Nota de repúdio à intolerância e violência nas eleições de Porto Alegre

O Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito vem a público manifestar seu veemente repúdio ao clima de intolerância e violência verificado neste período de eleições para a Prefeitura de Porto Alegre.
No dia 17 de outubro, Plínio Zalewski, coordenador do programa da campanha do candidato Sebastião Melo, do PMDB, foi encontrado morto. Sem que tenha sido elucidada até o momento a causa de sua morte, manifestações públicas de pessoas que com ele conviveram registram o alto grau de tensão em que se encontrava o coordenador.
Segundo estas manifestações, Plínio Zalewski viveu um clima de perseguição, com a invasão de seu Facebook, difamações feitas por integrantes do Movimento Brasil Livre/MBL e ameaças que foram, inclusive, denunciadas em ocorrência policial, além dos três processos judiciais movidos contra ele pelo candidato Nelson Marchezan Jr, do PSDB.
Hoje, dia 25 de outubro, a deputada Juliana Brizola, do PDT, candidata a vice-prefeita na chapa de Sebastião Melo, registrou boletim de ocorrência, em função dos agressivos ataques verbais sofridos na Esquina Democrática, por parte de ativistas que a candidata afirma pertencerem ao mesmo grupo que difamou Plínio Zalewski.
Além das agressões a pessoas, foram denunciados, durante a campanha eleitoral, um ataque com tiros ao comitê do candidato Nelson Marchezan Jr e uma invasão de integrantes da equipe de Marchezan Jr. à sede do PMDB.
A escalada de agressões e violência vivida na campanha à Prefeitura de Porto Alegre expressa o clima de truculência de tipo fascista que vem crescendo no Brasil e do qual têm sido vítimas lideranças políticas, intelectuais, artistas, estudantes e outros cidadãos participantes de movimentos reivindicatórios no país.
A memória histórica não permite que nos calemos frente à possibilidade de crescimento de forças e regimes fascistas em nosso estado e no Brasil. Por isto conclamamos todos os democratas a expressarem seu repúdio às atitudes e movimentos com características de cunho fascista e a se unirem em torno da defesa da democracia e dos valores da convivência pacífica e civilizada.
Porto Alegre, 25 de outubro de 2016
Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito
 

Sobre hegemonia e a derrota ideológica da ex-esquerda no Brasil

Bruno Lima Rocha – Professor de ciência política e de relações internacionais
Introdução
Ainda estamos de ressaca com o golpe branco recebido pela centro-esquerda. Reforço a dimensão da ressaca, pois além da mudança de regime à fórceps, insisto que o partido de governo (PT) abandonou – ao menos parcialmente – o parâmetro de comportamento e pretensão de operadores políticos que não eram reprodutores das piores práticas oligárquicas no Brasil. Centro-esquerda é a caracterização apropriada também porque ao abandonar o conflito social como forma primeira de obter conquistas coletivas, a coalizão do lulismo – com o PT à frente – fez tudo o que afirmou que jamais faria quando se constituiu como ampla força reformista parcialmente radicalizada no final dos anos ’70. Seguindo esta lógica, a crítica dos antigos partidos stalinistas seria correta em 1980. Se fosse para reproduzir o comportamento politico como se portara trinta anos depois, não haveria nem razão à época para fundar o PT. Bastaria para os veteranos militantes se juntarem ao MDB (como o faziam de forma clandestina, mas tolerada, o antigo PCB e o PC do B) e aos então ainda autênticos sindicalistas, compor a frente entre stalinistas e pelegos, respaldando o sistema federativo com Joaquinzão, Magri, Medeiros e outros pelegos históricos.
O inverso se dera no período da Abertura política (justificando a escolha pela fundação do PT) e após o golpe parlamentar (afirmando as razões para as críticas aqui contidas), caminhando a liderança histórica para a tenebrosa pinguela da saga orwelliana: “quatro patas ruim duas patas bom”. Nada disso é novidade e este caminho que hoje parece inexorável, começou a ser traçado em 2003, aprofundou em 2005 e mergulhou de cabeça na aliança política traçada pela direção petista ao final de 2010. Acreditavam os dirigentes históricos que bastaria se comportar como os “aliados” oligárquicos e fortalecer os laços políticos e empresariais, acomodando forças e distribuindo cargos e prebendas, a exemplo da quase totalidade dos gestores do Estado brasileiro. Deu tudo errado e ao contrário. Levanto aqui uma hipótese para esta tragédia. Começo pela equivocada e superficial concepção de “hegemonia”. Talvez este seja o conceito mais polissêmico e tautológico de toda a tradição contemporânea da esquerda. Quase todas as forças e formuladores o evocam, quase ninguém o pratica com profundidade.
Engana-se quem imagina o debate sobre hegemonia restrito a ocupação de postos-chave por aliados ou correligionários. Como as instituições são muito mais fortes do que a conduta da maioria dos indivíduos, logo, um debate de hegemonia de longo prazo teria de, necessariamente, visar democratizar os órgãos de Estado (em três níveis de governo e distintos regimes jurídicos) que atendam função pública. E, simultaneamente, quebrar a espinha dorsal das instituições de Estado que operam o entulho autoritário ou são garantidoras de ordem e privilégio (como as forças policiais ou mesmo órgãos “independentes”).
Ao invés disso, a centro-esquerda entra com as duas patas no Poder Executivo e reproduz as piores práticas oligárquicas de sempre. Logo, a distribuição de certa melhoria material não veio acompanhada de elementos ideológicos de contestação, mas sim de reforço dos valores vigentes. Eis uma hipótese para a brecha que corroeu o apoio da ex-presidenta e, diante do desafio estratégico, seu partido opta em 2013 a seguir na aliança oligárquica ao invés de romper primeiro, apostando na reforma política com elementos de democracia direta.
