As estruturas não descem às ruas

Paulo Timm – Economista
“Se erros foram cometidos devem ser corrigidos e não mais repetidos”
( Ex-senador E. Suplicy, ao comentar sua eleição recente para a Câmara de Vereadores de S.Paulo; foi o mais votado com mais de 300 mil votos)
1. Encerrado o primeiro turno das Eleições 2016 três observações se impõem preliminarmente: primeira, o grande vencedor deste pleito foi a rejeição de 40 milhões de eleitores, entre Abstenções + Nulos + Votos em Branco, ao que aí está, o que é um nítido alerta para a urgência de Reforma Política e Eleitoral; segunda, o PT levou uma surra, talvez mais por rejeição às suas práticas do que pela “revoada liberal”, tanto nas capitais como no Nordeste, devendo alertá-lo para uma renovação no discurso de suas lideranças no sentido de avaliar as razões internas para este refluxo e não apenas acusações a terceiros; terceira: o sistema pluripartidário, tão criticado por dificultar a governabilidade, está consagrado no país.
2. Quanto à derrocada do PT, fato mais marcante do pleito de 2016, não se deve falar nem em alvorada de um novo tempo, nem em crepúsculo da sigla. Nem invenção, nem reinvenção. Apenas percalços. Internamente, será muito difícil este Partido mudar sua dinâmica interna, com a acirrada disputa de correntes, algumas delas francamente principistas quanto ao caráter de “classe” do Partido, voltado ao cumprimento de missão messiânica, e quanto à sua vocação para a construção do “socialismo”. Externamente, no contexto político nacional, o PT, apesar de ter perdido milhões de eleitores e metade das prefeituras que ocupou em 2012, continuará a ser um grande partido. PMDB e PT, aliás, continuarão a ser os dois maiores Partidos no país – e por longo tempo. Quase “irreversíveis”. Se organizaram, ao longo do tempo, no vasto território nacional e detêm, ambos, importantes canais de controle do processo eleitoral. Voto não é apenas um apertar solitário de botão na calada da urna. É uma “rede”, sempre mais ou menos aprisionada à “interesses”. Não é fácil montar e manter isso. Fica aqui a lembrança para que se assista com atenção duas séries no NETFLIX: “Marselha” e “House of Cards”. Tratam do assunto.
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3. Quanto aos outros Partidos, o PSDB, segundo em votos e controle de Prefeituras, mas “terceiro” na hierarquia simbólica, até pelo peso de seus grandes nomes, dentre eles o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, a dupla José Serra/Aécio Neves, ambos ex candidatos à Presidência da República com 50 milhões de votos, e agora o Governador de São Paulo, já está com maior número de eleitores, mas ainda não conseguiu se organizar nacionalmente. O PSOL, em contrapartida, surpresa da vez, pela vitória relativa do deputado Freixo, que disputará, com desvantagem, com Marcelo Crivella o segundo turno na cidade do Rio, ainda é um fenômeno urbano, tipo PODEMOS na Espanha. Deverá até se consolidar como uma alternativa de esquerda mais consistente e sem os pecados do PT, mas, tendo saído de seu ventre, padece de vícios semelhantes, como a disputa interna marcada pela intolerância doutrinária, pela qual perdeu até ex candidata à Presidência em 2006, Heloísa Helena. Mas o PSOL não tem uma liderança popular de massas, não tem visão para a construção de um Projeto Nacional, não tem articulação com movimentos sociais e sindicatos, não tem envergadura no país para ocupar o vazio deixado pelo PT. Pior: terá, no máximo, duas Prefeituras…
4. Uma característica pouco notada destas Eleições Municipais 2016 foi a consagração de um conjunto de partidos com forte expressão eleitoral, além dos tradicionais PMDB – PT – PSDB , que dominam há mais de três décadas a vida pública do país. Ela é o resultado de duas medidas: a flexibilização para a fundação e funcionamento dos Partidos, sem qualquer cláusula de restrição, e do apoio financeiro do Governo, através, não só do generoso Fundo Partidário, cujo Orçamento já beira o R$ 1 bilhão, mas também ao subsídio que dá às emissoras de rádio e TV para custear a propaganda eleitoral obrigatória. O PSD, o PDT, o PSB, o PR , o DEM e o PTB controlarão entre 200 e 400 municipalidades cada um. Outro grupo menor, o PPS, PRB, PV, PSD e PCdoB , em torno de 100. Ora, isso revela uma diversificação partidária muito grande que está combinando opções de caráter ideológico com alternativas de interesses até pessoais. Debita-se à essa diversificação permissiva a ingovernabilidade do país e que agora estará se deslocando para “Prefeituras de Coalização”, agravando o loteamento de cargos e do Estado. Talvez. Mas há que se considerar, também, que este processo é uma porta à abertura de lideranças que, de outra forma, seriam sufocadas pelas oligarquias que dominam os partidos mais antigos e mais fortes. Nesse sentido, ainda que paradoxalmente, a diversificação partidária é uma válvula à democratização da vida pública e, por vias tortas, um dos mecanismo de reforma política no país.
