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Ricardo Fagundes Leães*
No momento em que o governo provisório tomou posse, já era de conhecimento geral que o Ministério das Relações Exteriores seria chefiado por José Serra (PSDB), ex-governador, prefeito e Ministro de Estado. Serra, que substitui o diplomata Mauro Vieira, é o primeiro político a assumir o comando do Itamaraty desde Fernando Henrique Cardoso, ainda no governo de Itamar Franco. Tão logo assumiu sua nova função, Serra tratou de imprimir sua digital, patrocinando duas duras notas contra os governos de Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua e contra o Secretário-Geral da UNASUL, Ernesto Samper, que questionaram a legitimidade do impeachment de Dilma Rousseff. Em resposta, o Itamaraty repudiou as declarações “bolivarianas” e reafirmou que o impedimento da presidente se deu conforme os ritos legais estabelecidos pela Constituição Federal. Além disso, qualificou como “falsas” e “equivocadas” as críticas que lhe foram dirigidas.
Imediatamente, não faltaram elogios por parte da grande imprensa brasileira à atitude patrocinada por Serra: Folha de São Paulo, O Globo, Estadão e Exame – além, é claro, de Veja e Istoé – aplaudiram, em seus editoriais, as atitudes do novo ministro, que estaria devolvendo o protagonismo e a isenção que historicamente caracterizariam o Itamaraty, desde os tempos do Barão do Rio Branco. Nos dias subsequentes, quando de sua posse oficial, Serra asseverou que o Itamaraty não mais representaria os interesses de um partido político, mas seria um delegado dos interesses e valores legítimos da sociedade brasileira. Após críticas às gestões anteriores – vistas como estatistas, anacrônicas e partidarizadas –, Serra anunciou que daria atenção especial aos acordos de livre-comércio (em sua visão, negligenciados pelo PT) e que, como chanceler, não permitiria uma ideologização do Itamaraty.
Não é do escopo deste texto analisar a política externa brasileira sob os governos do PT ou a conveniência de relações estreitas com os Estados Unidos ou com países dirigidos por governos de esquerda. Trata-se, sim, de entender e problematizar a polêmica envolvendo a ideologização do Itamaraty e o porquê do crescente apelo desse discurso em prol da neutralidade e do apartidarismo. Com efeito, observamos, cada vez mais, manifestações contra o que se convencionou chamar “ideológico”: seja nos governos, nas escolas ou nas instituições públicas, é reprovável que se encontrem vestígio de uma determinada visão de mundo. Seria preferível, então, que predominasse nesses locais um pensamento isento, imparcial e independente, de modo a não privilegiar uma concepção de mundo em relação às demais. Pululam, no Brasil, projetos de leis nos moldes de “escola sem partido”, como os sugeridos pelo deputado estadual Marcel van Hattem (PP), no Rio Grande do Sul, e pelo vereador Valter Nagelstein (PMDB), em Porto Alegre.
Ocorre que é possível encontrar um padrão nas críticas que são feitas à ideologia: quase sempre, são pessoas ou instituições de viés conservador que reprocham tomadas de posição com um sinal ideológico contrário. Por isso, os movimentos feminista e LBGT são acusados de preconizar uma “ideologia de gênero”, os professores que problematizam as mazelas sociais são tachados de “politicamente ideológicos” e os governos que não se curvam aos interesses dos Estados Unidos são responsabilizados por encampar uma “ideologia partidária”. Vê-se, com esses exemplos, que os grupos conservadores não se limitam a rejeitar e contrapor as ideias de seus opositores, mas procuram desqualificá-las como se só elas representassem uma parte e não o todo de uma sociedade. Assim, a perspectiva em consonância com um matiz conservador e que rechaça grandes transformações se pretende como neutra, apartidária racional e objetiva, ao passo que as interpretações distintas são ideológicas, partidárias, emocionais e subjetivas.
Essa manifestação é perigosa e ilusória, na medida em que parte de um pressuposto não democrático sobre a natureza da política e da sociedade. Segundo essa linha de pensamento, haveria uma vontade geral teórica e disfarçadamente acima dos grupos de interesse, que apenas atuariam em benefício próprio e com o fito de desvirtuar a lógica das relações normais de poder. Na verdade, a sociedade jamais é um todo uniforme e uníssono, sendo seus interesses e objetivos distribuídos em classe, gênero, partidos e instituições. A natureza da democracia é justamente reconhecer que há divisões, fraturas e disputas no seio de cada sociedade, e que essas são canalizadas por meio da política: eleições, manifestações, votações, etc. Em última instância, a afirmação de que somente o outro é ideológico é um apego dissimulado ao status quo, travestido como “bem maior”. Ao invés de admitirem que advogam o que lhes é favorável, alguns grupos travestem seus interesses particulares como se fossem universais, e denunciam seus rivais por agirem de forma análoga.
No caso concreto da política externa, causa espanto que um político tarimbado como José Serra afirme que seu intento maior é desideologizar o Itamaraty, que supostamente teria sido sequestrado pelos propósitos – ilegítimos, porque partidários – do PT. Ora, o partido democraticamente eleito tem a prerrogativa, senão o dever, de aplicar o programa com o qual sagrou-se vencedor. A política externa é, por óbvio, também política, razão pela qual está sempre sujeita ao conflito dos mais diversos grupos de interesse. O próprio Serra demonstra esse fenômeno ao adotar um discurso ríspido em relação aos “bolivarianos”, ao propor relações estreitas com os Estados Unidos e ao priorizar acordos comerciais. Benéficas ou não, essas medidas são tão ideológicas quanto todas as atitudes dos governos anteriores. Salta aos olhos, então, a inconsistência lógica de quem patrocina uma política externa alinhada aos Estados Unidos ao mesmo tempo em que pedem neutralidade e pragmatismo.
Não vivemos em um mundo neutro. Em política, ainda mais, nada é mais ideológico do que o apelo à não ideologia.
* Doutorando em Ciência Política pela UFRGS, pesquisador em Relações Internacionais da FEE
Belo chanceler brasileiro que não sabia o nome oficial da República Federativa do Brasil. Ele pensava que era ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Presidente e ministério que só me causam
dissabores. Profundos dissabores.
Que belo chanceler brasileiro que não sabia o nome oficial da República Federativa do Brasil. Ele achava qu era ESTADOS UNIDOS DO BRASIL; Que gente que só me dá tristeza.