Primeiras reflexões sobre as eleições de 2016

Algumas impressões e reflexões sobre o dia de ontem. Chamou-me a atenção o alto número de votos brancos/nulos e abstenções. Tudo leva a crer que de fato estamos nos aprofundando em um processo que traz duas faces: de um lado a criminalização da política, de outro a busca, ainda tateante, de uma nova política. Parte da juventude que foi às ruas em 2013, especialmente os grupos que iniciaram as Jornadas em Porto Alegre, São Paulo e depois outras capitais, representa a insatisfação com a democracia representativa e a velha política dos partidos, devem somar-se a esses jovens os secundaristas que ativamente se mobilizaram ao longo de 2015 e 2016. Nota-se nesta turma toda uma grande paixão política, uma vontade de construir uma ação política com P maiúsculo, mas que ainda não encontrou sua forma mais estável. Foi ao ver tais jovens em ação que fiquei feliz nos primeiros lances de 2013.
Por outro lado, no rastro aberto pelo início das Jornadas vieram as consequências de uma velha política que se disfarça no Brasil, mas que não tem nada de nova (a Revolução de 30 foi uma insurgência contra a “democracia” da República Velha, o discurso da política corrupta e generalizada favoreceu os militares, vistos como não políticos, e foi a ruína de Getúlio, Jango, JK e agora Lula): a construção da imagem de que a democracia é um engodo, de que políticos são dinossauros corruptos, que política, direito e moral devem todos ser a mesma coisa, e que a melhor leitura disto é o modelo de indivíduo atomizado e isolado, assim cada qual que se responsabilize pela própria desgraça. Tal imagem social é aprofundada entre nós pela forte investida religiosa fundamentalista no campo público.
Vejam que além do alto número de votos nulos/brancos/abstenções verificou-se uma grande dificuldade de as situações se manterem (o que atingiu o PT mas também o próprio PMDB). João Dória em Sampa foi eleito sob a aparência de não ser um político, o mesmo aconteceu com Sartori no RS (“meu partido é o Rio Grande”).
Vejo que se prepara cada vez mais no Brasil o terreno para uma Berlusconização do país. Alguém que não seja da política tradicional, que represente para a grande parcela da população, teleguiada pela mídia hegemônica, um salvador da pátria. Ontem foram os militares, hoje podem ser os juízes. Não me admiraria se alguém como Moro ou Joaquim Barbosa for eleito Presidente do Brasil em 2018.
Para as esquerdas, o desafio é duplo. De um lado, deve resistir ao processo de criminalização da política e dos retrocessos sociais que podem vir daí, dos quais o pior, sem sombra de dúvida, é a descrença das pessoas em qualquer trabalho coletivo, comunitário e solidário, restando apenas a razão cínica, calculatória, egoísta e predatória, favorecida pela lógica do salve-se quem puder. De outro lado, a esquerda deve se reinventar, para além da dinâmica partidária, deve novamente ressurgir das bases, dar lugar para as novas gerações e suas novas gramáticas, saber dialogar com essas novas forças emancipatórias, não estabilizadas ou institucionalizadas. A nova unidade de esquerda deve vir desse processo das bases. Dificilmente virá de conciliações quase impossíveis entre os braços partidarizados da esquerda brasileira, mas deve passar também por aí. Este é o verdadeiro trabalho de reconstrução das esquerdas, que no Brasil devem sim trabalhar com o imponderável de 2018, mas sem deixar que este front paralise todo o resto, pois, sinceramente, penso que o “resto” é o que mais importa agora para a retomada de um projeto inclusivo, plural e democrático para o Brasil.

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