Carta aos apoiadores do golpe

Celi Regina Pinto
De março de 2015 até hoje, nestes mais de dois anos, muitas coisas se passaram na política brasileira. 2015 refere -se às primeiras grandes manifestações a favor do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, os dias atuais referem-se às manifestações em favor da volta da Presidenta ao governo do país. E vocês estiveram presentes em muitos destes eventos, aos gritos, batendo panelas, usando palavrões. Vocês sempre estiveram lá. E agora? vocês ganharam? Estão contente com o resultado da cruzada das panelas?
Entre estes dois momentos foram muitos os eventos que resultaram no assalto ao poder por parte da banda podre do PMDB, segundado pelas eminências pardas de sempre, como o Senador Antonio Anastasia do PSDB, que há anos faz este papel na vida do neto de Tancredo Neves. E que agora repete seu trágico papel de moço bem comportado para salvaguardar os interesses escusos da ocasião. Era isto que vocês queriam?
A multiplicidade de eventos que resultou no assalto ao Planalto teve sempre popularidade. As manifestações no começo aconteciam nos bairros chiques das grandes cidades, mas levaram ao longo de dois anos, milhões de pessoas para as ruas. O que todos queriam vocês? Os grandes promotores dos eventos , que certamente não foram para as ruas, sabiam que o queriam: Rede Globo e FIESP. O que eles queriam era um governo que redesenhasse o capitalismo a se gosto. Simples como isto. A participação política destes dois atores foi sabiamente ideológica e precisou apenas de uma coleção de patos para se realizar, um grande, amarelo e de borracha no meio da Av Paulista, outros de gravata ou salto alto nos horários nobres da TV.
Ao lado de quem sabia o que queria, participou uma massa de pessoas de classe média alta, com uma falsa ideologia de classe, pois confunde seus privilégios pequenos burgueses oriundos de uma sociedade oligárquica e escravocrata com posições burguesas. Funciona muito bem como comissão de frente dos interesses da burguesia, mas esquece que os mesmos que os incomodam como companheiros de poltrona no avião, também compram serviços de toda a sorte vendidos por eles. São sempre os mesmos ao longo da História do Brasil, gritam contra a corrupção, mas parece que na verdade se revoltam contra o baile para o qual não foram convidados.
Houve também setores populares gritando a favor do impeachment. Como me disse outro dia um motorista de táxi : “eles não descobriram nada contra ela, mas que ela roubou, roubou”. Argumentei que se eles procuraram tanto e não acharam ela não deveria ter roubado. E ele me responde “é , eu nunca tinha pensado nisto” E este grupo representa muitas coisas, a frustração com a crise econômica, os próprios sonhos não realizados, uma indignação real com a corrupção e até um machismo primário contra a mulher Dilma Rousseff.
Mas mesmo assim, eu lhes pergunto: vocês venceram? e agora? Era com Temer e seus ministros acusados na Lava Jato que vocês sonhavam? O que vocês esperam de um governo que se coloca contra as leis trabalhistas, contra o SUS, contra a educação pública e gratuita, contra o direito das mulheres, contra o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo?
Vocês poderão me responder que não sabiam. E eu acredito, a Rede Globo sabia, a FIESP sabia, mas o povo nas ruas não sabia, porque vocês pensavam que estavam participando da política, mas vocês não estavam, porque não existe participação sem discussão, sem lideranças políticas, sem ideias, sem propostas, sem informação livre. Gritos, urros panelaços não são expressões da participação política democrática. São apenas gritos, urros e palavrões, muito adequados para os interesses dos grandes promotores.
Mas há lições a aprender, vocês têm de aprender a participar da política! Lamento!
Permitam-me dar-lhes um conselho, não façam nada, mas observem, observem muito, observem as ocupações pelos estudantes das escolas públicas no Rio Grande do Sul, observem o movimento dos Lanceiros Negros em Porto Alegre, observem as discussões nas reuniões dos muitos grupos organizados para defender a democracia no Brasil, observem os movimentos dos professores grevistas, observem o sindicato dos petroleiros, observem as aulas públicas acontecendo por todo o país, os manifestos escritos a favor da democracia, observem a Presidenta Dilma recorrendo o país e falando às pessoas, defendendo-se, colocando-se politicamente. Isto, só isto, observem!!!
Porque agora se está fazendo política. Vocês possivelmente estão com medo do que está acontecendo e desta vez vocês estão certos, vocês devem temer (com ou sem Temer), porque a democracia é um jogo difícil de ser jogado. E vocês vão ter de jogar este jogo e aí meus caros apoiadores do golpe gritos, urros, palavrões e panelaços é muito pouco. Só serve para botar um usurpador e uma gang de ministros suspeitos no poder, por pouco tempo!