O desmonte do Estado Social de Direito e a incapacidade de reação imediata
A brecha aumentou até entrar em metástase da nova direita (daí o viralatismo em sua versão coxinha e cibernético) e corroer a legitimidade do segundo governo Dilma Rousseff. Da corrosão ao cerco sobre o governo reeleito e a consumação do golpe institucional foram passos lentos e seguros, dados pelos conspiradores, e com o aval e supervisão do Departamento de Estado do Império.
A corrosão sobre e da centro-esquerda conseguiu colocar em prática no Brasil o discurso da necessidade do austericídio e a contenção de gastos públicos. Esta agenda macabra está em andamento com a aprovação da PEC 241 em primeiro turno na segunda dia 10 de outubro e por maioria absoluta de 366 votos de deputados “convencidos” pelo governo Temer e 111 contrários, totalizando votos de centro-esquerda e do reformismo (legitimo) do PSOL. Esta votação é uma parte do rolo compressor por vir e, o momento do país é realmente grave. A urgência é tamanha que não cabe em um debate trivial e ultrapassa a dimensão tática das agrupações e as forças políticas na agenda eleitoral da subdemocracia, além do dia a dia da disputa de entidades esvaziadas ou conflito por migalhas de poder entre correntes político-sindicais ou estudantis. O problema é estrutural e é preciso compreender a etapa.
Estamos em um momento de desmonte do Estado Social de Direito, o que efetivamente implica em retirar direitos através de um já conhecido pacote de leis regressivas. A dimensão substantiva do golpe é visível, e mesmo quando corretamente é lembrado o fato de que a agenda regressiva já estava em andamento no segundo governo de Dilma Rousseff, a celeridade do andamento das pautas e o descaramento dessa montagem de maioria dá a entender que o governo golpista vai aprovar tudo o que quiser ou puder. Logo, reforçar a etapa de resistência, para que os direitos não regridam e seja possível garantir os direitos sociais conquistados a partir de 1988, ou antes com a regulação do mundo do trabalho, é algo consensual.
Mas, a etapa de resistência também implica em construir outro projeto popular, ultrapassando o pacto de classes e a ilusão de ocupar parcelas do Poder Executivo do Estado Burguês e Pós-Colonial sem ter condições de organizar um contragolpe ou avançar além da coalizão espúria com as oligarquias nefastas. Se não adentrarmos neste debate, fazendo uma profunda crítica e exigindo a correspondente autocrítica de quem ainda tem perfil e compromisso militante mas mantém os vínculos com o modelo anterior, simplesmente a possibilidade de gerar uma falsa hegemonia de centro-esquerda conciliatória é muito grande.
Etapa de Resistência e Crítica por Esquerda ao Lulismo: dois passos fundamentais e concomitantes para reconstruir uma dinâmica social de luta popular e protagonismo de quem mais precisa e está lutando para sobreviver.
Resistência contra o golpe e crítica por esquerda ao lulismo
Para realizar a segunda parte do que foi aqui predicado, é necessário realmente aprofundar no debate e superar a superficialidade de uma política marcada pelo senso comum. Uma visão equivocada de hegemonia e guerra de posições é quando uma força política de centro-esquerda – ou seja, um partido que abdica de priorizar a luta e o antagonismo de classe – se contenta em ser coadministradora do Estado Capitalista ao invés de criar anteparos para que os estamentos tecnocráticos consigam impor suas vontades. Ao confundir a indicação para postos-chave com a redefinição do aparelho de Estado pós-colonial, a centro-esquerda se torna ainda mais estatista, e como tal confunde – ou esquece – o interesse da maioria com a simples defesa do Estado pós-colonial tal como ele é ou está.
O Estado Latino-Americano, como um todo, é tanto pós-Colonial (portanto, racista e anti-ecológico) como Burguês (operando como defesa última do status quo). Entre o nacionalismo popular e a defesa de interesses de classe dominante, as elites dirigentes do Estado majoritariamente optam pela segunda, em detrimento da projeção de poder deste país, mesmo que tenha de cortar na própria carne, como na Operação Lava Jato a partir da Operação Pontes, bem debaixo do nariz da ABIN e dos sistemas de inteligência das Forças Armadas.
As escolhas do lulismo sempre foram no sentido da acomodação de forças e coalizão de classes, confundindo a guerra de posição com a disputa pela ocupação de postos-chave e as grandes linhas de política econômica, como na Nova Matriz de Guido Mantega. Ao fazer uma inflexão maior do modelo, durante o primeiro mandato de Dilma, o lulismo esticou a corda ao máximo, sem contar com um plano B, e abrindo da rebeldia popular de 2013, ao criminalizar esta luta e se posicionar ao lado de indefensáveis e indecentes aliados circunstanciais oligárquicos, tendo como pior exemplo o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral Filho (PMDB, mas ele próprio tendo cinco mandatos legislativos pelo PSDB do Rio). No Rio Grande do Sul, o ex-governador Tarso Genro viveu seu pesadelo Spartaquista, quando optou pela repressão política contra a esquerda a contrapor interesses da oligarquia local, com a RBS à frente.
