Cleber Dioni Tentardini e Tiago Baltz
O serpentário do Museu de Ciências Naturais, uma das principais atrações para o público visitante do Jardim Botânico de Porto Alegre, está fechado há mais de seis meses e não há previsão de reabrir.
Também foi suspenso o envio de veneno das serpentes ao Instituto Vital Brazil, no Rio de Janeiro, porque a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (FZB/RS) não renovou o convênio com o laboratório carioca, o que pode comprometer a produção de soro antiofídico para o Ministério da Saúde, que redistribui aos hospitais do Estado.
O serpentário integra o Núcleo Regional de Ofiologia de Porto Alegre (NOPA/MCN-FZB) e está com a visitação suspensa desde 18 de janeiro deste ano, após uma tentativa de arrombamento, até agora não esclarecida.
Segundo o coordenador de Educação Ambiental da FZB/RS, Sérgio Bavaresco, a área com capacidade para abrigar 15 serpentes vivas não oferece segurança aos visitantes e aos animais. “Só reabrirá depois da implantação de um sistema de segurança, com câmeras de vigilância e alarmes”, disse.
No lugar das serpentes usualmente à mostra, há somente os abrigos vazios.
Não está sendo permitida a exposição das serpentes nem na Ciência na Praça, evento realizado periodicamente para divulgar o trabalho de pesquisa no Museu e popularizar o conhecimento científico. O próximo está marcado para este domingo, dia 6, das 10h às 16h, no estacionamento do Jardim Botânico.
Em janeiro, foi danificada uma das portas do serpentário. Foi arrombada a porta mas as grades de ferro impediram a entrada, então foram jogadas pedras contra o abrigo das serpentes, que não foram atingidas. A vigilância armada, de uma empresa terceirizada, nada viu.
O local permanece fechado desde então, e sequer foi limpo. Nem a porta danificada foi trocada. E o pior, não há previsão no orçamento para a reforma e colocação do sistema de segurança.
Abastecimento comprometido
A interdição do serpentário é apenas um dos problemas do NOPA. Com o convênio entre a FZB e o Instituto Vital Brazil vencido desde o início do ano, está suspenso o envio de veneno das serpentes nativas gaúchas ao laboratório carioca, que produz o soro antiofídico para o Ministério da Saúde e este redistribui aos hospitais do Estado.
A parceria entre FZB e IVB foi firmada em setembro de 2009 e previa, além da remessa de peçonha, um acordo de cooperação técnico-científica permitindo o intercâmbio entre técnicos, bolsistas e pesquisadores das duas instituições.
A reportagem tentou contato com o presidente da FZB/RS, mas sua assessoria informou que só poderia conversar com a reportagem do jornal JÁ na próxima segunda-feira.
Sem previsão de o convênio ser retomado, o abastecimento de soro pode estar comprometido. Hoje, a peçonha recolhida é guardada em geladeiras. A remessa do material ocorria de duas a três vezes por ano, de acordo com a demanda do Vital Brazil.
“Os venenos das cobras mudam de acordo com a espécie e região de incidência. Aqui no RS tem cascavéis com uma concentração maior da substância chamada Crotamina. Essa toxina é um diferencial para produção de soro mais eficaz”, lembra o biólogo Roberto Oliveira.
O NOPA é o único serpentário do Estado capacitado para realizar extração de peçonha. A Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMA) já cogitou a transferência do acervo vivo para o Vital Brazil. Mas o processo travou por falta de recursos da instituição carioca, que é vinculada ao governo do Rio de Janeiro.
Também, uma decisão judicial impede hoje que a Zoobotânica se desfaça do seu patrimônio e impeça ou prejudique de alguma forma o trabalho dos pesquisadores.
O Museu de Ciências Naturais da FZB mantém desde 1988 o serpentário científico onde são criadas mais de 350 serpentes. Por mês, as cobras consomem mais de mil ratos – a maioria provém de doações, de universidades como PUCRS e UFRGS.
A peçonha é utilizada na produção de soro antiofídico e em diversas pesquisas. São estudadas substâncias ativas nos venenos de serpentes e sua utilização na indústria farmacêutica. Princípios isolados do veneno já têm sido utilizados, por exemplo, na fabricação de remédios reguladores de pressão e em colas biológicas. Estudos têm indicado a possibilidade de sua utilização em remédios para o combate a alguns tipos de câncer e para problemas de coagulação.
No acervo, há espécies que ocorrem somente no Rio Grande do Sul como a Jararaca-pintada Bothrops pubescens, e outras raras, como a coral pampeana.
A bióloga Acácia Winter, tratadora de animais silvestres do NOPA, alerta que a população pode receber um soro ineficiente para o tratamento dos acidentes que ocorrem em solo gaúcho. “Mesmo que o plantel inteiro seja enviado para outra instituição, em alguns anos esse plantel se perderá sem animais novos oriundos da região, o que torna o soro ineficiente a médio e longo prazos. Por esse e outros motivos nosso plantel possui valor médico incomensurável e não pode ser abandonado”, ressalta.
Serpentário fechado e sem convênio ameaça produção de soro antiofídico

Uma das principais atrações no Jardim Botânico está fechada há mais de seis meses/Fotos Cleber Dioni / Jornal JÁ