto popular.
Salve rede globo, salve lava jato e salve o castíssimo poder judiciário. As suas ações foram capazes eliminar milhões de empregos, souberam devolver ao país a pobreza e a miséria e conseguiram legitimar um governo golpista e usurpador. Salve poder judiciário e salve supremo tribunal federal: abdicaram de sua missão fundamental, dissolveram a Democracia e o Estado de Direito e permitiram que o país fosse entregue nas mãos de ladrões e assaltantes. Estamos nas mãos de raposas que comem as galinhas.