João Alberto Wohlfart – Filósofo e Professor universitário
Consumado o golpe de Estado contra a Presidente Dilma Rousseff, vai se desenhando aos nossos olhos o cenário que está por vir. Trata-se de um conservadorismo neoliberal levado às últimas consequências. Está muito claro que se trata de uma gravíssima ruptura constitucional, a dissolução da Constituição Federal, um atentado à soberania popular e nacional e a implantação de um projeto que o povo não escolheu nas urnas. As consequências do golpe concentra-se num projeto neoliberal ultraconservador cujos componentes elencamos na sequência.
– A podridão das instituições: As instituições foram criadas para cuidar da Democracia, da Constituição e da Soberania popular. Sempre pensamos que fosse assim, mas erramos rotundamente ao embarcarmos na certeza de que elas deveriam ser as vanguardas da nação brasileira agora estraçalhada por um governo golpista e assaltante. O supremo tribunal federal, o congresso nacional, o executivo federal, o judiciário, estão habitados por uma casta sacerdotal de assaltantes da Democracia que entregam o país aos caprichos do grande capital e da financeirização. Nestes poderes e nestas instituições habita uma elite patriarcal machista que dá o tom constitucional e jurídico para a eternização dos privilégios econômicos de uma pequena maioria.
– O fim da Democracia e da Constituição: Os períodos democráticos da História do Brasil são curtos e sempre interrompidos por golpes e ditaduras. Tivemos a graça de viver num período de 31 anos de frágil e jovem Democracia e de uma jovem Constituição que foi brutalmente assassinada aos 28 anos de idade. A garantia da soberania popular, as políticas públicas, o projeto de nação escolhido livremente pelo povo através do voto direto, a Soberania Nacional, a preservação dos recursos naturais, a inclusão social das massas historicamente excluídas foram quebradas pela chamada “ponte para o futuro” e pelo governo usurpador. O golpe se confirma pela profunda ruptura entre os que assaltaram o poder e o povo que não votou neles.
– Uma sociedade patriarcalista e patrimonialista: Desde os primórdios de nossa História nunca aconteceu uma ruptura social e política profunda capaz de estabelecer uma transformação estrutural radical no interior da sociedade. Esta elite sempre dominou e sempre mandou no país, sem abrir mão de um milímetro de seu poder e de seus privilégios. Com as manifestações de 2013, com a eleição do congresso mais conservador de nossa história e com o processo do fatídico golpe parlamentar esta elite ressuscitou com toda a força e está mostrando todas as suas garras. Ela sempre atuou de forma invisível, numa sutil manipulação ideológica, mas agora a violência é explicita e escancarada. O lucro sem medida, a grande propriedade privada e a acumulação patrimonialista são os grandes dogmas.
– A perda dos direitos sociais: Os sinais evidentes do governo golpista consistem em quebrar com os direitos sociais adquiridos ao longo da história com sangue e suor de tantas gerações e de heróis lutadores. Os direitos trabalhistas e previdenciários são alvos de assaltos e cortes, com o rebaixamento da população à vulnerabilidade social. O desmantelamento do SUS é um dos capítulos desta prática golpista. O congelamento dos gastos em saúde e educação, conforme amplamente divulgado, é a faceta mais cruel deste golpe marcado com o selo do assalto das conquistas sociais. Tudo sustentado por uma hipocrisia capitalista neoliberal para a qual os gastos sociais diminuem os lucros das empresas e do capital financeiro.
– A notícia padronizada: Os meios de comunicação social no Brasil estão em mãos de quatro ou cinco famílias bilionárias. Elas manipulam e massificam a opinião pública como elas querem. São o braço direito do judiciário para condenar seletivamente os críticos do projeto neoliberal e proteger os corruptos de investigação e condenação. Os meios de comunicação de massa imbecilizam a população e castram a capacidade de desenvolvimento de um pensamento crítico e emancipador. A incidência dos meios de comunicação no interior da estrutura social é tão intensa que a opinião se restringe a algumas frases de efeito, especialmente dirigidas contra algumas pessoas que defendem princípios democráticos.
