Rosa Angela Chieza – Professora da economia do Setor público da FCE/UFRGS e sócia do Instituto Justiça Fiscal (IJF).
O equilíbrio das contas públicas pode ser alcançado através de medidas sob a ótica do gasto público e/ou sob a ótica da receita. A opção do Governo Temer pela via do corte de gastos públicos, propostos na PEC nº 241, desconsidera aspectos históricos importantes sobre o comportamento do gasto público/PIB.
Historicamente, a razão gasto público/PIB cresce por diversos fatores. No final do século XIX, a média de gastos públicos no mundo era de 10,5% do PIB. No período prévio à primeira guerra mundial, em 1913, esse gasto alcançou a média de 12% do PIB. Já em 1920, após o primeiro conflito mundial, como era de se esperar, o gasto público saltou para 18% do PIB. No período prévio à segunda guerra mundial, em 1937, foi de 22,4% do PIB, alcançando 27,9% do PIB em 1960. E seguiu crescendo nos anos 1980 e 1990, décadas caracterizadas pela retomada do Estado neoliberal. Nessas duas décadas, a média de gasto público no mundo alcançou 43,1 e 44,2% do PIB, respectivamente. Apenas para ilustrar, nem nos dois “modelos” paradigmáticos de estado mínimo, os Estados Unidos de Reagan e o Reino Unido de Thatcher, houve queda na razão gasto público/PIB (FMI).
Dentre os fatores de crescimento da razão gasto público/PIB, destacam-se o processo de urbanização, o qual exigiu maior oferta de bens públicos nas cidades, o crescimento populacional e o próprio aumento da renda per capita no mundo, fazendo com que houvesse uma pressão por serviços públicos de mais qualidade. Mais recentemente, a mudança no padrão populacional, com o crescimento da população idosa, pressionou em especial os gastos com saúde e previdência. Finalmente, o gasto público é afetado pelo preço nominal dos serviços, que tende a ser superior ao nível médio de preços da economia.
Além disso, no Brasil, em cada R$100,00 gastos pela União, aproximadamente 50% são destinados à financeirização (pagamento de juros, amortização e refinanciamento da dívida pública), restando apenas 3,5% para a educação e 4,2% para a saúde. Assim, ao optar pelo corte nas áreas de educação e saúde, inclusive acenando com eliminação dos limites de gastos constitucionais nessas áreas, os quais foram conquistas da Constituição democrática e cidadã de 1988, o Governo Temer explicita a sua opção por um Estado mais mínimo. No horizonte, caso o teto de gastos seja aprovado, avista-se um retrocesso nessas áreas, como a redução do acesso ao SUS para milhões de brasileiros e a piora dos índices educacionais, mensurados através dos níveis de alfabetização e na limitação do acesso de jovens à universidade, dentre outros, com consequências irreversíveis no médio prazo.
Sob a ótica do gasto, aponta-se a alternativa de redução da taxa de juros – a mais alta do mundo – cuja despesa de juros atinge em torno de 8% do PIB. Além dessa alternativa, é possível adotar políticas que contribuam para o equilíbrio das contas públicas sob a ótica da receita. Longe de ampliar a carga tributária brasileira – que NÃO é a mais alta do mundo – uma reestruturação tributária que contemple a redução de impostos indiretos (que incidem sobre consumo) e amplie os tributos diretos (que incidem sobre renda e propriedade) é uma alternativa.
A redução dos impostos indiretos afeta positivamente a competitividade das empresas, com impactos positivos na geração de emprego e renda. No entanto, a redução da receita tributária dos impostos indiretos precisa ser compensada pelos impostos diretos, não apenas para equilibrar o caixa, mas fundamentalmente para que a política tributária, a exemplo dos países desenvolvidos, exerça a função de distribuição de renda. Apenas para exemplificar as iniquidades do Sistema Tributário Brasileiro (STB), em 2008, enquanto famílias com renda de atétrês salários mínimos tinham uma carga tributária de 49%, famílias com renda superior a 30 salários mínimos tinham uma carga tributária de 27%. Ou seja, a tributação no Brasil, ao sobrecarregar impostos sobre o consumo, penaliza os mais pobres em detrimento dos mais ricos, indo na direção oposta à adotada pelos países desenvolvidos.
Até mesmo no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), cujas alíquotas são progressivas, observa-se injustiça tributária, uma vez que, segundo dados da Receita Federal do Brasil (RFB), divulgados em maio de 2016, contribuintes com renda total declarada entre 240 e 320 salários mínimos, têm aproximadamente 70% da sua renda isenta e não tributável, o que é garantido pela Lei n° 9.249/1995, que isenta lucros e dividendos. Se observarmos ainda o maior nível de alíquota do IRPF da Argentina e do Chile, respectivamente, 35 e 40%, vemos que elas estão muito acima da maior alíquota brasileira (27,5%).
Diante disso, a alteração da tabela do IRPF, com a retomada urgente da tributação sobre lucros e dividendos distribuídos, é outra fonte relevante de receita adicional nos cofres da União, podendo alcançar em torno 80 bilhões de Reais ao ano, segundo o Projeto Isonomia, do Instituto Justiça Fiscal.
As alterações propostas pelo Governo Temer, que modificam a natureza do Estado brasileiro, trarão um resultado que não foi esclarecido suficientemente à sociedade brasileira. Antes de definir os caminhos para solucionar os problemas fiscais, é preciso que a sociedade discuta o modelo de Estado, se quer ratificar o Estado social criado com a Carta Magna de 1988, ou se quer modificá-lo no caminho do estado mínimo, com a piora dos serviços de saúde e educação.