Discurso político da mídia

No imaginário popular, a informação trazida pela grande mídia, seja escrita seja rádio-televisiva, caracteriza-se pela objetividade e neutralidade. A própria mídia reafirma reiteradamente o caráter deontológico de sua atuação.
No entanto, a realidade é bem diferente. Todas as sociedades, inclusive a brasileira, são compostas de classes com condições de vida, interesses econômicos e visões de mundo antagônicos. Nelas, os aparelhos políticos servem predominantemente para permitir que setores economicamente dominantes mantenham seu poder, o que implica a possibilidade de subalternizar e explorar outras classes. As grandes empresas, essencialmente dedicadas ao lucro e que vendem informação, servem para manter essa “ordem constituída”.
Porém o lucro dessas empresas, que advém, sobretudo, da venda de publicidade e propaganda, repousa essencialmente na audiência. Audiência que representa igualmente uma imensa massa de eleitores e consumidores potenciais cujas consciências precisam ser moldadas. Para tanto, a mídia necessita apresentar os fatos de modo tal a convencer a maioria dessa massa de auditores, telespectadores e leitores da pertinência de certos fatos e de certas ideias.
Para atingir esse objetivo, toda a grande mídia, esse verdadeiro “poder não eleito”, tende a usar mais ou menos as mesmas técnicas: seleciona as notícias; enfatiza certos fatos em detrimento de outros; prestigia acontecimentos, discursos, eventos – dando-lhes muito espaço – ou, ao contrário, minimiza-os, apresentando-os sob forma de flashes intercalados com notícias de menor interesse, etc.
Mídia e linguagem
Nesse combate político, cultural e ideológico, a linguagem em geral [imagens, mímicas…] e a linguagem verbal em particular têm um papel central. Entre os recursos linguístico-discursivos usados, um dos mais relevantes – e que engloba muitos outros – é o fato de ela produzir e reproduzir uma linguagem e um discurso “de massa”, empobrecido, no qual, sobretudo, palavras semanticamente complexas são usadas apenas com um de seus conteúdos referenciais. Na televisão especialmente, isso se dá até mesmo em programas de variedade ou de esporte.
Além disso, a mídia consegue, através da nomeação, criar fatos (as guerras de conquista de territórios e de matérias-primas passam a ser guerras humanitárias) e categorias sociais (os rebeldes no Iraque ocupado pelos EUA, congêneres dos partisans, résistants, partigiani da luta contra o nazi-fascismo na Europa, passaram a ser chamados de terroristas). Nomeando, ela cria sentimentos de aversão em relação a certos setores sociais. Ao chamar, sistematicamente, alguns moradores de bairros pobres que cometem ou são suspeitos de cometer atos ilícitos, de sujeitos, indivíduos, elementos, ela aproxima-os dos marginais, ladrões, foras da lei, dentre outros. Ao contrário, quando exponentes das classes dominantes cometem delitos, continuam sendo chamados de deputados, senadores, juízes, executivos, diretores, etc. Retomando Bourdieu, em alguns contextos de enunciação, as palavras “fazem coisas, criam fantasias, medos, fobias ou, simplesmente, falsas representações” . (BOURDIEU, 1996, 19).
Isso pode culminar, em situações de forte contraste social, político e econômico, em um poder da mídia tão grande que a “atualidade argumentativa passa a ser essencialmente tributária das escolhas feitas pelos meios de comunicação dominantes.” (SCHEPENS, 2006, 1). Tivemos um exemplo paradigmático disso quando a mídia brasileira, com raríssimas exceções, promoveu e defendeu com unhas e dentes o impedimento da presidenta Dilma Roussef, eleita em final de 2014, com 54% dos votos. Nesse caso, a atualidade argumentativa criada pela mídia, e mais especificamente pela Rede Globo, deu-se através da imposição da palavra inglesa impeachment, que refletiria uma ação prevista pela constituição brasileira, em contraste com a realidade objetiva, descrita de modo mais pertinente pela palavra golpe.
Tendências
Após a concretização desse processo anticonstitucional e a posse de um presidente e de um governo interinos, a mídia brasileira serve-se agora de outros recursos para confirmar o fundamento de suas escolhas anteriores e impedir que novas leituras possam ser feitas acerca do governo interino. Esses recursos dizem respeito não apenas ao uso de palavras, mas também a aspectos morfossintáticos, paraverbais – como a entonação – e não verbais – tais como a mímica. Vejamos algumas das tendências de construção desse discurso.
A eufemização, que serve para relativizar, ocultar e justificar medidas antissociais, golpistas, ilegais, anticonstitucionais e antipopulares do governo interino, assim como dos setores econômicos que os apoiam. Assim, o que está em curso não seria uma reforma trabalhista, mas uma modernização trabalhista, com uma diversificação profissional do trabalhador, conforme anunciado na maior parte dos grandes veículos. A manchete do jornal O GLOBO de 17 de maio anunciava que “Temer vai propor flexibilizar jornada de trabalho e salário”, justificando essa medida no subtítulo “Reforma trabalhista daria mais força às negociações coletivas”, quando sabemos que é exatamente o contrário que está sendo proposto.
A nova conjuntura política e econômica decorrente do golpe institucional contra a presidenta Dilma é positivada e supervalorizada, por meio do uso de palavras com conotação positiva, consideradas “bonitas” pelo sentimento linguístico da maioria. Fala-se em novo governo, retomada econômica, retomada da confiança, aumento dos investimentos, expectativa da sociedade e dos mercados, recuperação do poder de compra, salvação do país, etc.
Os tropeços, irregularidades, ações ilícitas, etc. do governo interino são amenizados e apresentados de modo a torná-los menos transparentes e a confundir o telespectador ou leitor. Logo após a divulgação das conversas comprometedoras entre o então ministro Romero Jucá com Sérgio Machado, o Jornal Nacional da Globo, de 23 de maio, noticiou: “Romero Jucá é levado a se licenciar”. A forma passiva tem como efeito retirar ou diminuir a responsabilidade do sujeito da frase, colocando-o quase numa posição de vítima da ação de outra entidade. E, na sequência, o âncora relatou que Jucá foi elogiado por Temer por sua atuação enquanto ministro, numa tentativa de amenizar a possível culpa do personagem. Ainda durante os poucos minutos em que divulgou a notícia ainda recente da revelação da conversa entre Jucá e Machado, o âncora do JN acentuou a má qualidade do áudio e o fato de a Folha de São Paulo não ter publicado a totalidade da conversa, fragilizando assim o enunciado e fortalecendo o enunciador das “conversas gravadas [que] derruba[ra]m o ministro do planejamento do PMDB”.
Os malfeitos do governo interino são acobertados pela mídia dispersando seu registro em meio a notícias de provável forte efeito sobre a grande massa dos telespectadores ou contrapondo aqueles malfeitos aos de partidos da agora oposição. No mesmo programa de notícias do dia 23 de maio, as revelações da Folha de São Paulo foram rapidamente anunciadas em flashes dispersos, em meio a outras notícias, entre elas a denúncia contra o governador de Minas Gerais, do PT.
Assim como aconteceu com essa última notícia sobre o governador Fernando Pimentel, que quase se sobrepôs à gravação de conversas comprometedoras do ministro do planejamento Jucá, muito mais relevantes no atual contexto político, tende a haver, na mídia, um transbordamento dos tropeços, atuais e passados, da presidenta Dilma, de seus ministros e aliados. Notícias sobre esses erros ou supostos erros invadem todas as instâncias das notícias. O governo destituído, também graças à ação da mídia, como vimos, continua sendo demonizado e desprestigiado, assim como seus membros e seu entorno (CUT, MST, etc.), por meio de palavras negativamente conotadas, inseridas em contextos enunciativos relacionados sobretudo à crise econômica. A mídia focaliza situações difíceis, fenômenos negativos, etc. como exclusivamente decorrentes dos governos do PT. Fala-se, por exemplo, da perda de leitos nos hospitais, durante o governo da Dilma; da queda de confiança, nas últimas décadas; da situação complicada comparada com outros países do Mercosul; do esgotamento de um modelo, etc.
Em muitos casos, o descrédito recai, covardemente, sobre a individualidade dos protagonistas do governo destituído. Durante o processo de impeachment, a revista Isto É (abril 2016) apresentou, numa reportagem que atingiu o auge da misoginia, a presidenta Dilma como uma “histérica”, propensa a “explosões nervosas”, a “surtos de descontrole”, por causa da iminência de seu afastamento (sic), que grita, xinga, ataca, tendo perdido condições emocionais para conduzir o país”.
A política externa dos governos do PT, ainda que não tenha sofrido variações ao longo desses 14 anos, é hoje chamada de política “partidária”, irresponsável”; além disso, muitos dos governos da América Latina com os quais o Brasil mantinha relações são chamados agora de governos esquerdistas.
O que a mídia tem procurado mais escamotear, menosprezar e desqualificar, após o início do processo de golpe institucional contra a presidenta Dilma, são os inúmeros e variados atos promovidos pela população em protesto contra o golpe e, agora, contra o governo usurpador. As técnicas usadas são mais sutis porque, até recentemente, atos públicos a favor do impeachment eram supervalorizados e apresentados como democráticos e populares. As atuais manifestações, apesar de serem mais frequentes, maiores e mais universais, ganham muito pouco espaço na mídia, quando não são literalmente ignoradas. É mais uma vez através da manipulação dos conteúdos referenciais de determinadas palavras que a mídia tem conseguido desqualificar esse movimento multitudinário. A mídia tem desqualificado sistematicamente essas manifestações por advirem de movimentos sociais, especificando tratar-se de sindicatos (CUT), partidos (PT, entre outros) e outras organizações, como o MST e o MTST. É mais uma estratégia para impor à massa de telespectadores e leitores apenas uma acepção do lexema “movimento social”, muito mais amplo, cunhado como foi através da história das ações coletivas de homens e mulheres na defesa de seus direitos, na luta contra as injustiças e os desequilíbrios sociais.
Essa estratégia da mídia não só desqualifica os homens e as mulheres que saem às ruas para protestar, mas menospreza toda a esquerda, assimilando-a a uma grande massa de manobra, alienada, de um partido político ou de organizações específicas. Por outro lado, esses atos são mostrados a partir de ângulos geralmente desfavoráveis e sem jamais entrevistar os participantes e dar a eles a possibilidade de evidenciar sua heterogeneidade, a seriedade de suas reivindicações e a riqueza de seus pontos de vista sobre os fatos políticos em curso.
Do conjunto dessas estratégias de manipulação das informações, o que fica para o telespectador desinformado é uma visão simplista, generalizante, preconceituosa da situação social e política do Brasil.
Florence CarboniFlorence Carboni – Linguista. Professora do Departamento de Línguas Modernas e do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Patrícia ReuillardPatrícia Reuillard – Linguista. Professora do Departamento de Línguas Modernas e do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Crônica da Resistência ao Golpe de 2016

* José Carlos Moreira da Silva Filho
Dia 03/06 foi um dia histórico para Porto Alegre! No Teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, mesmo palco no qual no dia 25 de agosto de 1961 Leonel de Moura Brizola iniciou a Campanha da Legalidade! Tive a honra de ser um dos autores do livro que estava sendo lançado, intitulado “A Resistência ao Golpe de 2016”, juntamente com Tarso Genro e Magda Biavaschi, a realizar uma fala antes do belo e inspirado discurso da Presidenta Dilma.
No mesmo palco estavam inúmeros Movimentos Sociais, Deputados Federais da esquerda, O ex-Governador Olívio Dutra (que me prestigiou com um cumprimento após minha fala), representações dos diversos Comitês pela Democracia e Resistência que se espalham pelo Estado. Na plateia também outros autores do livro: Guto Pedrollo, Katarina Peixoto, Paulo Pimenta e a Maria Tereza (que me ajudou a escrever o meu artigo). Ao final entregamos um exemplar autografado por tod@s à Dilma.
O evento foi comandado pela Katia Suman, sempre ótima, e particularmente linda foi a performance do Nei Lisboa. Cantou duas músicas: uma composição em homenagem à Dilma (música belíssima) e a clássica “E a Revolução”. Nesta hora foi difícil segurar a emoção. Aqui compartilho além das fotos desse momentaço um vídeo feito de parte da minha fala.

Após a homenagem que eu fiz ao Ico Lisboa (parte em que o vídeo foi cortado – já perdoei a patroa por não ter gravado tudo, he he he), fiz uma homenagem aos que lutaram antes e agora lutam de novo ao nosso lado, personificando na Dilma, exemplo de altivez, dignidade, coragem e, sobretudo, generosidade, por estar mais uma vez lutando e colocando a cara à tapa

Também lembrei da memória do lugar, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul na Campanha da Legalidade. Registrei ainda o a falácia e o vazio que é o combate à corrupção divorciado de qualquer preocupação quanto a um projeto político popular para o país. Como é falso derrubar um governo em nome do combate à corrupção sem se preocupar com o principal problema que temos e que é o verdadeiro gerador de toda a corrupção: a desigualdade social. Finalizei com um #ForaTemer e um #VoltaDilma.

Depois todos saíram para a Esquina Democrática, onde já estava montado um palco no qual Dilma repetiu o seu discurso, seguido de falas de uma parlamentar do PSOL (não consegui ver quem era) e da nossa querida Jussara Cony. E para finalizar mais uma bela performance do meu querido amigo e grande artista da nossa cidade e do nosso país Raul Ellwanger.