2013 foi o ano da virada; ao não acompanhar a inflexão à esquerda da rebelião popular por mais direitos, o primeiro governo Dilma corroeu sua própria legitimidade, enterrada definitivamente nos primeiros meses do segundo mandato. Com a corda esticada e a Lava Jato em pleno andamento, a hegemonia superficial do PT e do lulismo só se verifica sobre a esquerda restante (incluindo a Frente Brasil sem Medo, o PSOL, a Coordenação Anarquista, as forças de orientação maoístas), isolando a luta social da luta ideológica. A hegemonia superficial mostrou-se falsa e a guerra de posições com maioria de mercenários provou-se frágil quando o modelo econômico comodificado começa a ruir.
Conclusão: um movimento em dois tempos
A meta substantiva do golpe já dado, agora está em marcha acelerada, embora sua versão embrionária já existia no fatídico e trágico ano de 2015, com Eduardo Cunha manobrando à vontade na Câmara dos Deputados. Agora a etapa exige resistência, mas reforçando a necessidade de fazer a crítica da superação ao lulismo e a falsa ideia de hegemonia superficial.
(blimarocha@gmail.com para E-mail e Facebook)

Ex-secretário de Urbanismo convoca apoiadores do Cais Mauá para debate

Naira Hofmeister
Uma reunião convocada por conselheiros do Plano Diretor para debater com a comunidade da área central de Porto Alegre o projeto de revitalização do Cais Mauá será palco de novo enfrentamento entre defensores de visões opostas para a área.
De um lado, o coletivo A Cidade que Queremos e os grupos Cais Mauá de Todos e Ocupa Cais Mauá, que defendem que a revitalização deve ter como modelo a ampliação do espaço público, com a área voltada ao lazer e à contemplação.
De outro, os militantes que concordam com o argumento de que é preciso construir torres comerciais, shopping center e estacionamento para dar viabilidade econômica à obra. Esse grupo está sendo convocado pelo ex-secretário de Urbanismo de Porto Alegre e vereador reeleito pelo PMDB, Valter Nagesltein, que postou mensagens nas redes sociais chamando os apoiadores para a reunião.
“Esta é a última etapa do processo de aprovação, daí a importância da presença de quem é a favor!”, comentou no facebook.
Nagelstein é também presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Cais Mauá. Como secretário de Urbanismo pressionou para que a prefeitura acatasse algumas alterações no projeto que iam ao encontro do que defendia a militância contrária ao modelo estacionamento-shopping- espigões previsto para o local. Mas nunca escondeu seu posicionamento favorável à revitalização.
Em sua postagem, o vereador argumentou que “não existe outra maneira” de revitalizar a área, que é tombada como patrimônio histórico e artístico da União e do município e que “o acesso ao espaço sempre será público e livre”.
Curioso que, embora em posições opostas no debate sobre o Cais, o slogan do vereador desde a campanha eleitoral seja o mesmo utilizado pelos grupos contrários ao modelo proposto pelo empreendedor: “a cidade que queremos”.
Entre seus seguidores, muitos confirmaram presença e houve até menção à participação da Banda Loka Liberal, o grupo que liderou as manifestações pela deposição da ex-presidente Dilma Rousseff com sátiras musicais sobre a política.
A reunião acontece no plenarinho da Câmara de Vereadores a partir das 19:00.
Conselheiro do TCE rejeita suspensão imediata do licenciamento
O debate ocorre no momento em que o Tribunal de Contas do Estado decidiu prorrogar mais uma vez o prazo para a conclusão de inspeção especial no Cais Mauá que investiga o contrato de revitalização.
A inspeção iniciou em fevereiro de 2013 e já foi prorrogada diversas vezes em razão dos esclarecimentos que ainda faltam.
O conselheiro relator do processo, Alexandre Postal, negou a medida cautelar solicitada pelo procurador do Ministério Público de Contas (MPC), Geraldo Da Camino, que havia pedido a suspensão do licenciamento para obras na área enquanto o consórcio não comprovasse condições de realizar o investimento, orçado em cerca de R$ 500 milhões.
Entretanto, pediu esclarecimentos aos cinco gestores públicos que respondem pelo contrato, no caso, os superintendentes da SPH desde o governo Yeda Crusius.
A capacidade financeira do consórcio Cais Mauá do Brasil S.A foi posta em xeque depois que vários prestadores de serviço deram início a cobranças judiciais de dívidas não saldadas no prazo estipulado. A informação foi revelada por exclusividade pelo Jornal JÁ.
O argumento do MPC é que o consórcio não cumpriu com uma clásula contratual que exigia a contratação de um financiamento que garantisse os aportes à obra; o entendimento de um Grupo de Trabalho comandado pelo Governo do Estado, entretanto, é de que tal cláusula era facultativa e não obrigava a contratação.
Na reunião do Conselho do Plano Diretor da semana passada, onde o processo de licenciamento das obras no Cais tramita atualmente – é uma das últimas instâncias antes da emissão das licenças – o secretário do gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais da prefeitura, Edemar Tutikian, defendeu que o consórcio só poderia captar recursos no mercado para investir na obra após o licenciamento ser concluído.

Mauro Santayana: O Brasil e o perigoso jogo da História

MAURO SANTAYANA
RBA – (Versão estendida, sem redução para versão impressa) – Embora muita gente não o veja assim, o afastamento definitivo de Dilma Roussef da Presidência da República, em votação do Senado, por 61 a 20 votos,      no  final de agosto, é apenas mais uma etapa de um processo e de um embate muito mais sofisticado e complexo, em que está em jogo o controle do país nos próximos anos.
Desde que chegou ao poder, em 2003, o PT conseguiu a extraordinária proeza de fazer tudo errado, fazendo, ao mesmo tempo, paradoxalmente, quase tudo certo.
