Paulo Timm – Julho, 21 – 2016
Agora, está de moda falar em dicção, para um enunciado ou máxima. É bonito. Antigamente, a palavra se referia apenas ao bem ou mal falar: O fulano tem boa dicção, devia fazer teatro. Tudo muda, se movimenta, a língua tem vida. Pois, Paulinho da Viola tem uma “dicção” que gosto muito:
“Costumo dizer que o meu tempo é hoje. Eu não vivo no passado, o passado vive em mim.”
Na verdade, não só o passado, como História, vive em cada um de nós. Também a Geografia, envolta pela Ecologia. E não se trata apenas de globalização. Trata-se da consolidação da Aldeia Global, nesta era de conectividade total on line. Estamos mergulhados, até o pescoço no planeta. E como se vive uma fase de grande efervescência, há que se conviver, também, com suas tensões. O isolamento é difícil.
A Coréia do Norte, por exemplo, insiste em se isolar, no tempo e no espaço. Agora, tudo indica que a Turquia envereda por esse campo, diante das reações extremadas de seu Presidente Erdogan. Ao sufocar um suposto golpe contra a democracia, que alguns até dizem que foi um “autogolpe”, manda prender e arrebentar cerca de 100.000 opositores, dentre os quais militares de alta patente, juízes, professores e servidores. Renasce na extremidade oriental da Europa, o fantasma de Hitler. Turquia: outro país candidato ao isolamento. À direita.
Mas, no geral, tudo segue no passo e compasso da integração. Até a saída da Grã Bretanha da União Europeia é digerível. A indicação de Donald Trump, pelo Partido Repubicano, à Casa Branca, também.
Mas o que está havendo mesmo?
Nada demais. Apenas a roda do grande moinho da vida girando e moendo seus grãos para alimentar o futuro.
O mundo contemporânea teve um momento crucial, que foi a II Grande Guerra (1939-45), do qual saíram os Aliados vencedores contra os países do Eixo – Alemanha, Itália e Japão – . A festa durou pouco, porque entre estes Aliados estavam duas potências em confronto, Estados Unidos e União Soviética, que logo mergulharam na Guerra Fria, que só não explodiu em armas em razão do risco nuclear à humanidade. Disputando virtudes e resultados estes dois blocos dominaram a cena do mundo na segunda metade do século XX. Em 1989 caiu o Muro de Berlim, símbolo desta disputa, e em 1991, desintegrou-se a União Soviética e todo seu bloco. Desde então, os Estados Unidos pontificaram soberanos e ditam as regras do “Consenso de Washington”, sobre como governar, aos quatro cantos da Terra. Foi tão forte este processo que velhos oponentes, liberais e social-democratas, à que se converteram até velhos Partidos Comunistas e movimentos de esquerda como o peronismo, em vários países, se uniram nesta síntese convergente:
1. Há uma série de princípios estratégicos principais, bem diferenciados do pensamento da esquerda tradicional. O primeiro é: apoderar-se do centro político. Nenhum partido social-democrata pode hoje triunfar se pretender atrair uma determinada classe. O importante é tratar de mover o centro da gravidade política para a esquerda. Nos últimos dez anos, o trabalhismo soube fazê-lo.
2. O segundo princípio é: assegurar a solidez da economia. Garantir mais justiça social significa contar com uma economia mais sólida, não o contrário. Os governos trabalhistas anteriores, quase sem exceção, acabaram em crise econômica aos poucos anos de deter o poder.
3. O terceiro princípio é o de realizar grandes investimentos nos serviços
públicos, mas insistindo em que sejam acompanhados de reformas destinadas a fazer com que tais serviços sejam mais eficientes e transparentes e tenham maior capacidade de reação. Para isso são essenciais a possibilidade de escolha e a competência.
4. O quarto princípio é o de criar um novo contrato entre o Estado e os cidadãos, que inclua tanto direitos, quanto responsabilidades. O governo deve proporcionar os recursos necessários para ajudar a gente a construir sua própria vida, mas a gente deve cumprir sua parte no pacto. Por exemplo, até agora, as indenizações por desemprego eram um direito incondicional.
Mas agora, essa situação convida a não assumir nenhuma responsabilidade e tem o efeito de impedir o acesso dos trabalhadores a certos postos de trabalho. As pessoas que perdem seus empregos devem responsabilizar-se pela
procura de trabalho e, ao mesmo tempo, devem ter a possibilidade de atualizar sua formação quando o necessitem.
