Luiz Eurico Tejera Lisboa (Ico)

Luiz Eurico Tejera Lisboa (Ico)

Luiz Eurico Tejera Lisbôa, conhecido como Ico, nasceu em Porto União (SC), em 19/01/1948, mas desde criança viveu no RS, em Caxias e Porto Alegre. Ao se intensificar a luta contra a ditadura, na década de 60, Ico liderava – com outros companheiros – o movimento estudantil secundarista, através da União Gaúcha dos Estudantes Secundários – UGES. Em novembro de 1969, foi condenado pela LSN a seis meses de prisão pela tentativa de abertura de entidade ilegal, no caso o Grêmio Estudantil do Colégio Julio de Castilhos. Como militante da ALN, fez treinamento em Cuba a partir do final de 1970 e regressou ao Brasil em 1971, no auge da repressão política. Em setembro de 1972, foi sequestrado e desapareceu em São Paulo. Em agosto de 1979 a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, onde sua esposa Suzana Lisboa teve papel protagônico, anunciou o achado de seu corpo, sendo o primeiro dos desaparecidos localizado, enterrado com nome falso no Cemitério Dom Bosco, em Perus (SP). Somente em 2012, uma análise dos peritos da Comissão Nacional da Verdade, atestou que foi assassinado, contestando a versão oficial de suicídio. Em 1993, foi publicado o livro Condições Ideais para o Amor, com poesias e cartas resgatadas por seus familiares. Em 1999, nova edição do livro, com editoração de Nei Lisboa, apresentação de Luiz Pilla Vares e texto de Noeli Lisboa.
 
Tempo Novo
Há um Novo Tempo
De novas coisas!
Todos sabem
A mudança é irreversível
Mas as velhas formas
Não cedem sem um último gesto
De desespero.
O importante é persistir
Confiar na vitória do Povo.
Avancemos
Seguros
Passo a passo.
Pois a história não se volta
Sobre sí mesma
É uma espiral infinita
Que nada consegue deter!
Porto Alegre, 11/6/66
 
Liberdade
Há um povo que sofre
Há um povo que geme
E há outros
Como eu
Que embora
Saibam desse sofrimento
E ouçam esses gemidos
Não sofrem
E não gemem.
Ah prisão de minha classe!…
Amarras de minha família
Cordames de meus vizinhos
Tendões de meus amigos
Redes de meu lar e minha escola
Todos! Todos eu rompi.
E encontrei melhor família
Na fraternidade universal
Melhores amigos
Nos companheiros de luta
E dei sentido à vida
Ao lado dos que sofrem
E dos que gemem
Ah! Prisão de minha classe…
Pouco a pouco
Aumenta a brecha de teus muros
Pouco a pouco
Encontro a minha LIBERDADE.
Santa María, 15/2/67
 
Procuro o Homem do Povo
Procuro o homem do povo
o proletário
o camponês
o assalariado
Procuro o homem do povo
o explorado
famélico
desabrigado
o que dorme na mansidão
do não saber.
Procuro o homem do povo
para ultrapassar a frieza
do vocabulário político,
e ver na “massa oprimida”
nas “contradições sociais”
na “luta de classes”
nas “análises da realidade”
o homem do povo.
Renuncio à Revolução calculada
milimétrica e friamente
no racionalismo tecnicista
dos “cientistas”
da transformação social.
Hoje
procuro o homem do povo.
quero além da ignorância
além da fome
além do frio
o homem que se consome
nessa dor.
Quero as mesmas contorções
de suas entranhas
sem alimento.
as mesmas chagas
de seu corpo maltratado.
As mesmas lágrimas
o mesmo sofrimento
a mesma angústia
de não compreender.
Hoje
quero ser um homem do povo.
Viver por um día
as estatísticas
dos levantamentos do Partido.
Fugir por um momento
ao jargão, ao palavreado
e chegar ao real.
Quero uma mente rústica
que até mesmo creia em Deus
e outras divindades.
Quero um corpo dorido
e um olhar sem luz
perdido languidamente
no incompreensível.
Quero vender meus braços
sufocar minha voz
amordaçar-me
crucificar-me todos os días.
Hoje
serei um homem do povo
porque necessito
mais do que os dados minuciosos
mais do que a ciência.
Busco o sofrimento
naquele que sofre
para amá-lo
acima dos pronunciamentos políticos
para que nasça em meu peito
o ódio incontrolável
que dê força às minhas mãos
e torne certeiros os meus golpes!
Procuro o homem do povo
porque recuso
a mistificação revolucionária
dos gabinetes.
Porque necessito
Paixão em minha luta
entusiasmo em minha voz
firmeza em meus passos
amor a meu povo
e fé na sua vitória.
18/4/68
 