Livrou o país da dependência externa, pagando a dívida com o FMI, e acumulando 370 bilhões de dólares em reservas internacionais, que transformaram nosso país, de uma nação que passava o penico quando por aqui chegavam missões do Fundo Monetário Internacional, no que é, hoje – procurem por  mayor treasuries holders no Google – o quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos.
E o fez, ao contrário do que dizem críticos mendazes, sem aumentar a dívida pública.
A Bruta, em 2002, era de 80% e hoje não chega a 70%.
A Líquida era, em 2002, de aproximadamente 60% e hoje está por volta de 35%.
Mas isso não veio ao caso.
Ajudou a criar milhões de empregos, fez milhões de casas populares, criou o Pronatec, o Ciências Sem Fronteiras e o FIES, fez dezenas de universidades e escolas técnicas federais e promoveu extraordinários avanços sociais.
Mas isso não veio ao caso.
Voltou a produzir e a construir, depois de décadas de estagnação e inatividade,  navios, ferrovias – vide aí a Norte-Sul, que já chegou a Anápolis – gigantescas usinas hidrelétricas (Belo Monte é a terceira maior do mundo) plataformas e refinarias de petróleo, mísseis ar-ar e de saturação, tanques, belonaves, submarinos, rifles de assalto, multiplicou o valor do salário mínimo e da renda per capita em dólares.
Mas isso não veio ao caso.
Porque o Partido dos Trabalhadores foi extraordinariamente incompetente em explicar, para a opinião pública, o que fez ou o que estava fazendo.
Se tinha um projeto para o país, e que medidas  faziam, coordenadamente, na economia, nas relações exteriores, na infraestrutura e na defesa, parte desse projeto.
Em vez de “bandeiras” nacionais, como a do fortalecimento do país no embate geopolítico com outras nações, que poderiam ter “amarrado” e explicado a criação do BRICS, os investimentos da Petrobras no pré-sal, a política para a África e a América Latina do BNDES, o rearmamento das Forças Armadas, os investimentos em educação e cultura, em um mesmo discurso, o PT limitou-se a investir em conceitos superficiais e taticamente frágeis, como, indiretamente, o do mero  crescimento econômico, fachada para as obras do PAC.
Na comunicação, o PT confiou mais na empatia do que na informação.
Mais na intuição, do que no planejamento.
Chamou, para estabelecer sua linha de comunicação, “marqueteiros” sem nenhuma afinidade com as causas defendidas pelo partido, e sem maior motivação do que a de acumular fortunas, que se dedicaram a produzir mensagens açucaradas, estabelecidas segundo uma estratégia eventual,  superficial, voltadas não para um esforço permanente de fortalecimento institucional da legenda e de seu suposto projeto de nação, mas apenas para alcançar  resultados eleitorais sazonais.
O Partido dos Trabalhadores teve mais de uma década para explicar, didaticamente, à população, as vantagens da Democracia, seus defeitos e qualidades, e sua relação de custo-benefício para os povos e as nações.
Não o fez.
Teve o mesmo tempo para estabelecer, institucionalmente, uma linha de comunicação, que explicasse, primeiro, a que tinha vindo, e os avanços e conquistas que estava obtendo para o país.
Como, por exemplo, a multiplicação do PIB em mais de quatro vezes, em dólar, desde o governo FHC – trágicos oito anos em que, segundo o Banco Mundial, o PIB e a renda per capita em dólares andaram para trás – que foram simplesmente ignorados.
Poderia ter divulgado, também, os 79 bilhões de dólares de Investimento Estrangeiro Direto dos últimos 12 meses, ou o aumento do superavit no comércio exterior, ou o fato de o real ter sido a moeda que mais se valorizou este ano no mundo, ou o crescimento da valorização do Bovespa desde o início de 2016, como exemplos de que o diabo não estava tão feio quanto parecia.
Mas também não o fez.
Sequer em seu discurso de defesa ao Senado – que deveria ter sido usado também para fazer uma análise do legado do PT para o país – Dilma Roussef tocou nestes números, para negar a situação de descalabro nacional imputada de forma permanente ao Partido dos Trabalhadores pela oposição, os internautas de direita e parte da mídia mais manipuladora e venal.
O PT dividiu-se, também, quando não deveria, e não estabeleceu uma estratégia clara, de longo prazo, que pudesse manter em andamento o projeto – de certa forma intuitivo – que pretendia implementar para o país.
O partido e suas lideranças foram reiteradamente advertidos de que ocorreria no Brasil o que aconteceu no Paraguai com Lugo – a presença aqui da mesma embaixadora norte-americana do golpe paraguaio era claramente indicativa disso.
De nada adiantou.
De que era preciso estabelecer uma defesa competente do governo e de seu projeto de país na internet – cujos principais portais foram desde 2013 praticamente abandonados à direita e à extrema-direita enquanto a esquerda, sem energia para se mobilizar, se recolhia ao monólogo, à vitimização e à lamentação vazia em grupos fechados e páginas do Facebook.
De nada adiantou.
Não se deu combate às excrescências que sobraram do governo Fernando Henrique, justamente no campo da corrupção, com a investigação de uma infinidade de escândalos anteriores, que poderia ter levado à cadeia bandidos antigos como os envolvidos agora, por indicação também de outros partidos, nos problemas da Petrobras.
E erros táticos imperdoáveis – não é possível que personagens como Dilma e Lindbergh continuem defendendo a Operação Lava-Jato, de público, em pleno julgamento do impeachment, quando essa operação parcial e seletiva foi justamente o principal fator na derrubada da Presidente da República.
Sob o mote de um republicanismo “inclusivo”, mas cego, criou-se um vasto ofidário, mostrando, mais uma vez, que o inferno – o próprio, não o dos outros – pode estar cheio de boas intenções.