Milhares de pessoas na Esquina Democrática para homenagear Dilma Rousseff
Milhares de pessoas na Esquina Democrática para homenagear Dilma Rousseff

Dali iniciou-se uma caminhada pela cidade que reuniu dezenas de milhares de pessoas, com palavras de ordem, batucadas, muita animação. Pena que na Independência, para homenagear a ocupação do IPHAN, eu já estava sem bateria no celular. A Independência foi tomada pela multidão. Lindo de se ver. Andamos em lugares mais populares como o terminal de ônibus do Mercado Público e a Rodoviária (não pude deixar de perceber o contraste do povo mobilizado pelas ruas e o povo esperando ônibus, que me pareceu apático, bovino, indiferente e alguns até de cara amarrada – foi quando eu disse: “Acordem! São os direitos de vocês também que estão destroçados e atacados por este desgoverno ilegítimo!”).
Em frente a uma Igreja Universal na Farrapos o povaréu se ajoelhou e simulou uma reza, para depois cantar em coro: “Eu beijo homem, beijo mulher, tenho direito de beijar quem eu quiser!” Na altura da Fernandes Vieira eu dispersei, mas soube que o povo desfilou na Padre Chagas, coração da burguesada porto-alegrense, e que diante de algumas panelas que se insurgiram gritaram algo assim: “Mas que vergonha, bate panela, mas quem lava é a empregada!”
Enfim, dia histórico, orgulhoso de ter feito parte. Teremos algo bem concreto e significativo para mostrar pras nossas filhas no futuro, mostrar que fizemos parte da resistência democrática diante de um golpe sórdido, espúrio e que ameaça as conquistas populares!
José Carlos Moreira da Silva Filho* Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS (mestrado e doutorado) http://lattes.cnpq.br/0410429186457225

Uma crítica por esquerda aos militantes ainda vinculados ao governo deposto – 1

Bruno Lima Rocha*
Iniciar um debate como esse é sempre um tema delicado. Nos espaços onde publico e circulam ideias por mim difundidas, percebo que as críticas são bem recebidas e, ao mesmo tempo, posso estar abrindo feridas políticas com interpretações que podem ser bastante sectárias. Ainda que reconheça este risco, estou abrindo uma nova série, compartilhando tanto a crítica à nova direita que cresce na onda reacionária a tomar conta de parte do Brasil, como fazendo a crítica por esquerda, de forma, mas sincera.
Inicio pelo óbvio. Por mais boa vontade e sinceridade política que tenham centenas de milhares de militantes contra o golpe, não há como varrer as práticas políticas condenáveis para debaixo do tapete. Entendo que o abandono de mínimas posições classistas levou a uma espécie de paralisia política, onde o mecanismo de “cálculo político” operado pelos oligarcas de sempre, entrou na mentalidade da direção do partido de governo (PT) e seus aliados, de modo que contas de mal menor estivessem sempre na ordem do dia. Não cabe neste primeiro momento apontar supostos “erros ou acertos” dos governos de Lula e Dilma e sim debater, a dimensão estratégica, ou a ausência desta dimensão, quando apontada ao médio e longo prazo.
Neste texto, levamos em conta o conceito de André Singer a respeito do lulismo, considerando-o um pacto conservador, um jogo do “ganha-ganha”, com as seguintes características: o Brasil aproveita o crescimento econômico chinês e indiano; tenta estabelecer uma aliança de classes com os campões do capitalismo nacional; não atinge de forma direta os interesses do capital financeiro e especulativo; aposta na política de exportação de commodities agrícolas, minerais e extrativistas; e, simultaneamente, abre cunhas de alianças com setores reacionários, em troca da gigantesca promoção de melhora nas condições materiais de vida. Logo, o que pode se observar é que, embora as mudanças materiais tenham sido consideráveis, não houve alteração nas estruturas de poder assentadas no Brasil, tanto àquelas de nível doméstico como na correlação com as forças externas. Logo, por mais que tenhamos praticado uma correta política externa de tipo “autonomia pela diversificação e inserção soberana”, a postura nacional e internacional foi coerente com o pacto de classes. Assim, tanto a inserção soberana no cenário internacional é o mal menor e não uma proposta de mudança na ordem mundial, como era nos anos ’80 do século XX; como aceitar a melhoria material como uma espécie de solução mágica para problemas estruturais de dominação foram o cadafalso da política lulista no Brasil.
Ao promover a melhoria da condição de mais de 44 milhões de pessoas, o que seria minimamente desejável seria a afirmação de estruturas de contra-poder, ou ao menos, uma capacidade de mobilização popular promotora de um poder de veto das maiorias por sobre os acórdãos oligárquicos e o viciado jogo burocrático-institucional. Ao contrário de fazer o afirmado aqui, o partido de governo reforçou o poder de seu líder político e eleitoral (Lula) e apostou toda a acumulação na vitória pelas urnas e não na construção de um novo consenso político-cultural, entregando a ideia de hegemonia societária para as estruturas pré-existentes. Deste modo, a inação levou a que nenhuma das estruturas centrais de poder no Brasil fosse alterada, ao contrário, se expandiram sob os narizes dos dirigentes petistas, tais como: o agronegócio e latifúndio; as “igrejas” neopentecostais; o poder da mídia corporativa; a financeirização da economia brasileira; a concentração econômica nos oligopólios nacionais (através de uma espécie de Bismarckismo tropical, já deveras elogiado por Eike Batista); a presença de capitais transnacionais nas telecomunicações; a divisão de poder no mundo do trabalho com as centrais pelegas; loteamento do primeiro, segundo, terceiro e quarto escalões do governo federal com oligarquias mercenárias; e, não menos grave, a negativa em modificar minimamente as instituições de segurança de Estado, verdadeiras máquinas de matar a própria população, acumulando entulho autoritário e violência endêmica na base de nossa pirâmide social.
Definitivamente, tais práticas de conciliação de classes e acomodação de forças são tão ou mais danosas do que a degeneração promovida pelo loteamento e rateio de práticas corruptas, ou do silenciar de investigações que poderiam cortar a cabeça da serpente, como as operações da PF Macuco, Farol da Colina, Chacal e Satiagraha. Para desespero de centenas de militantes com boa vontade, são as relações estruturais e as práticas políticas as atitudes definidoras da balança do poder interno e não, algumas acertadas políticas públicas, como as de renda mínima, de reconhecimento ou expansão das bases do ensino público.
A autocrítica necessária ou a desconfiança permanente
Expostas as feridas, é preciso falar em linguagem direta. Considerando tudo o que fora citado acima, entendo que, ou os dirigentes do PT, de seus partidos aliados (como o PC do B), das centrais sindicais que apoiaram o lulismo (como CUT e CTB), e setores afins fazem uma profunda autocrítica de suas práticas e alianças dos últimos 14 anos, ou toda esta indignação coletiva contra o golpe será jogada pelo ralo na próxima agenda eleitoral e eleitoreira. Esta crítica também vale para os movimentos componentes da Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo. Se este não é o momento para crítica e autocrítica então quando será? Para quem tem leitura da história política brasileira ou vivera o fim do ciclo populista, peço que seja lembrado o triste papel do PCB após 1964 e seus rachas sem fim até em função de sua inação diante do golpe evidente.
Afirmo que nem tudo está perdido e que há uma esquerda no Brasil, eleitoral e também não eleitoral e não é a este último setor, ao qual pertenço, para onde este texto se dirige. Hámuma conta a ser paga e a mesma é salgada. Sei que este tema atinge afetos e amizades, mas o faço de maneira fraterna e direta. Ou a esquerda social restante (como a Via Campesina e as bases ainda mobilizadas da Teologia da Libertação) assume seus erros e parte para um projeto político de democracia com justiça social, pluripartidarismo e igualdade sócioeconômica ou a parcela hoje ainda majoritária (a da centro-esquerda oficialista e de apoio incondicional ao governo que caíra) ficará apelando para debates místicos e escapistas como: “a história não para e as relações são dialéticas” e sem debater a fundo um PROJETO DE PODER. Se este debate não começar a ser feito com a devida radicalidade e lucidez nos próximos meses, repito, toda esta indignação será jogada pelo ralo diante dos oportunismos do próximo ciclo eleitoral dos municípios. O tema é urgente e seguirei neste debate nas próximas semanas.
bruno_KQ* Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais  www.estrategiaeanalise.com.br / blimarocha@gmail.com
 