5. É possível se falar em retrocesso da esquerda, à vista do fracasso do PT, nessas eleições, como consequência de uma onda conservadora que varre a América Latina? Depende do que se entende como “esquerda”, tal como o PT a empolgou. Certamente, os brasileiros disseram um rotundo “Não” ao discurso do “Nós contra Eles” do PT que acompanhou a estigmatização da classe média, tão cara ao empreendedorismo, à meritocracia e aos valores republicanos. Contudo, várias pesquisas continuam afirmando que os brasileiros almejam um modelo político-econômico com economia de mercado e forte intervenção do Estado como instrumento de regulação, promoção da cidadania e defesa dos mais vulneráveis, justamente o que os petistas diziam defender. Daí, aliás, os cuidados do Presidente Temer quanto às “Reformas” inseridas no seu “Ponte para o Futuro”, tão proclamadas, mas em rigoroso ponto morto. Não há clima na nação, nem no Congresso Nacional, para aventuras liberalizantes, ao gosto do novo PSDB de João Dória, Prefeito eleito de São Paulo. Sua vitória acachapante na quase totalidade das zonas eleitorais da cidade se, por um lado, consagra a tendência politicamente mais conservadora desta capital frente ao Rio, Porto Alegre e Recife, históricos redutos da esquerda, por outro, sugere a incapacidade do Prefeito Haddad para se firmar na periferia, com seus projetos urbanisticamente avançados. O espaço aberto foi ocupado pela astúcia tucana. E falando nos redutos históricos da esquerda, veja-se: o Rio, mantém sua tradição rebelde, ao levar Freixo para o segundo turno, Recife sustentou o próprio PT no segundo turno e vai disputar com outro candidato de esquerda e apenas em Porto Alegre e outras cidades de maior porte do cenário rio-grandense, percebe-se, mesmo um retrocesso da esquerda. Isso me lembra uma velha queixa dos maragatos, que combatiam em armas os chimangos, arautos da esquerda no Estado do RS, instalados no Palácio Piratini entre 1889 até 1930, inicialmente pela mão de ferro de Júlio de Castilhos, depois de Borges de Medeiros, depois Getúlio Vargas: “Não é por acaso que eles são autoritários…” Lembre-se, entretanto, voltando à cena nacional, que o PCdoB, aliado incondicional do PT, passou de 51 para 80 prefeituras, o PDT, outro aliado, embora mais vacilante, cresceu de 330 para 334, o PSB fez 414, as quais, somadas as 256 vitórias do PT perfazem 1/5 do total das municipalidades do país. O que não é pouco. Não carece de se falar em grande retrocesso da esquerda no país. Além dos resultados eleitorais, aí estão os movimentos sociais em inédito protagonismo, principalmente jovens estudantes. Estamos, sim, diante de uma nova realidade na esquerda brasileira frente à perda de hegemonia do PT e emergência de novos protagonismos aos quais deverá se articular, de uma ou outra maneira, o PPS, em nova rota, a REDE de Marina Silva, embora em declínio, e o próprio PV, sempre cioso de sua maior independência. Isso sem falar na esquerda peemedebista, à la Requião no Paraná.
Conclusão
Passada a “tempestade” destas eleições – surpreendentes em todo sentido – , do impacto do Impeachment de Dilma, d aLAVAJATO, que daqui a pouco serena seu ímpeto deixando uma sequência de sentenciados em suas poltronas sob o controle de meras tornezeleiras eletrônicas, da brutal recessão econômica que o PT ainda se recusa a admitir e de admitir sua parcela de responsabilidade, voltaremos às ” estruturas”, marcadas pela presença, à esquerda, pelo PT e movimentos sociais e, oxalá, novos agentes, ao centro pelo PMDB, suas Prefeituras e amplas classes médias ao longo do país e , à direita, pelo PSDB, apoiado pela grande mídia e grandes fortunas. Elas, as “estruturas”, aliás, como diziam os estruturalistas teóricos em maio de 68, na Paris convulsionada, “não descem às ruas”. Mas estão lá…E se não aprenderem a conviver com um mínimo de civilidade republicana, não construiremos a democracia.
Com a recuperação do bom senso, daqui a pouco estaremos, todos, discutindo a sucessão presidencial de 2018.

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