Desse processo, nasceram uma nova classe média e uma plutocracia egoístas, conservadoras e “meritocráticas”, paridas no bojo da expansão econômica e do “aperfeiçoamento” administrativo, rapidamente entregues, devido à incompetência estratégica à qual nos referimos antes, de mão beijada, para adoção institucional pela direita.
Ampliaram-se a autonomia, o poder e as contratações do Ministério Público e da Polícia Federal, medidas elogiáveis, que poderiam em princípio funcionar muito bem em um país verdadeiramente democrático, mas que, no Brasil da desigualdade e da manipulação midiática, levaram à criação de uma nova casta – majoritariamente conservadora – de funcionários públicos educados em universidades privadas – também ideologicamente alinhadas com a direita – com financiamento do FIES e em cursinhos para concurseiros, que não tem nenhuma visão real do que é o país, a República ou a História, e acham – ao lado de jovens juízes – que devem mandar na Nação no lugar dos “políticos” e do povo que os elege.
Como consequência disso, há, hoje, uma batalha jurídica que está sendo travada, principalmente, no âmbito do Congresso Nacional, voltada para a aprovação de leis fascistas – disfarçadas, como sempre ocorre, historicamente, sob a bandeira da anti-corrupção, que, com a desculpa de combater a impunidade – em um país em que dezenas de milhares de presos, em alguns estados, a maioria deles, se encontra detido em condições animalescas sem julgamento ou acesso a advogado – pretende alterar a legislação e o código penal para restringir o direito à ampla defesa consubstanciado na Constituição, no sentido de se permitir a admissibilidade de provas ilícitas, de se restringir a possibilidade de se recorrer em liberdade, e de conspurcar os sagrados e civilizados princípios de que o ônus da prova cabe a quem está acusando e de que todo ser humano será considerado inocente até que seja efetiva e inequivocamente provada a sua culpa.
Batalha voltada, também, para expandir o poder corporativo dessa mesma plutocracia e seus muitos privilégios.
Enquanto isso, aguerrida, organizada, fartamente financiada por fontes brasileiras e do exterior, a direita – “apolítica”, “apartidiária”, fascista, violenta, hipócrita – deu, desde o início do processo de derrubada do PT do governo, um “show” de mobilização.
Colocou milhões de pessoas nas ruas.
E estabeleceu seu domínio sobre os espaços de comentários dos grandes portais e redes sociais – a imensa maioria das notícias já eram, desde 2013 pelo menos,  contra o governo do PT,  em um verdadeiro massacre midiático promovido pelos grandes órgãos de comunicação privados – estabelecendo uma espécie de discurso único que, embora baseado em premissas e paradigmas absolumente falsos, se impôs como sagrada verdade para boa parte da população.
Entre as principais lições dos últimos anos, vai ficar a de que a História é um perigoso jogo que não permite a presença de amadores.
Enganam-se aqueles que acham que o confronto expõe apenas a direita e a esquerda, ou o PT e o PSDB – que agora se assenhoreou do PMDB e dos partidos do baixo clero.
Muito mais grave é a guerra que se desenha – e que já começou, não se iludam – entre aqueles que atacam a política, os “políticos”, a democracia e o presidencialismo de coalizão – e aqueles que, por conveniência ou idealismo, serão chamados a mobilizar-se para defendê-los daqui até 2018 e além.
O futuro da República e da Nação será definido por esse embate.
E é o conjunto de erros e circunstâncias que vivemos até agora, e o que faremos a partir de agora, que poderá levar, ou não, para o Palácio do Planalto e o Parlamento, um governo fascista e autoritário em 2019.
Os opositores do PT  tiveram com o processo de afastamento de Dilma, iniciado ainda em 2013, à época da Copa do Mundo, uma vitória de Pirro.
A judicialização da política, a ascensão da Antipolítica e de uma plutocracia que acredita, piamente, que não precisa de votos, nem de maior legitimação do que sua condição de concursada para “consertar” o país e punir vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores, Presidentes da República, em defesa de “homens de bem” que desfilam com as cores da bandeira e com uniformes negros de inspiração nazista,  ajudará a sepultar, no lugar de aperfeiçoar, o regime presidencialista anteriormente vigente, e introduzirá um novo elemento, ilegítimo e espúrio, no universo político brasileiro, transformando-se em permanente ameaça para o funcionamento e a essência da Democracia.
Infelizmente, para o país e para a República, a permanência de Dilma no poder tornou-se, devido à irresponsabilidade da mídia e da oposição – vide as pautas bomba do ano passado – ao sucesso da estratégia de fabricação do consentimento levada a cabo pela direita e à incompetência política do Partido dos Trabalhadores – de tal forma insustentável, que, se ela voltasse, caminharíamos para uma situação de confronto em que o fascismo – como ocorreu em 1964, no Brasil, e, mais tarde, no Chile e na Argentina – ficaria – como já está ficando, de fato –  com todas as armas, e a esquerda, com todas as vítimas.
Nações e pessoas precisam aprender que, às vezes, é preciso saber dar um passo para trás para depois tentar avançar de novo.
É preciso resistir, mas com um projeto claro  para o país.