O novo governo (interino) do Brasil e os (des)caminhos da política externa

Diego Pautasso*
O Brasil está numa encruzilhada. Não faz muito, se cacifava para ser protagonista da cena internacional. Liderava, não sem sobressaltos, a integração sul-americana (UNASUL, CELAC, MERCOSUL), intensificava sua presença na África, atuava com desenvoltura junto aos emergentes (BRICS, IBAS), articulava coalizões e cúpulas importantes (G20, Cúpula América do Sul-África e América do Sul-Países Árabes), buscava ativamente um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e conquistava a condição de sede dos dois mais relevantes eventos esportivos do mundo (Copa e Olimpíadas).
Em âmbito interno, segundo o IBOPE, a popularidade da Presidenta Dilma Rousseff havia alcançado 79% em março de 2013, sendo que 63% consideravam o governo Dilma ótimo ou bom, 29% regular e apenas 7% ruim ou péssimo1. A economia terminou o ano apresentando trajetória confortável (DANTAS; JABBOUR, 2016), com superávit primário do setor público (1,9%); inflação moderada (5,9%), crescimento do PIB (2,5%) e baixo desemprego (5,4%); poder de compra e massa salarial em ascensão; solidez internacional com reservas de 375,8 bilhões de dólares; créditos dos bancos públicos e investimentos em infraestrutura (228,6 bilhões) crescentes; entre outros.
A partir das manifestações de junho de 2013, a situação se deteriorou. Os movimentos foram capturados e impulsionados pela grande mídia, desembocando nas manifestações contra a Copa do Mundo de 2014. O sucesso da organização do evento e a reeleição da Presidenta, garantindo o quarto mandato para a coalizão liderada pelas forças progressistas, cindiram o país. Enquanto o governo cedia e assimilava a agenda macroeconômica do candidato derrotado, ao nomear Levy para a Fazenda, as forças conservadoras e neoliberais aprofundavam a ofensiva. Distanciada a Presidenta de sua base política, a crise socioeconômica se aprofundou e criou as condições para o golpismo – que até convivia com o governo em razão do desempenho econômica e da popularidade. Em âmbito internacional, a diplomacia do governo Dilma mantivera, essencialmente, a mesma linha do antecessor, mas com menor ênfase e significativos acenos a pautas usualmente identificadas com o campo liberal-conservador, como a aproximação com a OCDE e o acordo de liberalização comercial com a União Europeia. Esses movimentos coexistiram com outros de forte valor simbólico, como o cancelamento da visita aos EUA após a revelação de Snowden e a abstenção, na AGNU, a respeito da resolução sobre a integridade territorial da Ucrânia, acompanhando os demais BRICS. Chanceleres com menor protagonismo, o desinteresse da presidência e, depois da reeleição, a crise e a espiral golpista, fez a política externa perder relevância. De todo modo, manteve-se o que chamamos de ‘autonomismo com diferenças de ênfase’ (PAUTASSO; ADAM, 2014).
O PMDB, que já dominava o maior número de prefeituras, governos estaduais, deputados e senadores, além da presidência das duas casas, chegava pela terceira vez à presidência sem voto popular. Apesar da hegemonia política, a um só tempo, o partido criticava o governo do qual fazia parte e apresentava-se como solução política e moral. Assim, o novo governo (interino) de Temer não retomou a confiança, com atestam a popularidade inferior à da Presidenta deposta e o desempenho das bolsas e do dólar, nem logrou a propalada “união” nacional, vide o pipocar de protestos por todos os cantos do país. As principais forças vivas da sociedade, intelectuais, juristas, movimentos sindicais e operários, estudantes e artistas têm realizado sistemáticas manifestações por todo o país.
Ademais, em duas semanas de governo, o ministro do Planejamento e principal articular político, Romero Jucá, seus dois indicados no IBGE e IPEA2 e o ministro da Transparência3, Fabiano Silveira, foram exonerados em razão de escutas que revelavam as maquinações políticas que levaram ao golpe, expondo as vísceras da vida política nacional. Deve-se destacar que as sinalizações do governo vão na direção de política econômica liberalizante e asfixia das políticas sociais, anunciando o recrudescimento dos conflitos de classe.
Em âmbito internacional, notícias na mídia internacional dão conta majoritariamente de que houve um golpe e o governo goza de pouca legitimidade. Nota-se que chefes de Estado não têm ligado para o reconhecimento protocolar do novo governo ou mantido distanciamento, enquanto eurodeputados exigem que a União Europeia não negocie com o governo Temer. Além disso, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, reitera que o ocorrido no país foi golpe4; e sua Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publica comunicado expressando preocupação com “retrocessos” 5. A mesma reação ocorreu por parte do Secretário-Geral da UNASUL, Ernesto Samper, e dos governos da Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua, assim como da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América/Tratado de Comércio dos Povos (ALBA/TCP). Até o Papa Francisco manifestou preocupação com os ‘golpes brancos’ na América do Sul e o risco de escalada de conflitos sociais em países como Brasil, Venezuela, Bolívia e Argentina6.
Diante desse quadro, as medidas do chanceler interino Serra causam apreensão. Primeiro, as duas notas7 do MRE repudiando as declarações de Samper da UNASUL e dos governos vizinhos revelam o viés da condução da diplomacia para a região. Segundo, a decisão do Itamaraty de instruir embaixadores a combater ativamente a tese do golpe8 é reveladora das percepções internacionais. Terceiro, outra medida sintomática das escolhas internacionais, foram as notícias relacionadas à encomenda de estudo sobre os custos das embaixadas na África e no Caribe9, assim como a disposição prioritária do chanceler interino de participar de reunião da OCDE10. Há, inegavelmente, uma mentalidade colonizada manifesta no silêncio diante de grandes embaixadas em países inexpressivos da Europa e na incapacidade de compreender o sentido estratégico da região e do Atlântico Sul-África para o país, seja em âmbito econômico-comercial e/ou diplomático-securitário.
No discurso de posse, o novo chanceler disse que a diplomacia não mais seria conduzida conforme as “conveniências e preferências ideológicas”. Essa é uma narrativa, contudo, eivada de ideologias, ao supor-se portadora dos interesses da sociedade e do Estado, como destacou o ex-Assessor Especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia11. A diplomacia é uma política de Estado, com necessários traços de continuidade, mas, sobretudo, é uma política e deve refletir as opções de cada governo. Ademais, enquanto Lula e Dilma nomearam como chanceleres quatro diplomatas de carreira com sólida trajetória no Itamaraty, Temer nomeou um presidenciável líder da oposição. Basta observar as declarações de alguns de seus formuladores, como Rubens Barbosa12 e Rubens Ricupero, para perceber a prioridade por restringir o Mercosul à liberalização comercial, diminuir a ênfase dada ao BRICS e priorizar acordos de livre comércio com o centro do sistema (EUA e UE). Nesse último caso, como diz o ex-ministro Celso Amorim, as negociações podem culminar na entrega de “todas as suas joias” sem sequer receber “bijuterias”13. Em suma, tudo indica que a disposição de buscar – utilizando os conceitos de Vigevani e Cepaluni (2007) – ‘autonomia pela diversificação’ a partir do fortalecimento das relações Sul-Sul, dará lugar ao retorno do alinhamento com os polos centrais.
Enfim, o novo governo Temer, cuja permanência se torna incerta em função desse quadro político e econômico, deverá alterar os rumos da política externa. O possível saldo, contudo, é preocupante, pois a grave crise atual atingiu o país em cheio, acabando por cindi-lo politicamente, desacreditar as instituições, fragilizar setores-chave da indústria nacional (petróleo e construção civil), paralisar a economia e desacreditar sua imagem internacional. Em âmbito internacional, há o risco de o Brasil retomar a diplomacia discreta dos anos 1990, pois seu chanceler vê o Itamaraty como trampolim político e sequer reconhece suas tradições. Resta acreditar no provérbio chinês, ao se deparar com sombrias aflições, que de nuvens mais negras cai água límpida e fecunda…
[avatar user=”X-CDD – Diego Pautasso” size=”original” align=”left” /]* Diego Pautasso é doutor e mestre em Ciência Política, professor de Relações Internacionais da ESPM Sul e UNISINOS, autor do livro China e Rússia no Pós-Guerra Fria, editora Juruá, 2011. E-mail: dgpautasso@gmail.com
 
Bibliografia
AMORIM, Celso. Entrevista “Somos vistos como ponto de equilíbrio do continente. Não podemos perder isso”. In: El País. 23/05/2016. Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/17/politica/1463513447_190209.html.
DANTAS, Alexis; JABBOUR, Elias. Economia, dinâmica de classes e Golpe de Estado no Brasil. In: Texto para Discussão. nº 3, maio, 2016, disponível em: http://plataformapoliticasocial.com.br/wp-content/uploads/2016/05/Artigo-Brasil-Alexis-e-Elias1.pdf. Acesso em 03/06/2016.
PAUTASSO, Diego; ADAM, Grabriel. A política da política externa brasileira: novamente entre a autonomia e o alinhamento na eleição de 2014. In: Conjuntura Austral. vol. 5, n° 25, pp. 20-43.
VIGEVANI, Tullo  and  CEPALUNI, Gabriel. A política externa de Lula da Silva: a estratégia da autonomia pela diversificação. In: Contexto Internacional. 2007, vol. 29, n°2, pp. 273-335.
Notas

  1. Ver notícia no site Último Segundo. Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-03-19/popularidade-de-dilma-bate-novo-recorde-e-sobe-para-79-diz-ibope.html
  2. Ver notícia em O Globo disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/apos-saida-de-juca-temer-troca-comando-do-ipea-do-ibge-19411414
  3. Ver notícia em Agência Brasil disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-05/ministro-da-transparencia-pede-demissao-do-cargo
  4. Ver notícia em Estadão disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,secretario-geral-da-oea-defende-garantia-do-mandato-de-dilma-e-continuacao-da-lava-jato,10000022530
  5. Ver notícia no site da OEA disponível em: http://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2016/067.asp
  6. Ver notícia em O Dia disponível em: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2016-05-25/papa-diz-que-pode-estar-ocorrendo-golpe-branco-na-america-do-sul.html
  7. Ver notícia no site G1 disponível em: http://g1.globo.com/politica/processo-de-impeachment-de-dilma/noticia/2016/05/itamaraty-critica-governos-de-5-paises-por-propagar-falsidades-sobre-brasil.html
  8. Ver notícia em Estadão disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,secretario-geral-da-oea-defende-garantia-do-mandato-de-dilma-e-continuacao-da-lava-jato,10000022530
  9. Ver notícia em Folha de São Paulo disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/05/1771982-serra-pede-estudo-de-custo-de-embaixadas-na-africa-e-no-caribe.shtml
  10. Ver notícia em O Globo disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/serra-embarca-para-paris-onde-participara-de-reuniao-da-ocde-19386876
  11. Ver notícia no Estadão disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,marco-aurelio-garcia-rebate-serra-e-ironiza-cabecas-iluminadas,10000052419
  12. Ver entrevista na Exame disponível em: http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/04/rubens-barbosa-acao-do-pt-no-exterior-e-pessima-para-o-brasil.html
  13. Ver entrevista no El País disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/17/politica/1463513447_190209.html