5. Por último, o princípio mais controvertido – embora crucial para o êxito do trabalhismo – não permitir que a direita política monopolize nenhuma questão. A direita tende a prevalecer sempre em áreas, como a ordem pública, a imigração e o terrorismo; temos de buscar soluções de centro esquerda para estes problemas. Dadas as repercussões de viver num mundo mais globalizado, é preciso que encontremos um novo equilíbrio entre as liberdades civis e a segurança.
(A.Giddens in Trabalhistas e Conservadores- El País -25/07/2007)
O modelo da Pax Americana começava, pois, a funcionar, a pleno vapor, sem contestações expressivas.
Mas os americanos tropeçariam em 2008, numa crise que reeditou a recessão dos anos 30, provocando distúrbios em cadeia ainda sensíveis, particularmente no maior bloco associado, com 28 países membros e alto níveis de renda e consumo, no alto de seus 500 milhões de habitantes , a União Europeia: crise sócio-econômica, déficits fiscais recorrentes, tensões políticas e, principalmente, ruptura da convergência ideológica em torno de uma “Terceira Via”. Desde então, o mundo e, sobretudo a Europa, estão convulsionados . Os ideais igualitários da esquerda reacendem. Os conservadores se inquietam. A “Terceira Via” desmorona. Aquela era uma época de forte declínio da ideologia socializante no mundo inteiro, na antevéspera do fim da União Soviética. Favoreceu a convergência. Agora mudou.
Se já estava afastada a hipótese radical de uma revolução social como alternativa aos males do capitalismo, agora está afastada, também, a ideia de que a História acabou. E com o fim do Fim da História, foi-se a ideia de que só há uma maneira de governar: à la neoliberal. É o neoliberalismo ladeira abaixo.
Tempo de mudanças
A Europa tenta se recuperar da saída da Grâ Bretanha da União Europeia, aprovada em junho deste ano (2016), enquanto continua se debatendo , no seu interior, com as sequelas da Crise de 2008. Seu maior Banco, o Deutsch Bank, dá sinais de que está em situação difícil, muito parecida àquela do Lehmann Brothers, nos Estados Unidos. Acabou o sossego, ainda que a vida, em geral, muito interiorana em toda Europa, seja bastante tranquila. Portugal, por exemplo, é o quinto país mais pacífico do mundo. Neste quesito, nós, brasileiros, nada herdamos…
A primeira mudança se faz na Grã Bretanha, com a posse de nova Primeira Ministra Thereza May, em meio a um cenário de brutal queda do valor da libra esterlina, provocada pelo anúncio da saída da União Europeia, e riscos de separação da Escócia – talvez Irlanda do Norte – , para não falar da forte reação da população londrina que chegou, até, em falar de se constituir em Cidade Estado. (Já pensou se a moda pega no Brasil? Podíamos deflagrar um Movimento pela República Solar de Torres…! )
Thereza May terá, entretanto, que lidar com todos os velhos e novos problemas, começando pelos procedimentos para o retorno à economia de um só e soberano país. Tem, ela, contudo, a seu favor, o ter recolocado o Partido Conservador fora do alcance das figuras apoteóticas e demagógicas, que pesaram a favor do BREXIT (saída do país da União Europeia). Está empoderada, sem constrangimentos aliados, no centro do Partido e do Governo.
Thereza May lembra muito sua antecessora, a Dama de Ferro, Margareth Thatcher, também conservadora, nos anos 1980, mas talvez se pareça mais com Angela Merkel, chanceler da Alemanha. Os tempos correm e moldam novas personalidades afinadas com novos desafios. Há uma nova geração conservadora na Europa mais aberta ao diálogo com os costumes e com as demandas contemporâneas.
Alguém já disse esta é uma Era da Incerteza, pontilhada de pessimismos, como o do ambientalista, James Lovelock, autor de “Gaia”, para quem bilhões de pessoas deverão morrer até o final do século em decorrência das mudanças climática. O físico S.Hwcks diz que temos que correr em busca de refúgio em outro planeta. O próprio FMI admite que o receituário que vem impondo para consertar os vazamentos já não funciona adequadamente. E sua própria Diretora , C. Lagarde exclama: – “Gostaria que o FMI tivesse uma face mais humano…” .
Para piorar, há a crise dos refugiados vindos aos milhões das zonas de conflitos do Oriente Médio e África.