A corajosa defesa do governo Dilma por parte de grandes lideranças  da agricultura e da indústria brasileira, como os senadores Kátia Abreu, ex-Presidente da Confederação Nacional da Agricultura, e Armando Monteiro, ex-Presidente da Confederação Nacional da Indústria, mostram que não é impossível sonhar com uma aliança que una empresários e trabalhadores nacionalistas em torno de um projeto vigoroso e coordenado de desenvolvimento, que possa promover o fortalecimento do país, do ponto de vista econômico, militar e  geopolítico – é preciso preservar e concluir os programas concebidos e iniciados nos últimos anos, como o dos caças Gripen NG BR, o do submarino atômico nacional, o do cargueiro multipropósito KC-390, o dos tanques leves Guarani, o projeto de enriquecimento de urânio da Marinha – e evitar, ao mesmo tempo, a   abjeta entrega de nossas riquezas, como os principais poços do pré-sal, já descobertos, desenvolvidos e produzindo, aos   estrangeiros (até mesmo a estatais estrangeiras, como estão defendendo, em absurda contradição, parte de nossos privatistas de plantão).
A costura de uma aliança que evite a subordinação e o caos e a transformação do  país em uma nação fascista, na prática, em pouco mais de dois anos, deveria ser, daqui pra frente, a primeira missão de todo cidadão brasileiro – ou ao menos daqueles que tenham um mínimo de consciência e de informação – neste país assolado pelo ódio e pela mentira, a hipocrisia e a ignorância.
A divisão da Nação, a crescente radicalização e o isolamento antidemocrático das forças de esquerda – que devem combater esse isolamento também internamente e rapidamente se organizar sob outras legendas e outras condições – a fratura da sociedade nacional; a desqualificação da política e da democracia; só interessam àqueles que pretendem consolidar seu domínio sobre o nosso país, evitando que o Brasil fortaleça sua soberania e a sua sociedade, em todos os aspectos, e que venha a ocupar o lugar que lhe cabe no mundo, como quinta maior nação do planeta em população e território.
É preciso costurar uma ampla aliança nacional, que parta, primeiramente, do centro nacionalista – se não existir, é preciso criar-se um – suprapartidária, politicamente includente, equilibrada e conciliatória, que una militares nacionalistas da reserva – e eles existem, vide o Almirante Othon, por exemplo – empresários como Armando Monteiro e Kátia Abreu, técnicos e engenheiros desenvolvimentistas, grandes empresas de capital majoritariamente nacional e os trabalhadores, começando pelos de grandes estatais como a Petrobras, em torno de um projeto que possa evitar a descaracterização e a destruição da Democracia,  o estupro das liberdades democráticas e dos direitos individuais, o  pandemônio político e institucional e a “fascistização” do país, com a entrega de nossas riquezas e de nosso futuro aos ditames internacionais.
Vamos fazê-lo?

Um balanço crítico e político das Olimpíadas do Rio

Bruno Lima Rocha – Professor de ciência política e de relações internacionais
Terminados os Jogos Olímpicos do Rio em 2016, entendo que é chegado o momento de realizar uma série de balanços e posicionamentos após o grande evento. Para este texto, aporto duas considerações, uma de ordem territorial, observando o ordenamento da mancha urbana, suburbana e favelizada  do Rio de Janeiro e o quanto a realização de eventos similares não modificou a situação de violência policial, abandono de populações inteiras e a prática de racismo institucionalizado, disfarçado de “caos urbano”. Na sequência, faço um debate a respeito do modelo de desenvolvimento do esporte brasileiro visando o desempenho nos Jogos do Rio. A ausência de uma institucionalização do esporte de base sempre foi a mais visível de nossas características, e como tal, infelizmente, continua sendo.
Os Jogos Olímpicos da distopia midiática e o “caos urbano” no Rio 
Vivemos as Olimpíadas no auge de um anticlímax político, econômico e social. É como que ao fim de uma realidade fabricada, despertássemos todos diante do anunciado pesadelo da quebra do pacto de classes. Mais do mesmo, os conglomerados econômico-midiáticos que venderam a ilusão, agora vendem a resiliência, ao invés da realidade. Lembremos.
Quando no longínquo ano de 2007, o Rio de Janeiro sediou os Jogos Panamericanos, o país vivia um ambiente político diferente. O estado fluminense era governado pelo ex-tucano Sérgio Cabral Filho, homem vinculado a grupos empresariais arrivistas no período lulista, como a Delta Engenharia e o Grupo X, de Eike Batista. Como base da aliança de governo de Cabral Filho, a presença do PT local e a pavimentação da aliança com a legenda de Michel Temer. As realizações do Rio vieram acompanhadas do lado mais bárbaro e sinistro do Estado pós-colonial brasileiro. Nos meses anteriores ao Pan, que quebrara recordes de superfaturamento nas obras e contratos emergenciais, o número de mortos pela ação violenta da Polícia Militar ultrapassara os do Iraque em plena guerra civil. Uma parte razoável destes dados macabros à época podem ser conferidos no domínio Rio Body Count 2 (http://riobodycount2.blogspot.com.br/).
Em outubro de 2009, se verificarmos as imagens registradas na 121ª sessão do Comitê Olímpico Internacional, veremos discursos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presença do prefeito Eduardo Paes (o mesmo, já no PMDB), do governador Sérgio Cabral Filho, à época presidente do Banco Central e hoje ministro da Fazenda do governo interino-golpista Henrique Meirelles, e do então ministro do Esporte, Orlando Silva, hoje deputado federal pelo PC do B de São Paulo. Esta representação da aliança entre a centro-esquerda, oligarcas e financistas marcou o segundo mandato de Lula e a eleição da sucessora do ex-sindicalista, em outubro de 2010.