Nova Ditadura e Direito

[avatar user=”X-CDD – Joao A Wohlfart” size=”thumbnail” align=”left” /]
João Alberto Wohlfart*
O que tem a ver a nova ditadura brasileira com o Direito? A ditadura parlamentar/jurídico/midiática que se desenha aos nossos olhos mergulha diretamente no universo do Direito e nas suas Instituições. Até o presente contexto histórico, a Democracia brasileira sempre durou muito pouco tempo e inúmeras vezes foi interrompida por golpes de Estado e por ditaduras orquestradas pela estrutura patriarcal do poder. De regra, o Direito é o sistema de liberdade social estruturado nas suas Instituições e organizações típicas, para eliminar qualquer forma de domínio de uma pequena minoria sobre uma maioria, para evitar que uma classe social dite os seus interesses e para assegurar a todos os cidadãos as condições de vida digna, de convívio social e de livre manifestação da opinião em meios de comunicação democráticos e plurais, numa sociedade plural.
Na contramão da sua incumbência e finalidade, o Direito se transformou sistematicamente num golpe de Estado e numa ditadura legitimada legalmente. A lógica ditatorial do Direito começa embaixo e nos recantos mais longínquos e invisíveis das periferias onde os pobres e os negros constituem alvos diretos de perseguição policial e de prisão. Somente pelo fato de serem pretos e negros, os grupos são objeto de cassetete e de duríssimos castigos policiais. Numa esfera mais ampla e mais sistemática, isto se manifesta na criminalização dos movimentos sociais, com a desarticulação jurídica das lideranças e com aplicação de penalidades judiciais aos seus organizadores. Como a ditadura jurídica é completada pela ditadura midiática e seus mecanismos, os movimentos sociais são alvo dos mais variados preconceitos e facilmente rotulados de baderneiros, vagabundos e perturbadores da ordem pública.
A criminalização sistemática dos movimentos sociais transforma o Direito na essência da ditadura. O sistema do Direito, que já rasgou e enterrou a Constituição Federal ainda em idade juvenil, desde a esfera mais elevada do Supremo Tribunal Federal, passando pela ciência do Direito, até a base das comarcas e varas, se transformou num golpe de Estado. Em instâncias mais elevadas, isto ficou evidenciado e visibilizado com a condução coercitiva do ex-Presidente Lula ao depoimento junto à Polícia Federal, com a perseguição sistêmica da sua liderança e por prisões de lideranças de esquerda. Por que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu bem outro tratamento quando fez o seu depoimento à Polícia Federal? O Direito se transformou na instância legitimadora da perseguição aos movimentos sociais que nada mais fazem que a proposição de projetos democráticos de participação popular e de justiça social capazes de incluir socialmente todos os grupos sociais numa pluralidade democrática.
Sabe-se que a função do Direito é a construção de relações sociais equilibradas e a integração de todos os seres humanos e grupos sociais ao grande sistema do convívio social, numa sociedade democrática erigida em Estado de Direito. Os espetáculos jurídico-midiáticos dos últimos tempos e fatos evidenciam que o Direito, de forma sistemática, se opõe a esta condição fundamental. Aliás, na História do Brasil isto nunca foi diferente, apenas nos últimos tempos o casamento entre Direito e a classe dominante ficou mais agressivo, cínico, perverso, covarde e hipócrita. O Direito mostrou todos os seus tentáculos que constituem desdobramentos de um sistema repressivo, de um pandemônio que visa exclusivamente à implantação de um sistema econômico excluidor e o silenciamento de todas as vozes que buscam a construção de uma sociedade justa e fraterna.
Os sinais da presença da ditadura do Direito na estrutura social não são nada animadores. Este estado social tem múltiplas manifestações na área jurídica, social, cultural, política e econômica. A expressão jurídica da ditadura do Direito é objeto deste escrito, na criminalização dos movimentos sociais, na perseguição seletiva contra a esquerda popular e na perseguição constante ao ex-Presidente Lula e ao Partido dos Trabalhadores. Como se o absurdo não bastasse nestas manifestações, fala-se na criminalização do comunismo, o que implica no processamento e prisão das pessoas e movimentos com ideias socialistas, das causas que têm no bem comum e na solidariedade universal, acima do interesse privado capitalista, a concretização maior da existência. Daqui a pouco vão para a cadeia as pessoas que falam de Hegel, de Marx, de Engels, de Paulo Freire e do Papa Francisco, porque o pensamento político-social de todos eles é antinômico ao privatismo neoliberal do governo ilegítimo e fascista que se constituiu. Do ponto de vista cultural, escuta-se da obrigatoriedade do ensino do criacionismo divino nas escolas, numa fiel obediência ao fundamentalismo norteamericano . Isto é compreensível porque o congresso nacional está habitado por líderes religiosos neopentecostais ultraconservadores e reacionários. Isto proporciona a volta de doutrinas religiosas dogmáticas fossilizadas pela História e destinadas a dar a benção divina aos caprichos da nova ditadura.
A benção divina da nova ditadura, dos procedimentos típicos do universo jurídico e do modelo político empresarial nos proporcionaram o espetáculo da organização de bandidos políticos que habitam o Supremo Tribunal Federal, as duas esferas do legislativo federal e o governo Temer que usurpou o governo de Dilma Rousseff. Esta bandidagem política que habita os três supremos poderes da República não apenas assaltou o governo Dilma legitimamente constituído, mas está promovendo um assalto dos direitos fundamentais historicamente conquistados pelo povo brasileiro, está assaltando a República pela privatização neoliberal e promete um assalto ao Brasil pela entrega de suas riquezas ao grande capital internacional. Tudo isto representa um assalto jurídico à Constituição Federal, ao Estado de Direito e à Democracia, porque o povo brasileiro, causa e finalidade da Política, sujeito político de um sistema de Direitos e senhor das riquezas nacionais, é substituído por outro senhor que é a mão invisível do capital privado internacional.
Nesta prostituição do Direito, que tem na imparcialidade o seu procedimento fundamental, transformou-se numa ferramenta de parcialidade ao legitimar juridicamente a bandidagem política de direita e o neoliberalismo privatista e capitalista. A perseguição midiática aos líderes populares e aos políticos de espírito nacionalista é a faceta mais diabólica do Direito. Neste contexto precisa ser evocada a presença do Estado como agente de socialização e de promoção da justiça social. A bandidagem política de todas as esferas da República está promovendo um enfraquecimento do Estado ao privatizar tudo o que é possível, tirando dele a capacidade de socialização e de regulação da atividade econômica. Neste cenário, o povo não será senhor de sua história e de seus destinos, não será representado pelos seus representantes legítimos que habitam os três poderes da República, mas será inexoravelmente comandado pela mão invisível do grande capital que explora a força trabalhadora e a rebaixa à condição coisa, e promove uma total coisificação e fragmentação social.
Está de volta, com as bênçãos divinas e do Supremo Tribunal Federal, o projeto econômico que faliu o mundo em 2008, e que está definitivamente falido. Está de volta o projeto da privataria tucana da década de 1990 que rendeu o Brasil junto ao FMI e ao capital internacional a grande e impagável dívida externa, os vergonhosos empréstimos ao FMI que excluíram mais de cem milhões de brasileiros do desenvolvimento econômico e social. Visibilizado no esquema de bandidos políticos de Brasília, está em cima de nós o bandido invisível, o deus invisível e absoluto do capital internacional, para explorar um dos últimos santuários de riquezas naturais do Planeta Terra, como o Pré-sal, a Amazônia, os rios, as riquezas minerais, as terras, restando para nós as migalhas de uma massa de trabalho em condições de semiescravidão e mal pago. Da separação entre povo e política, pois os políticos não estão preocupados com o povo, conclui-se que o judiciário é uma superestrutura social destinado a legitimar o sistema econômico neoliberal estabelecido, mesmo com a prostituição da Constituição, do Estado de Direito e da Democracia.
 
* Doutor em Filosofia pela PUCRS e professor de Filosofia.

