As 62 entidades que defendem uma consulta popular sobre a revitalização do Cais Mauá estão reavaliando a posição diante do projeto Embarcadero, a primeira intervenção que se viabiliza na área de 181 hectares em estado de abandono desde que cessaram as atividades portuárias, há quase 30 anos.
Há um consenso na crítica aos seguintes pontos:
* A leniência jurídica que permite a concessão de uma área pública tombada à exploração comercial privada, sem licitação, por força de lobbys;
* A construção de estruturas metálicas (não containers como se tem erroneamente divulgado) em área tombada;
* O mau gosto estético de erguer uma tarja preta entre os armazéns e o rio;
* A extrapolação dos objetivos originais do contrato com o acréscimo de lojas de varejo, entre outros indícios de irregularidades apontadas pelo Ministério Público de Contas;
* Contrato temporário com prazo (4 anos) insuficiente para retorno do investimento, o que implicará obrigatoriamente na sua prorrogação.
“É a maior gambiarra jurídica e arquitetônica de que se tem notícia nesses pagos, sem licitação ou projeto consistente”, escreveu o presidente da Associação dos Amigos do Cais Mauá (Amacais), professor Francisco Marschall, em artigo na Zero Hora.
Por outro lado, consumado o fato, todos reconhecem que o projeto sinaliza um caminho que não contrasta, em princípio, com os objetivos do movimento.
Marschall disse ao JÁ que a revitalização do Cais sem megaprojetos, como o shopping e as torres de comércio e serviços, que constavam do projeto anterior, é um princípio central do movimento.
– Faço questão de dizer que esse projeto do Embarcadero é um horror, uma péssima solução, mas ele prova que para restabelecer a relação da população com o rio não precisa de obras grandiosas”, disse Marschall.
O arquiteto Cristiano Kunze, militante da Amacais, acredita que a população vai amar o Embarcadero, mas ressalva:
“O lugar é lindo, diante do rio, não tem como dar errado, mas também não tem como negar que está irregular. Não tem cara de provisório, são estruturas metálicas, em módulos, como é moda, mas não é container, são construções em cima do recuo frontal dos armazéns, área tombada, onde não pode construir nada”.

Tiago Holzmann da Silva, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS), que congrega onze mil arquitetos no Rio Grande do Sul, conclui que a solução do Embarcadero, irregularidades à parte, prova que os “caranguejos” ganharam:
– Não precisa shopping, nem torres de cristal. Naquele lugar, recuperado o espaço e aberto ao público, não tem como dar errado.
Holzmann adverte, no entanto, que há irregularidade nas instalações do Embarcadero.
– A área é tombada, nada pode ser construído em cima do calçamento. Ali, não são containers, são estruturas de ferro, eles argumentam que a construção é temporária, mas não pode.
As manifestações de diversas lideranças ouvidas pelo JÁ indicam que o foco do movimento se concentra no projeto de modelagem que vai definir as regras de ocupação dos quase 90% do território do Cais Mauá. É o espaço mais valioso e simbólico de Porto Alegre, atualmente em situação de abandono.
A estratégia do movimento volta-se, agora, para conseguir uma consulta popular, mais ampla que as audiências públicas previstas, e antes do fato consumado da “modelagem”, definida pelo consórcio selecionado pelo BNDES.