Logo após a primeira eleição de Dilma e Temer, o país assistiu a um espetáculo midiático chamado “A Guerra do Rio”, com as câmaras de TV projetando a ocupação do Complexo do Alemão, iniciando com a fuga de traficantes da Vila Cruzeiro, transmitida ao vivo pelas redes de TV líderes (neste link é possível compreender o momento:  https://www.youtube.com/watch?v=PDPMPesOaQg). O impacto de ver centenas de homens armados de forma ilegal, em plena luz do dia, dá uma impressão de excepcionalidade. Longe disso, pois se trata simplesmente do cotidiano vivido por mais de três milhões de pessoas apenas da Região Metropolitana do Rio. A “exceção” não é o fato, e sim a transmissão.
Com o acionar coordenado de mídia, tecnocratas do mundo jurídico-policial e agências de marketing digital a serviço dos ultra liberais, a frágil aliança de classes entre ex-reformistas, oligarcas, industriais e financistas foi rompida. Junto desta, podem estar indo para o ralo, tanto a diminuta soberania popular, assim como a maioria de nossos direitos trabalhistas e sociais. Eis as Olimpíadas da distopia.
Apesar do bom desempenho, ainda não temos um modelo de desenvolvimento esportivo
Antes de escrever estas linhas e durante a exibição das Olimpíadas, as quais acompanhei com intensidade, revisei meus escritos a respeito do mesmo tema.  A ausência do Estado na promoção do esporte escolar como base para o desenvolvimento olímpico nacional.  Ou seja, buscando incessantemente as estruturas de Estado como garantidoras do direito ao esporte como parte fundamental da cidadania, especialmente como parte do direito à infância e a adolescência. Se formos levar em conta este absurdo e os poucos centros de excelência para o desenvolvimento esportivo brasileiro, veremos que os “resultados” em termos de competição, resultam em verdadeiro “milagre” nacional.
O Brasil fechou sua posição nos Jogos do Rio em 13º – mesmo levando em conta o absurdo que é a contabilidade de ouros coletivos como equivalentes a ouros individuais. À frente do país estão, em ordem decrescente, EUA, Grã Bretanha, China, Rússia (desfalcada do atletismo), Alemanha, Japão, França, Coréia do Sul, Itália, Austrália, Holanda e Hungria. Nas sete posições abaixo do Brasil estão, Espanha, Quênia, Jamaica, Croácia, Cuba, Nova Zelândia e Canadá.  Nas dez posições sequentes estão: Uzbequistão, Cazaquistão, Colômbia, Suíça, Irã, Grécia, Argentina, Dinamarca, Suécia e África do Sul; nas posições de 31ª a 40ª, estão: Ucrânia, Sérvia, Polônia, Coréia do Norte, Bélgica, Tailândia, Eslováquia, Geórgia, Azerbaijão e Bielorússia. Assim, dentre os 40 primeiros países, verificamos sete Estados nacionais sem modelo de desenvolvimento desportivo, sendo estes: Brasil, Quênia, Jamaica, Colômbia, Argentina, África do Sul e Tailândia. Como o que vale para o Comitê Olímpico Internacional (COI) é o número de medalhas de ouro, alguns países, como Jamaica e Quênia, se especializam em determinadas modalidades ou provas específicas de atletismo e a partir desta base modelam seu desempenho. Proporcionalmente em termos de recursos, instalações e número de praticantes de base, o Brasil foi muito bem, dentro das quadras, deixando para o momento posterior a mesma situação de incerteza e desespero fora dos locais de competição.
O mérito para tais resultados vêm das políticas de alto rendimento (incluindo a polêmica dos atletas “militares”, da abnegação de atletas dedicando-se ao profissionalismo e dos raros exemplos de confederações que têm centros de excelência, ligas profissionais e planejamento. Como modelo fechado, neste sentido, temos apenas a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), não sendo à toa a presença do cartola Carlos Arthur Nuzman na Presidência do Comitê Olímpico Brasileiro e que um dos seus dois sucessores na CBV , Ary Graça Filho, ocupe a Presidência da Federação Internacional de Voleibol (FIVB).
Sendo a CBV o modelo para o desenvolvimento de modalidades olímpicas no país, ressaltando que os esportes coletivos têm outra dinâmica dos individuais (como por exemplo, a necessidade de tipos e atributos físicos pré-condicionados para os coletivos), nota-se que o desporto se desenvolve apesar da ausência do Estado como formulador e implantando as políticas necessárias.
O ciclo de qualquer modalidade com ambições olímpicas é difusão, participação e competição (o que na gíria denomina-se no amadorismo ou nas divisões inferiores como “atleta federado”); partindo dos resultados desta última selecionam-se o alto rendimento e daí os programas de incentivo e permanência no desempenho ranqueado internacionalmente. Sem esta base, fazer do esporte brasileiro um direito de todas e todos é  simplesmente uma missão  em vida de treinadores abnegados, como o técnico de boxe da comunidade do Vidigal – zona sul do Rio de Janeiro -, Raff Giglio. De seu projeto, além das centenas de crianças que atendem aos treinamentos ao longo de mais de duas décadas, saiu um medalhista olímpico e outros dois selecionados em 2016. Já o aluguel de seu ginásio, após haver sido despejado, é pago com o mecenato de um ator global! Histórias como estas e absurdos institucionais correspondentes, mais que justificam o choro e a raiva de atletas de alto rendimento e os técnicos de base.
Apontando duas conclusões
Aponto, por fim duas conclusões deste texto. A primeira aponta para a injustiça estrutural da mancha urbana do Rio como um espelho das distorções do país. Cada cidade brasileira e sua correspondente Região Metropolitana; acostumaram a organizar grandes eventos e trabalhar com a possibilidade de atração turística sem com isso modificar a injustiça e a pobreza espacialmente dividida.