Eu e Jean, Jean e eu, ou:

As trajetórias de vida e a (im)possibilidade de desenvolver uma cosmovisão crítico-reflexiva
MARÍLIA VERÍSSIMO VERONESE*
Eu perguntava a mim mesma… de onde vem essa identificação incrível que tenho com o [deputado federal] Jean Wyllys? Tudo foi diferente em nossas vidas, pelo menos até a fase adulta. Ele homem, eu mulher. Ele gay, eu hétero. Ele de Alagoinhas na Bahia, eu de Porto Alegre das plagas gaúchas, mais próxima culturalmente de Uruguai e Argentina do que do resto do país. Ele de origem pobre e periférica, eu de classe média, filha de médico e professora universitária. Ele passou fome, eu sempre desfrutei de uma boa alimentação, sendo costumeiramente a fome resolvida assim que surgia. Mas eu me sentia quase que irmanada a ele, sentia uma identificação enorme. Ele falava e parecia que eu mesma estava a emitir uma opinião, de tão parecido que pensávamos o mundo e a política! A idade é próxima, nasci no final dos anos sessenta e ele no início dos setenta. Mas eu não entendia muito bem aquela semelhança das visões de mundo, até que li seu livro TEMPO BOM TEMPO RUIM – Identidades, políticas e afetos (Cia. das Letras, 2013). Aí comecei a identificar as semelhanças ocultas a um olhar mais superficial. Tivemos em casa uma formação religiosa católica, o que nos aproximou da teologia da libertação; estudamos numa escola pública de qualidade, que nos deu uma formação laica, humanista e politizada, eu no Colégio de Aplicação da UFRGS, tendo feito um “vestibular” aos dez anos de idade para ingressar, ele com bolsa de estudos na Fundação José Carvalho, entidade filantrópica que oferecia um ensino técnico de excelência aos poucos escolhidos em uma rigorosa seleção de candidatos. Outra semelhança: bem antes da época, ambos enfrentamos um processo seletivo concorrido e difícil, tipo “vestibular”! Alguns anos após a data que ingressei, em 1978, o processo seletivo foi substituído por sorteio no Colégio de Aplicação, que apesar de público era de elite na época, justamente pela forma de ingresso. Ela reproduzia a mesma injustiça da universidade pública, sendo agora seu corpo discente bastante variado em termos de origem de classe. Quanto à escola de Jean, segundo informações do site da instituição, existe hoje o projeto Garipando Talentos, criado há três anos, que tem o objetivo de selecionar e preparar jovens de 8ª série das escolas públicas do município de Pojuca para o ingresso no Colégio Técnico da Fundação José Carvalho (FJC).
Percebi que o modo como construímos uma visão de mundo semelhante, eu e Jean, vinha do fato de ambos termos experimentado na educação familiar o melhor da tradição comunitária cristã – os valores da solidariedade, do poder do perdão como reconstrutor de humanidades e vínculos, da comunidade como melhor forma de vida – minha mãe costumava nos repreender com a frase “colabora com a comunidade!”, quando eu e meus irmãos agíamos de forma egoísta. Por outro lado, tivemos acesso a um ensino público laico e de excelente qualidade. No colégio de Aplicação, tudo era calcado na noção de “liberdade com responsabilidade”, estimulava-se sempre a leitura e discussão crítica dos conteúdos trabalhados em aula, fazendo-nos compreender em profundidade o que era a justiça, e a crer, sobretudo, na sua efetivação pelos humanos em vida, corroborando com a teologia da libertação e evitando possíveis armadilhas da ética humanista cristã. Esta tem lá seus muitos aspectos contraditórios, basta ver a “dificuldade” da Igreja com a homossexualidade, os direitos reprodutivos das mulheres etc. Com o papa Francisco, parecem piscar algumas luzes no fim do túnel, mas a igreja católica continua sendo majoritariamente conservadora.
Aprendemos o que significava a opressão ao longo do processo civilizatório e sobre as contradições e ambiguidades desse. No Aplicação tínhamos professores vindos das ditaduras vizinhas, acolhidos pela universidade federal para uma readaptação laboral no exílio. Acessando a memória afetiva, recordo aqui o querido professor Fructuoso Rivera, que chegou do Uruguai sem falar português e foi dar aula para 30 agitados pré-adolescentes (coitado!), a quem chamávamos de “Gardelón” devido a um personagem humorístico da época, interpretado por Jô Soares. Dele temos uma lembrança preciosa: no dia de seu aniversário ganhou de presente um pequeno bolo inglês do tipo que se vendia nos bares estudantis. Pegou um canivete e dividiu-o em 16 minúsculas fatias, para que todos ali presentes ganhassem um fragmento, ensinando que o certo é não ficar ninguém de fora, nunca.
Discutíamos e participávamos muito nas aulas de história, sempre em forma de debate crítico, enquanto meus amigos de escolas privadas de classe média decoravam datas e fatos da historiografia convencional – aquela dos “vencedores” que escreveram as narrativas, carregadas da colonialidade do poder/saber e suas muitas distorções. Tínhamos aula de teatro, música e artes plásticas, além de dois anos de francês ou alemão, à escolha. Nas aulas de biologia, também discutíamos sexualidade e livre expressão do desejo, acreditem? Coma professora Maria Lúcia, linda e queridíssima.
Numa educação de excelência, é mais importante levar o/a estudante a pensar com independência e criticidade do que fazê-lo/a ter condições de “competir” no mercado de trabalho e “subir na vida” para além de seus competidores, isto é, o resto do mundo. Percebe-se que cada vez mais uma educação formal voltada obcecadamente para o “mercado” – uma posição vantajosa neste seria o que realmente importa – impede-se o desenvolvimento, nos estudantes, de uma formação crítico-reflexiva, plural, questionadora e que produza sujeitos capazes de indignação perante injustiças e desigualdades inaceitáveis.
Mas isso tudo é para dizer que, para desenvolver uma cosmovisão crítica e reflexiva, precisamos ter experiências que alimentem/enriqueçam aspectos sociais, políticos, cognitivos, intelectuais, artísticos, emocionais e afetivos da nossa subjetividade. E que isso independe de classe social ou das trajetórias de vida distintas que eventualmente tivermos, embora possamos dizer que o menino Jean teve uma boa dose de sorte também, para além de seus muitos méritos. O sociólogo Jessé de Souza, baseando-se nas ideias de Pierre Bordieu, afirma que a reprodução das desigualdades e injustiças vem “de berço”, da obtenção ou não de capitais simbólicos importantes para a vida em sociedade: uma criança pobre que é desde muito cedo expulsa da escola para trabalhar precariamente não desenvolve as qualidades necessárias para ter sucesso na vida acadêmica e profissional, tais como disciplina, capacidade de concentração e simbolização, raciocínio abstrato etc. E não porque haja algo errado com ela, mas porque não tem em casa uma mãe que lê jornais e livros e fala francês, ou não vê o tio falando inglês, ou não tem um pai médico tratando de suas doenças infantis em casa mesmo, ajudando a preveni-las, ou um irmão que ajuda nos estudos; não viaja ao exterior, não vai ao cinema, teatros e museus, não tem muito tempo disponível para estudar, não tem livros à disposição. Não teve o “treino” de passar horas em sala de aula, concentrada e focada em atividades intelectuais. Depois de adulto/a, ou ainda muito jovem, passa a trabalhar em atividades precárias e mal pagas, como serviços domésticos ou gerais, proporcionando ainda mais tempo aos sujeitos da classe média para estudarem e se qualificarem, galgando melhores cargos e ganhando mais, enquanto eles permanecerão no mesmo emprego por falta de condições de aperfeiçoamento pessoal. Então as condições concretas de existência determinam muito mais os modos de vida de cada um/a de nós – apesar de não haver determinações absolutas – do que o simples esforço individual, ou méritos pessoais.
A falácia da meritocracia constrói, contudo, uma representação social bastante difundida da pobreza como demérito e da riqueza como mérito. Nada mais enganador e reprodutor de injustiças e desigualdades. Meritocracia é um conceito que serve bem, por exemplo, no momento da composição de uma equipe econômica, ou para a formação de um ministério de Estado… A escolha e a indicação, nesses casos, devem ser por mérito, pela excelência demonstrada pelo/a indicado/a para ocupar aquela posição (tudo, aliás, o que não estamos vendo agora, nesse governo interino que assumiu ilegitimamente, a meu ver).
Nas situações de ingresso e posição no mundo escolar e laboral, ou do julgamento de indivíduos comuns de diferentes origens, ele pouco ajuda e ainda atrapalha muito a visão clara sobre os modos de reprodução das desigualdades de classe, gênero, raça/etnia etc. A vergonha pelo fracasso dos desfavorecidos, inculcada neles desde cedo pela sociedade de entorno, também contribui para que persista o imoral abismo social, além de ser uma perversão/crueldade institucionalizada e amplamente aceite. O “esforço pessoal” e a “vocação” – tidos como causas do sucesso ou fracasso, – não são as únicas nem as principais causas de resultados obtidos na vida dos cidadãos/ãs, em situações de alta desigualdade. Há processos de estratificação social, complexos e multicausais, a serem considerados. Mas o senso comum não costuma querer saber disso, na sua tendência a enxergar os pobres como preguiçosos e não possuidores de qualidades morais positivas.
A desigualdade socioeconômica não é merecida, não é causada por fatores individuais e sim de reprodução social, através de decisões políticas e econômicas, tomadas por grandes agentes com poder institucional, que afetam milhões de pessoas. Assim como as violências de que a mulher é vítima – estamos todos impactados pelo estupro coletivo havido na semana passada – não são culpa de seu comportamento, mas sim de séculos de patriarcado operando e formando uma densa camada subjetiva de machismo em boa parte dos homens (e também em boa parte das mulheres). Não falta quem ache, em ambos os sexos e em todos os gêneros, que a culpa pela pobreza e vulnerabilidade é do pobre e a culpa do estupro é da mulher, que de algum modo “provocou” ou “permitiu”.
Assim que voltamos à educação e seu potencial de formar reflexão crítica. Mais do que nunca precisamos de debates em sala de aula, sobre relações de gênero, sobre pobreza e desigualdades, sobre estratificação social, porque tudo é política, inclusive a ciência. O modo como queremos viver nossas vidas, o que consideramos uma boa sociedade, faz parte de um projeto político, de um projeto de vida, que envolve instâncias coletivas, institucionais, grupais, culturais e individuais. Refere-se, amplo modo, ao que queremos para o mundo em que vivemos e o que queremos para nós e os que nos rodeiam. Ao reduzirmos a noção de política à sua dimensão partidária ou mesmo institucional, ela se esvazia de sentido e ainda ganha, no senso comum, uma conotação negativa ligada à corrupção. Esta geralmente tem agentes do mercado envolvidos, o que costuma ser cuidadosamente ocultado; portanto, é preciso politizar a educação, no melhor sentido que concebo o termo: torná-la veículo de problematização e troca de ideias em todas as dimensões da existência humana e planetária. Projetos como o tal “Escola sem partido” – que parte da mais torpe e equivocada concepção da política -, se aprovados, irão decretar o descalabro do sistema educativo no Brasil, já tão debilitado. E impedirão que Jeans e Marílias, independente da origem de classe, de sexo e de identidade de gênero, possam eventualmente vir a experimentar formas de empatia que sirvam para construir pontes, identificações e diálogos mundo afora, ampliando e pluralizando formas de subjetividade social (e consequentemente de vida) crítico-reflexivas.
 

