Nota em defesa da liberdade de expressão, de manifestação e de imprensa

No dia 15 de junho de 2016, estudantes da rede pública estadual do Rio Grande do Sul ocuparam as dependências da Secretaria Estadual da Fazenda, como forma de chamar a atenção da sociedade gaúcha e de seus governantes para os graves problemas enfrentados pela educação pública estadual, cuja solução vem sendo adiada há muitos anos. Ao fazê-lo, os estudantes buscavam o atendimento às suas reivindicações e às de seus professores, dentre as quais, a melhoria das instalações escolares e a melhor remuneração dos docentes e demais trabalhadores em educação, que, ademais, vêm recebendo seus salários de forma parcelada.
No processo de desocupação da Secretaria Estadual da Fazenda, a Brigada Militar utilizou violência desmedida contra o grupo de jovens estudantes, como comprovaram vídeos, fotos e depoimentos divulgados nas redes sociais, empregando até mesmo, no espaço interno da Secretaria, jatos de spray de pimenta contra adolescentes que se encontravam sentados e não expressavam qualquer intenção de reação.
Junto aos estudantes, exercendo suas funções profissionais, encontravam-se o jornalista Mateus Chaparini, repórter do jornal Já Porto Alegre, e Kevin D’Arc Rocha, cinegrafista independente, que foram detidos e encaminhados ao Presídio Central, juntamente com os manifestantes, embora tenham se identificado e certificado aos policiais que ali se encontravam no exercício de sua atividade profissional. Os vídeos gravados por Chaparini com seu celular e divulgados amplamente pela imprensa local e nacional comprovam-no.
Indiferente à posição de organizações da sociedade civil, que se solidarizaram com os estudantes e repudiaram a ação da Brigada Militar, o delegado Omar Sena Abud indiciou, no inquérito que se seguiu, todos os ocupantes, inclusive o jornalista e o cinegrafista, classificando-os como transgressores e enquadrando-os nos crimes de atentado contra a liberdade do trabalho, associação criminosa, resistência e dano qualificado.
Reconhecendo o equívoco do indiciamento e do enquadramento dos manifestantes, o Promotor de Justiça Alexandre da Silva Loreiro determinou o arquivamento das acusações contra todos os estudantes menores de idade participantes da ocupação.
O Promotor de Justiça Luís Felipe de Aguiar Tesheiner, no entanto, adotou entendimento diverso em relação aos estudantes maiores de idade, o jornalista e o cinegrafista, que cobriam os fatos, no exercício de sua profissão, e denunciou-os pelos crimes de dano qualificado e resistência, demonstrando clara contradição, posto que aceitou a definição de inocência de uns e incriminou outros praticantes do mesmo ato.
Diante dessa contradição e da evidente tentativa de intimidação e censura ao exercício da atividade profissional jornalística, manifestada na ação da Brigada Militar, reforçada pela conclusão do inquérito policial e expressa na ação do promotor público, manifestamos nosso veemente repúdio à discricionariedade judicial e à intimidação ao exercício da imprensa livre e independente.
Lembrando que a Liberdade de imprensa e o respeito aos direitos humanos são, reconhecidamente, condições fundamentais para a manutenção da democracia, e esperando que a Justiça prevaleça em sua imparcialidade e na defesa das liberdades de expressão, manifestação e divulgação, asseguradas pela Constituição Federal de 1988, apelamos à senhora juíza Claudia Junqueira Sulzbach, responsável pela 9ª Vara Criminal da Comarca de Porto Alegre, para que a denúncia não seja recebida e que sejam suspensas todas as acusações imputadas aos jovens estudantes, ao jornalista e ao cinegrafista arrolados.
O presente apelo para que a justiça prevaleça sobre o arbítrio é encaminhado à Vossa Excelência pelo Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito.
Esse comitê é composto por mais de 250 pessoas de diferentes áreas, tais como professores universitários, pesquisadores, artistas, advogados, profissionais da área da comunicação, da cultura e de ações comunitárias do Rio Grande do Sul. O Comitê foi responsável pelo Manifesto em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito, lançado no dia 4 de abril de 2016, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e assinado por mais de 3.000 profissionais. O Comitê é uma organização suprapartidária, que tem como objetivo debater a crise do país e suas possíveis soluções democráticas.
Assinam em nome do comitê
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Márcia Cristina Bernardes Barbosa – Professora Titular de Física da UFRGS e Membro da Academia Brasileira de Ciências
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Soraya Maria Vargas Cortes – PhD em Políticas Sociais e Professora Titular de Sociologia da UFRGS
 
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Zoravia Bettiol – Artista visual, designer e arte educadora
 
Apoiam o presente pleito as seguintes entidades signatárias:
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Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS – Milton Simas – presidente
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Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região – Everton de Morais Gimenes – presidente
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Núcleo Gaúcho da Auditoria Cidadã da Dívida – Josué Martins – coordenação
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Advogados e Advogadas pela Legalidade Democrática – Mário Madureira – coordenação
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CPERS/Sindicato – Helenir Aguiar Schürer – presidenta
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CUTRS – CUT do Rio Grande do Sul – Claudir Nespolo – presidente

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