Renasce a eterna indagação diante de momentos de indefinição: Que fazer?
Ao colapso da razão, viva a liberdade, uma das duas pernas sobre as quais se erigiu a modernidade.. Mas atrás da liberdade aninham-se os irracionalismos, com sua sequência de voluntarismos políticos. A paixão está de volta!, proclamam eles. Como resultado, emerge o populismo , com promessas vazias de entregar o paraíso aqui na Terra: À direita, tipos como Donald Trump e, à esquerda, o namoro da Nova Esquerda Europeia com o “bolivarismo” latinoamericano. De permeio, o apelo à violência espontaneísta, no qual o terrorismo dos lobos solitários é apenas anúncio do que poderá vir por aí.
O centro, porém, com presença de personalidades, movimentos e partidos de direita e de esquerda, reage e tenta se reagrupar, não sem dificuldades, em torno de uma plataforma de defesa dos direitos humanos, como estratégia de pacificação no século XXI. Já não se trata da Terceira Via de Tony Blair , Clinton e FHC dos anos 90. O momento é outro: de salvaguarda da democracia ameaçada. A plataforma não será mais a da Pax Americana com seu “Consenso”- no alternatives-, embora não se saiba exatamente qual seja. Neste processo a direita civilizada parece mais acossada, embora mais unida, do que a esquerda, sempre pródiga em alternativas divisionistas.
Hoje podemos visualizar cinco grandes núcleos ideológicos à esquerda, na Europa: O PARTIDO SOCIALISTA EUROPEU, o mais forte, que reúne os social-democratas, no Governo em Portugal e outros países; O GRUPO CONFEDERAL DA ESQUERDA UNITÁRIA EUROPEIA no qual se situa, dentre outros, o PARTIDO DA ESQUERDA EUROPEIA, reunindo antigos Partidos Comunistas, eurocomunistas e socialistas democráticos, bem como o Syriza, da Grécia, único no poder, mas já com uma dissidência em busca de uma Frente Democrática, identificada pelo Manifesto DIEM-25, na defesa da democratização da União Europeia ; e uma ESQUERDA ANTICAPITALISTA EUROPEIA, informal, mais radical, de pouca representatividade, à que se somam, na margem, os anarquistas, em franca ascensão.
Fortalece-se, contudo, um centro democrático. No esforço de construir prescrições comuns para uma Nova Era já inscrita na cultura do século XXI, mas ainda desarticulada de forças políticas e sociais de suporte, ouvem-se, muitas vozes, poucas dignas de menção, como, por exemplo, a do Sociólogo Boaventura de Souza Santos, que preconiza a construção de um projeto hegemônico civilizatório a partir de novas inscrição constitucional , do Filósofo Y. Habermas, para quem há que se reafirmar o direito da cidadania acima dos poderes do sistema financeiro ou S. Zizek, que reclama um retorno dos marxistas à Hegel. Não chegou a ter repercussão, mas deve ser registrada pelo fato de que o autor é um brasileiro de nomeado reconhecimento acadêmico, a entrevista de Mangabeira Unger , arauto de uma “Revolução Vindoura”, à TV The Economist –
https://www.youtube.com/watch? v=llrC70C1Bl0
Neste entrevista, Mangabeira alinha alguns passos para a reconstrução centrista da democracia e reforma do capitalismo: revolução na Educação, ruptura com a financeirização do sistema econômico, disseminação das economias criativas e inovadoras das pequenas e médias empresas, re-energização da democracia de baixo para cima , novas formas de garantias à segurança do trabalho e rearranjo institucional para o desenvolvimento de uma nova economia.
Tudo muito diferente, como se vê, do que se discute no Brasil. Mergulhados na Geografia do futuro, agarramo-nos ao passado, fruto daquilo que, de um lado, o Senador Cristovam Buarque acredita ser o resultado do envelhecimento da esquerda, e de outro, digo eu, de uma também velha, direita, embora de cara nova e desajeitada no Governo do PMDB, com a mão cheia de recomendações neoliberais caducas. Digo desajeitada porque o Plano “Ponte para o Futuro”, que orienta o atual Pres. Temer, é o oposto do Plano “Esperança e Mudança”, do mesmo PMDB, na década de 80, sob a égide de Ulysses Guimaraes.
Aqui polarizamos, enfim, o presente, sem dar espaço à crítica capaz de abrir caminhos para o futuro. Não é o passado, pois, que parece viver em nós. Nós é que vivemos no passado….