O que explica a crise?

Giovane Martins*
Ainda não chegamos à metade de 2016 e, me arriscaria a dizer, já poderíamos calcular mais notícias sobre escândalos políticos nesta primeira metade do semestre do que em vários momentos parecidos da nossa história. O Brasil, que até pouco tempo era visto como o país do Carnaval e do futebol, agora ocupa as manchetes políticas do Brasil e do mundo quase que diariamente, com novas revelações em escândalos de corrupção – revelações que já foram capazes de levar para a cadeia alguns dos empresários mais ricos do país e de declarar a “quase morte” política (pois no fim das contas só a população tem o poder de declarar a morte política de alguém de forma definitiva) de vários envolvidos nos esquemas.
A crise política que estamos vivendo não começou ontem e provavelmente não terminará amanhã. Provavelmente também não começou em 2013, embora tenha sido neste ano que os primeiros protestos populares de grande magnitude tenham ocorrido durante o período frequentemente denominado de “lulismo”. Uma crise política desta magnitude não surge do nada. Embora na superfície esteja tudo correndo aparentemente bem, é perfeitamente possível que uma profunda sensação de desgosto e um crescente desejo de mudança estejam presentes nas consciências individuais.
Por isso seria um trabalho duro especificar onde começa a crise política que nos afeta, e é um tiro no escuro saber o que virá depois. Qualquer tentativa de se apontar uma causa para explicar o que está ocorrendo agora acabaria com o status de meia-verdade: talvez por isso as correntes ideológicas tradicionais tenham tanta dificuldade para justificar seus diagnósticos. Ao contrário de outros eventos históricos em que era possível delinear claramente onde uma revolta começa e quais são seus pontos de transição, fazer isso hoje é correr o risco de se cair na ideologia, na resposta que já estava engatilhada a priori.
Mas o que torna nossos tempos tão diferentes de outros eventos políticos históricos?
A filosofia, as ciências sociais, a comunicação social e outras áreas que frequentemente se comprometem com o debate político vêm desenvolvendo nos últimos anos uma boa gama de trabalhos a respeito de um novo mundo (ou de uma nova forma de se relacionar com ele) que ainda não entendemos bem – embora nosso contato seja permanente. Estamos na era do ciberespaço, das novas tecnologias da comunicação que a cada dia trazem novos recursos, que mudam a forma como nos relacionamos e tornam a atividade política acessível a qualquer um que tenha um computador ou um smartphone com internet. A clássica relação causa-efeito se torna completamente incerta em um mundo em que vários eventos significativos ocorrem simultaneamente, em que causas que desconhecíamos podem ganhar força em minutos e em que a informação ganha autonomia em relação aos sujeitos – quem precisa procurar informações quando elas aparecem na sua timeline inesperadamente?
Nossa imprensa tradicional, nossa democracia e as nossas instituições estão tendo que lidar com esse conjunto de novos fatores. A liberdade que a democracia nos proporciona, por sinal, é fundamental para que saiamos da crise sem qualquer violência ou derramamento de sangue, como já ocorreu antes nesses 30 anos de democracia. É essa liberdade que permitiu a cultura de participação política que estamos assistindo diariamente. Por mais que se pense o contrário, cada vez mais parece ser o povo o motor político principal, e não as classes médias e políticas.
Meu objetivo nesta coluna será trazer para o debate político alguns desses temas que nos ajudam a entender o momento político que ocorre no Brasil e em outros países do mundo, mas que ao mesmo tempo quase que nos impossibilitam de fazer análises sistemáticas que apontem causas e efeitos claros e distintos sem se cair em respostas velhas para problemas novos. Para isso, conto com a participação do leitor. O debate político, agora, é de todos!
* Giovane Martins é estudante de filosofia da PUCRS, pesquisador bolsista do CNPq e do CEFA – Centro de Estudos em Filosofia Americana.

A embriaguez midiática das massas, a omissão do STF e a orquestração do golpe no Brasil

Francisco Jozivan Guedes de Lima*
Antes de tudo, quero advertir que não usarei a terminologia “golpe político” porque, de um ponto de vista normativo e de sociedades democráticas bem-ordenadas que respeitam as instituições, golpe é algo infame, vil e de natureza apolítica; ele anda justamente na contramão da política: percorre caminhos abjetos, criminosos, ilegítimos do ponto de vista moral e jurídico.
O status de legitimidade do impeachment no seu cerne normativo está respaldado pela Lei nº 1.079/1950 que foi recepcionada pela CF/1988. No Art. 4º da Lei nº 1.079/1950, há um rol de oito crimes de responsabilidade presidenciais tais como atentar contra (i) a existência da União, (ii) o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados, (iii) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, (iv) a segurança interna do país, (v) a probidade na administração, (vi) a lei orçamentária, (vii) a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos, (viii) o cumprimento das decisões judiciárias.
O impeachment em si não é golpe; é uma ferramenta democrática que tem na sua base a pretensão de se opor a regimes despóticos. Dentro de sociedades liberais modernas, sua gênese histórica remete à desestabilização dos Estados nacionais absolutistas, desarticulação esta protagonizada pela burguesia – categoria que ainda não tinha no dado período uma conotação capitalista pós-Revolução Industrial. Tratava-se, dentro do referido cenário, de uma queda de braço entre as monarquias absolutistas versus os liberais, especialmente, como se observou a partir do século XVII na culminância da Revolução Inglesa e o consequente estabelecimento do parlamentarismo.
Se o impeachment em si não é um golpe, então qual o seu problema? No caso específico deste processo que vivenciamos no Brasil, ele é um golpe porque está sendo orquestrado mediante estratagemas de exceção; dizer que o impeachment atual é legítimo porque respeita um rito do Supremo Tribunal Federal é uma afirmação extremamente superficial e ritualística que não adentra às questões de fato relevantes para a sua legitimidade como o cumprimento do devido processo legal, o instrumento da ampla defesa, a imparcialidade dos relatórios eivados de tendenciosidades cujo relatores são declaradamente inimigos da figura em julgamento, contaminação partidarista da comissão ad hoc e do judiciário, desde juízes de instâncias mediadoras até o STF enquanto guardião da Constituição. Afinal, cabe aqui uma questão normativa: como entender o porquê do STF – sendo o responsável máximo pela Constituição – diante deste conflito se autoimpôs a incumbência de simplesmente traçar ritos ao invés de gerir o processo já que o impeachment constitui um instituto a fim de zelar pelos princípios constitucionais? Não há sentido em abandonar tal status decisório nas mãos de políticos inaptos do ponto de vista ético e/ou intelectual que instanciam suas decisões a partir de justificativas risíveis obliterando todo o potencial normativo de esfera público-democrática.
A obscuridade do processo com manipulações midiáticas com liberação de grampos telefônicos para dada emissora, o processo de votação dominical forjado como uma espécie de show que culminou no desmascaramento e na demonstração da realidade de parlamentares sem mínimas condições para o exercício do poder público, o fato de orquestradores do golpe serem réus em processos como Lava-Jato, os fortes interesses econômicos que injetaram e financiaram o afastamento da Presidenta Dilma, o atropelamento do processo e o voto-pronto independente da contra-argumentação da Advocacia-Geral da União, e todo um demais conjunto de fragilidades expostas, fortalecem a obviedade do Estado de exceção no qual foi forjado o processo de afastamento. Diante disso, o STF agiu como Pôncio Pilatos: “lavou as mãos”; atirou o rito no plenário e observou confortavelmente o seu desfecho. Num país com seriedade e harmonia institucionais, diante de processos parciais e suspeitos, os guardiões da Carta Magna não se isentam, mas assumem o ônus de zelar pela normatividade. Eis aí a sua máxima razão de ser.
E o que dizer da embriaguez das massas? Por “massa” entende-se aqui o “vulgus”, aquela “massa de manobra”, isto é, aquela parcela da população que é facilmente cooptável, manipulável, que bate panelas, vai às ruas, põe camisa patriótica impulsionada por um discurso de anticorrupção ironicamente patrocinado por corruptos, ou seja, uma contradição explícita. Ela constitui, numa expressão nietzscheana, “o homem rebanho”. Ela não tem ciência de como o processo está sendo forjado, quem o forja, quem o financia nacional e internacionalmente, e como as informações são milimetricamente lhe endereçadas pela mídia que sedimenta a indústria cultural do golpe. Aí está a embriaguez.
Tudo é orquestrado a fim de que a grande massa – seja ela de camada social subalterna, alta ou mediana – acredite que o processo está sendo imparcial, justo e que com a deposição de uma dada figura, a corrupção será banida e tudo voltará à normalidade. Foi justamente em cima deste discurso de “higienização” que o nazismo ganhou força e chegou ao poder e se tornou o monstro tal qual sabemos. Dentro dessa ideologia massificadora, tipifica-se e encontra-se um bode expiatório para culpabilizar pela instabilidade e pela desordem. E a lavagem cerebral funciona sorrateiramente em tal direção. Isso gera uma despolitização da esfera pública forte e, ipso facto, os potenciais atores políticos são intencionalmente rotulados mediante uma luta desgastante e sem sentido sob os cognomes de “coxinhas” e “petralhas”, resultando daí discursos e ações de ódio, uma infantilização do processo democrático bem-vinda para aqueles que os manipula como meros fantoches.
Aos que defendem que tal massificação não aconteceu, cabem aqui algumas questões: por que este mesmo povo que foi às ruas, que bateu panelas no horário nobre, não o faz agora, neste exato momento em que a Operação Lava-Jato se recolhe do seu ímpeto voraz depois de ter cumprido seu papel estratégico de fulminar um partido político em específico? Por que as investigações não têm continuidade com o mesmo peso e rigor para os demais partidos e suspeitos? Por que não se bate panelas perante vazamentos de vídeos desmascarando o golpe? De um modo amplo, por que não ele não vai às ruas contra as injustiças que continuam a acontecer?
As doses funcionaram exitosamente: para a grande massa – manipulada pelas instâncias de poder – o momento é oportuno, tudo é apenas uma questão de tempo para a “perfect life” se instaurar no Brasil: “não vem ao caso” julgar, a Lava-Jato cumpriu sua tarefa, a economia irá crescer, nossos direitos estão preservados, em especial os sociais conquistados a dura penas, a previdência social e os mais velhos não serão atingidos pelas reformas, os remédios serão amargos, porém provisórios e necessários para equilibrar as finanças, não há mais corrupção e todos os partidos são julgados como o mesmo rigor. Trata-se simplesmente de uma ilusão, mera embriaguez ideológica verticalmente imposta, aceita e reproduzida acriticamente por indivíduos de várias regiões do país, sem polarizações se é somente em região X ou Y.
* Doutor em Filosofia pela PUCRS. Professor do PPG e da Graduação em Filosofia na UFPI.