– A pirataria das privatizações: A pirataria privatista é a razão principal de ser dos tucanos e da grande direita. Sabe-se que as privatizações serão intensas e abrangentes. Querem entregar as riquezas naturais do país às grandes multinacionais, tais como o Pré-sal, a Petrobrás, as terras, os rios, os recursos energéticos, as florestas, os aquíferos, os espaços aéreos. Diante deste assalto, o povo brasileiro não será mais dono de seu espaço, de seu território, de suas riquezas, de seu patrimônio espiritual e de sua inteligência. O golpe na Presidente Dilma Rousseff não é porque cometeu algum crime, mas porque zelou pela soberania nacional. O golpe foi protagonizado pela podridão da máfia que habita os poderes do Estado, pelos marajás do judiciário, por grandes empresários nacionais e internacionais, pelos meios de comunicação para protagonizar o espetáculo das privatizações.
– A subserviência internacional: Os governos Lula e Dilma proporcionaram para o Brasil uma soberania internacional e uma liderança global que nunca usufruímos nos 500 anos anteriores. Passamos de um país de fundo de quintal, obediente aos ditames do FMI e às grandes multinacionais, a um país soberano e senhor dos seus destinos. As relações bilaterais com a China, com a Índia, com a Rússia, com a África, com o MERCOSUL, com as nações latino-americanas representam uma significativa sistemática de horizontalização das relações internacionais lideradas pelo Brasil. Sabe-se da ruptura do governo golpista com este sistema e a volta da subserviência aos Estados Unidos e ao grande capital é o que nos espera. Depois da conquista histórica de superação da condição de colônia e da inserção soberana do Brasil no cenário geopolítico internacional, nos transformamos em objeto de exploração do grande capital. Pela tendência atual, seremos uma republiqueta de fundo de quintal.
– A precarização do trabalho: Na agenda neoliberal ultraconservadora, os primeiros que pagam o preço são os trabalhadores. Acentua-se a antinomia entre trabalho e capital, onde os trabalhadores são explorados para sustentar a lógica do capital. A especulação financeira como mecanismo de enriquecimento de alguns e de empobrecimento de uma grande maioria, vai ser a sorte dos trabalhadores explorados pela transformação de seu trabalho em lucros dos magnatas do capital financeiro.
– A financeirização da economia: Com o governo usurpador e golpista, o Brasil será epicentro da especulação financeira mundial. A tendência é a fragilização das estruturas econômicas, a degradação do sistema produtivo e a concentração dos recursos nas grandes instituições financeiras e megaempresas capitalistas. Recursos básicos que deveriam circular na economia real são deslocados das necessidades básicas da população e entregues à lógica da especulação como o grande meio de concentração de renda e exploração do povo. O resultado disto será o aprofundamento da crise econômica, o desequilíbrio social e ecológico.
– O imperialismo do capital: Está em cima de nós o grande monstro do capital, cuja ação é invisível aos olhos do senso comum. Parece um deus absoluto e invisível que invade todos os espaços humanos e sociais e reduz tudo à sua lógica. Está pronto para roubar a força de trabalho e esvaziar o trabalhador transformado em objeto de exploração. Está pronto para roubar as nossas riquezas naturais, desintegrar os sistemas ecológicos brasileiros e dissolver tudo na lógica capitalista. É uma espécie de pandemônio com ramificações econômicas, políticas, ideológicas, jurídicas, e que tem no supremo tribunal federal, no congresso nacional, no poder central e no ministério público os seus braços políticos e instâncias de legitimação.
– O fundamentalismo religioso: Hoje encontramos por aí fundamentalismos e conservadorismos dos mais reacionários e autoritários. É a faceta ideológica da ditadura parlamentar midiática. Os arquitetos do golpe estão revestidos da autoridade moral proporcionada pela bíblia e pela prática da religião, passando uma cortina de fumaça por cima do cinismo e da hipocrisia. A escola sem partido e o criacionismo são elementos religiosos e ideológicos deste fundamentalismo difundido para legitimar a nova ditadura. Os fundamentalismos são apoiados pelos Estados Unidos numa nova era de dominação norte/sul, com um doutrinamento místico-religioso para encobrir a sistemática da dominação econômica.
Estes são alguns traços do golpe dos canalhas, dos assaltantes do poder e da Democracia. Esta é a faceta do projeto cujos arquitetos têm ódio do povo e da Democracia. Para impedir absurdos desta natureza, somente com uma intensa e contínua mobilização popular. A direita raivosa conseguiu aglutinar um conjunto de forças que produziu o golpe e há um vasto campo para a imposição de seu projeto cujos componentes básicos foram aqui citados.