Patos azuis em meu pensamento
Patos azuis selvagens
dos grandes lagos
pousaram resvalando
na limpidez de meu pensamento
esta manhã
as águas se abriram
silenciosas, ternas
como uma mulher que ama.
espadanar de espumas
carícias de luz
paraíso de cores
verdes planícies
das cobiçadas terras do sul
estive preso num iceberg
navegando no
mar das Antilhas
ao longo da ilha de Cuba
Ah!… doce calor
que me liberta…
as águas engolem as águas,
meus olhos se abrem,
caem os últimos cristais de gelo,
movo lentamente
os membros entorpecidos,
saboreando a surpresa
desta exótica liberdade
milhares, milhões
de patos azuis selvagens
dos grandes lagos
pousaram resvalando na limpidez de meu pensamento
esta manhã.
1968/1969
 
Noite singular
Dos limites do mundo
Eu espiava as coisas humanas.
Tu chegaste no seio da noite
E me levaste à outra margem.
Juntos na escuridão partimos,
Teu coração palpitante,
Meu coração palpitando,
Lado a lado
Na unidade natural de nossos caminhos.
Os grandes ventos da noite
Agrediram nossas faces
Mas nós seguimos
E nossas mãos se enlaçaram.
Os grandes ventos da noite
Agrediram nossas faces
Mas nós sorrimos
E nossas almas
Se inundaram de ternura.
 
Singular instante de tristeza
Há na simplicidade do teu gesto
um aceno inexplicável para mim,
na limpidez do teu olhar
há um momento turvo
que não posso comprender.
E o teu sorriso se torna
às vezes
sério
sem que eu saiba o porquê.
É verdade…
conheço todos os caminhos
do teu corpo.
Mas ignoro as trilhas misteriosas
De tua alma de menina e de mulher.
E embora eu te ame
e eu te deseje tanto
há nessa felicidade sem par
um instante singular de tristeza.
 
19 de janeiro
19 de janeiro
19 anos
Só.
19 de janeiro
e eu choro
de saudades
do Bolão
do menino sardento
sempre no 1º lugar
do gurizinho briguento
que ia pra rua
de bodoque
enfrentar a espátula
do filho do vizinho
do menino que tinha
um sonho encantado
uma menina linda
de rabo-de-cavalo
e fita na cabeça.
Saudades do Bolão
tão tímido que chorava
envergonhado
do apelido
que eu hoje
mergulho no tempo
só pra ouvir novamente.
Do Bolão que jurou ser
“um grande herói”
-“um dia”.
Do “campeão” de botão
Do “chutador” de sorvete
Do Bolão mentiroso
Que aos 15 anos
Já tinha mil casos de amor.
19 de janeiro
19 anos
Só.
Quanta saudade!…
 
Balada de Ham-Li
Na pequenina aldeia
de Luang-Dinh
um menino
de pele amarela
e olhos rasgados
está
silencioso
deitado no chão.
Seu nome
Ham-Li.
As mãos
as pequeninas mãos
de Ham-Li
estão crispadas
retorcidas
por uma grande dor.
Os pequeninos braços
fortes de Ham-Li
– menino camponês –
estão descarnados
e já se decompõem.
A pequenina face
de pele macia
onde brilhavam
os negros olhos rasgados
o menino Ham-li
escondeu-a no ventre aberto
para que o mundo
não visse tanto horror.
Mas ao pequenino coração
do menino Ham-li
o napalm
não poderá jamais atingir!
Entre os escombros
da pequenina aldeia
de Huang-Dinh
um menino
de pele amarela
e olhos rasgados
está
silencioso
deitado no chão.
O pequenino coração
pulsa
inalterado
sobre todo o Vietnã.
 
Longa a Marcha
É longa a marcha
– camarada –
As sombras envolverão
nossos passos mudos
em eterno caminhar
O inimigo se aproxima
e já nos alcançam
os ruídos cautelosos dos seus batedores.
Avancemos
Não se trata
simplesmente
de nossas vidas
– camarada –
Essa verdura
esse andar
sem fim
já nos deram
a medida
da nossa pequenez
É a chama que
devemos
manter acesa!
Ela ainda é tímida
incerta
bruxuleante
O dever é protegê-la
alimentá-la
eternizá-la
ela é o coração do povo
que inicia a palpitar
Dantos e Bustos
lhe ofereceram
em holocausto
a própria liberdade
Ramon entregou-lhe
a vida em Camiri
sem hesitar
O sangue de Bolívar
e San Martin
verteu em Bolívia rebelde!
E a chama agigantou-se
no peito ardente do povo.
 
À Camarada que Fica
Adeus. Doce amada.
É preciso partir.
Seguirei tranquilo por outros caminhos
pois nosso andar
busca uma mesma pousada.
Breve descansaremos na Rubra Aurora
de nosso Povo.
Mas preciso confiar-te
que dou às cegas muitos dos meus passos largos
que são frágeis as minhas pernas
e muito dura a jornada.
Só em teus olhos encontrarei a luz
Que iluminará meu caminho.
No mais profundo do teu ser
fortalecerei meu corpo,
firmarei meus passos,
acumularei energias
para o desafio do presente.
Em tuas mãos aquecerei as minhas
para enfrentar o rigor dos tempos.
E se algum dia
– meu anjo lindo –
novo amor florescer em tua vida
ainda assim
pensa sempre em mim
com carinho
porque estarei pensando em ti
e estarei sozinho.
Junho/1968.
 

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