O ambiente do golpe: o Brasil midiatizado e colonialista e dois filmes atuais

Guilherme Castro*
O ambiente cultural em que prosperou o golpe mostra o Brasil altamente conectado nas mídias de hoje, mas alienado. Um país tão ‘dentro’ do mundo contemporâneo e, ao mesmo tempo, ainda colonialista.
O papel e os efeitos da mídia na crise política brasileira vão além e são mais profundos do que a manipulação direta e generalizada pró golpe das grandes empresas de comunicação. Uma das maiores estranhezas desses dias é perceber nas próprias redes sociais, entre debates e mesmo em manifestações de rua, os efeitos do que está sendo chamado de ‘a bolha midiática’. Os espaços de contato e debates entre diferentes são mínimos, e conversamos sempre entre iguais. A sociedade midiática é radical ao dar forma ao Brasil de hoje: atua um estranho e contemporâneo efeito de impermeabilidade e transparência da diferença. É o que explica o prof. Gelson Santana em Representação e formas da diferença na cultura midiatizada de hoje (2016):  “a experiência do saber desaparece no fluxo incessante de informação” e, complementa, a estratégia é “sermos encapsulados pela midiatização da cultura”. Esses traços sensíveis marcam o Brasil e a crise atual: a espécie de ‘revolução de direita’ que pretendem em pleno 2016 se ampara na ampla massificação e alienação. É presente, por exemplo, que a maioria dos alunos chegue à graduação com quase total desconhecimento da história e da realidade brasileira, por mais próxima que esteja.
A resistência, por isso, é também e sobretudo entender os acontecimentos históricos e ter memória – papel e valor centrais da produção artística. Dois filmes recentes, O mercado de Notícias (Jorge Furtado, 2014) e Que horas ela volta? (Anna Muylaert, 2015), nos ajudam a entender o ambiente cultural e midiático da crise política que o Brasil atravessa.
Expressão do estilo e modo de pensar de Furtado, O Mercado de Notícias mistura documentário, ficção, gêneros e ironias ao tema de fundo: o filme procura desvendar o papel do jornalismo na sociedade brasileira atual. Há duas linhas narrativas principais: a série de entrevistas com grandes nomes da imprensa, e a representação e ensaios da peça teatral O Mercado de Notícias (The staple of News), escrita pelo inglês Ben Jonson, que em 1626 já ironizava e criticava as mazelas do incipiente e recém surgido jornalismo.
O filme O Mercado de Notícias vai ao ponto: qual o poder político e como operam o jornalismo e a grande mídia no Brasil? Narrando casos conhecidos de erros ou manipulações grosseiras da mídia (exemplos do falso Picasso na repartição do INSS, em Brasília, e da Escola Base de São Paulo) e com as entrevistas sobre o dia-a-dia da profissão, o longa traça um quadro em que vigora o mau jornalismo, cujo resultado notável é uma massa de pessoas desinformadas.  A apuração, a difícil busca da certeza, da objetividade e da isenção, o compromisso ético com os envolvidos e com o público, tornam a profissão do jornalismo altamente pulsante no dia-a-dia. Mas essas práticas profissionais, que já eram raras, desaparecem das grandes mídias. Fica evidenciada a crise da profissão.  Quando o jornalismo mercadoria abandona qualquer disfarce e se joga ao golpe, hoje, dois anos após o lançamento, O Mercado de Notícias se torna uma obra essencial, um excelente filme sobre o nosso tempo.
Igualmente revelador, embora de forma muito diferente, é  Que horas ela volta?, de Anna Muylaert. O filme narra a situação de conflito que se cria quando a filha da empregada doméstica Val/Regina Cazé é recebida e se hóspeda na casa dos patrões (a família de Dona Bárbara/Karine Teles). O filme teve grande repercussão porque o público se identifica com as personagens do microcosmo social que a narrativa constrói, muito típico e revelador do Brasil de hoje. Na família burguesa, a empregada doméstica convive no dia-a-dia, numa relação de trabalho que possivelmente só exista nesse país e envolve fortes vestígios do servilismo típico das sociedades coloniais – situação difícil de explicar a um estrangeiro, mas que todos aqui conhecem. Entre os conflitos do filme, a filha de Val, vinda do interior do Nordeste, é inteligente, curiosa, focada, e, por isso, passa no difícil vestibular que faz, em contraste à falta de motivação e infantilidade do jovem filho dos donos da casa. Que horas ela volta? mostra o que talvez seja a maior de todas as novidades trazidas pelas políticas sociais: a possiblidade de ascensão entre classes, e o desgosto que causa nos que se apegam, mesmo que simbolicamente, a privilégios arcaicos.
O filme constrói o ponto de vista raro da cozinha da casa; pelo olhar simples, mas sábio, da doméstica Val, conhecemos o vazio de afetos em que se tornou a família burguesa de Bárbara. É um drama social, profundo e até difícil de digerir, por certeiro na crítica que faz, mas o tom é jocoso, irônico e leve.
A diretora Muylaert apreendeu algo que infelizmente constitui um traço muito atrasado do Brasil. A personagem Bárbara tem o rei na barriga, expressão de uso corrente, que expressa um comportamento típico. Revela um estranho vestígio material do tempo do Império, ainda um pensamento escravocrata, que ficou em nossa cultura com grandes consequências também na política.
Um dos motivos do golpe, a rejeição, por parcela importante, de qualquer ação de Governo que diminua a enorme desigualdade social histórica do país está ligado também a esse traço pré-republicano ainda tão marcante.
O Brasil entrou no contemporâneo, está inteiro no mundo midiático, tomado e fortemente constituído por um novo tipo de sociedade e cultura. Ao mesmo tempo e de modo paradoxal segue colonialista, no âmago. Essa força do passado tenta se sobrepor ao presente.  Que seja espécie de último suspiro, e que a superação do golpe, que acontece sobretudo nas ruas e nas mídias, traga avanços muito maiores na construção da Democracia. Há essa chance.
[avatar user=”X-CDD – Guilherme Castro” size=”thumbnail” align=”left” /]* Guilherme Castro é cineasta e jornalista, professor na ULBRA, e doutorando em cinema na Universidade Anhembi Morumbi/SP. Presidiu o Conselho Estadual de Cultura e a Associação de Cineastas do RGS (APTC-RS).