Gilmar Zampieri
Professor de filosofia
Já foi dito e escrito tanto sobre a escola sem partido que, talvez, nada mais pode ser dito de novo. Mas a forma de dizer nunca se repete e por isso, por que não, cada um tentar livremente dizer da sua forma?
Minha percepção é de que esse tema pode ser dito em 5 pontos:
1-Dos propositores: Quem propõe o debate e até possíveis leis inibindo, coibindo e punindo professores que, supostamente doutrinam seus alunos, são pessoas bem conhecidas na cena pública brasileira, alguns são vereadores e/ou deputados, que têm em sua biografia posições marcadamente conservadoras e de direita. O que eles entendem por doutrinação é o que os outros fazem, no caso, os professores com perfil mais progressista e de esquerda. Não há nenhum intelectual ou professor de esquerda e progressista que veio à público para endossar o discurso dos propositores da Escola sem partido. Isso significa que a proposição é um caça às bruxas (professores/as de esquerda, no caso) como tantas vezes aconteceu na história.
2-Doutrinação: O que seria propriamente a doutrinação a ser evitada? Claro, a doutrinação seria ensinar Marx; ensinar que a ditadura foi nefasta para o Brasil; ensinar que os colonizadores que vieram para o Brasil cometeram genocídio e que a escravidão foi uma barbárie cometida pelos europeus, brancos, ricos contra os negros; ensinar que a mulher é vítima de uma história de machismo patriarcal; ensinar que Fernando Henrique Cardoso comprou a reeleição e que a Dilma está sendo vítima de um golpe e que esse golpe não é nenhuma novidade, pois as elites brasileiras sempre a ele recorrem quando seus privilégios estão ameaçados etc, etc…
3-Ideologia: É fato que a doutrinação deve ser evitada, mas seriam os casos acima elencados, doutrinação? Não seriam tão somente pontos de vista legítimos de serem ensinados e debatidos, se for o caso? Em questões polêmicas será possível não tomar partido e defender uma perspectiva ideológica, mantendo saudavelmente uma posição firme, mas dialogal com quem pensa diferentemente? Se um professor de perfil conservador ensinar e debater esses temas, não tomará uma posição ideológica favorável a um ponto e crítico ao ponto contrário? E isso não é saudável e intrínseco ao ato mesmo do conhecimento que sempre será limitado pelo lugar social, político e ideológico do intérprete? A questão, me parece, não é de ideologia, que todos têm e não há como pretender neutralidade, mas de postura dialogal, aberta e crítica exigida por qualquer mestre no ensinar.
4-Liberdade de pensamento e expressão: O maior perigo para uma sociedade democrática não são os professores que se posicionam ideologicamente frente aos fatos e acontecimentos, mas são os que pretendem regular e legislar, proibindo antecipadamente a expressão do livre pensamento. A contradição é flagrante. Logo os defensores do livre mercado são os que pretendem regular, coibir e punir o livre pensamento? O regulador, não deve ser a lei, mas só pode ser o interlocutor, o estudante, que sabe distinguir posições embasadas em razões, de posições dogmáticas que exigem adesão acrítica. Mas isso vale tanto para um lado quanto para o outro do espectro ideológico. E os estudantes não são bobos, não são passivos e coitadinhos que se deixam levar pela ideologia do professor. Só quem nunca entrou numa sala de aula pode pensar que é possível doutrinar os jovens de hoje…
5-Bom senso: A sala de aula não é um lugar para cerceamento do pensamento e tabus previamente definidos. Os professores não são imbecis, idiotas e irresponsáveis que não sabem o lugar que ocupam no processo da formação das subjetividades e do conhecimento. Os professores são preparados para serem professores, diferentemente de alguns políticos que sequer são preparados para serem políticos e pretendem regulamentar e cercear a liberdade de pensamento de professores. Deixem os professores em paz! Eles não são crianças que precisam de uma lei externa que os punem em caso de desvio ou transgressão do bom senso no ato de ensinar. Somos adultos e responsáveis. E suficientemente sabedores do papel de orientadores-facilitadores-problematizadores na construção do conhecimento, e não doutrinadores. O resto é devaneio de aprendizes do fascismo…