Já o modelo do esporte de base, ou pior, a ausência deste, simplesmente exaure as forças dos difusores das modalidades desportivas. Como resultado, além das narrativas típicas do capitalismo, onde se destacam os empenhos e valores individuais de superação, temos mais do mesmo. O Estado opera como modelo de acumulação e também atende, parcialmente, a alguns direitos sociais, todos incompletos. Como o direito ao esporte, infelizmente, trata-se do mesmo abandono e injustiça estrutural.
(www.estrategiaeanaliseblog.com / blimarocha@gmail.com para e-mail e Facebook)
 

Uma brecha no mundo

Marino Boeira
O mundo está muito chato.
Nós o criticamos e ele não dá a mínima importância.
Mas, quem é o mundo?
É o mundo em que vivem aquelas pessoas que, por alguma razão obscura, gostaríamos de influenciar.
Nossos amigos, os brasileiros, os pobres, os oprimidos.
E quem somos nós?
Somos aqueles sujeitos nascidos a partir da segunda metade do século passado.
Somos aquelas pessoas que se dizem intelectuais, porque leram alguns livros.
Somos os que pensam ser de esquerda, só porque costumavam votar no Partidão, quando ele ainda existia e que agora votam no PT.
Somos aqueles que, em algum momento, pensaram que poderiam ajudar a melhorar o mundo para os nossos amigos, para os brasileiros, para os pobres, para os oprimidos.
Quanto fizemos em relação a isso?
Pouco, muito pouco.
Possivelmente, nada.
Talvez, como agora, apenas escrever uma crítica que poucos vão ler.
Queríamos mudar esse mundo, mas sempre o tratamos com um certo desprezo, como se fôssemos os únicos que conhecem a porta de saída.
No mais das vezes, olhamos com indiferença esse mundo em que não queríamos entrar, pois como no inferno de Dante, a condição para entrar é deixar toda a esperança do lado de fora.
Mas desde quando o mundo ficou assim tão chato para o nosso gosto?
Num artigo que escreveu esta semana, Tarso Genro, ao comentar o livro de Schiller, “ A educação estética do homem”, deu uma pista.
O mundo ficou assim porque não soubemos seguir a proposta do filósofo alemão, segundo a qual, a sabedoria e o sentimento – corretamente ajustados para saber contemplar de maneira adequada uma obra de arte – possibilitariam aos seres humanos chegarem a um estado moral que permitiria exercer todas suas virtudes cidadãs.
Vamos pensar um pouco na história do Brasil dentro dessa ótica que Tarso pinçou no livro de Schiller.
Até 1964, vivíamos uma época de intensa agitação cultural que, partindo dos segmentos mais intelectualizados da sociedade brasileira, de alguma forma contaminava toda a população.
Basta fazer um paralelo com os dias de hoje para percebermos a diferença.
Os meios de comunicação e principalmente o teatro e o cinema punham na ordem do dia a discussão sobre o melhor sistema social e político em que deveríamos viver.
A favor do socialismo ou contra, todos (pelo menos pensavam que era assim) tinham espaço para expor suas opiniões.
Hoje as redes sociais, como o facebook, são espaços cativos para toda sorte de banalidades. O que chama a atenção é aquele vídeo da cadela que alimenta sete gatinhos, do “nude” daquele cantor de rock ou aquela frase profundamente idiota, mas na qual muitos enxergam um pensamento profundo, tipo “sempre existirá um amanhã”.
Quem falava de ética e compromisso social era, no passado, Jean Paul Sartre. Hoje é o juiz Sérgio Moro. Um abismo intelectual imenso separa as duas figuras, mas são elas que, ontem e hoje, servem como referências.
Para toda uma geração de brasileiros, a última oportunidade foi dada em 1964. Um divisor, que deixou na esquerda os que não aceitaram o golpe; na direita, os que o aplaudiram, e num imenso espaço no meio, os que, não concordando, preferiram a omissão.
Dilma Rousseff, com todos os erros de sua ação como Presidente, tem uma glória que nunca é demais lembrar: ela tomou em armas contra os estupradores da nossa frágil democracia de então.
Ela fez aquilo que Karl Marx disse uma vez que era a missão dos novos filósofos: não mais explicar o mundo, mas tentar mudá-lo.
Nós, os que agora acham o mundo muito chato, preferimos mudar nossas vidas pessoais, alguns ganhando muito dinheiro, outros apenas sobrevivendo, concentrando nossos esforços e alegrias nas vitórias dos nossos times de futebol.
Os que conseguiram ganhar dinheiro, honestamente ou nem tanto assim, puderam justificar suas omissões com a desculpa que, enquanto foi possível, tentaram fazer sua parte.
Um deles, disse uma vez com certa ironia, quando sua conta bancária começou a crescer: “eu lutei muito pela chegada do comunismo, mas agora que começo a ficar rico, ele pode, já que demorou tanto a chegar, esperar mais um pouco”.
Voltando as conclusões de Tarso sobre sua leitura de Schiller: não é possível construir uma sociedade democrática, tendente à igualdade social, sem conhecimento, sem educação, sem uma cultura que democratize o conhecimento para todas as classes sociais.
Existe outra questão que o texto otimista de Tarso não aborda: como romper a imensa conspiração de silêncio de todos os meios de comunicação sobre qualquer proposta de ruptura da atual “pax americana”?
Ao lado de uma imensa massa de conformados, o que se vê em oposição a uma ordem, injusta socialmente, é o desespero das absurdas ações terroristas sob o ponto de vista coletivo ou a ação deletéria de delinquentes, sob a ótica individual.
Nenhuma das duas gera algum tipo de avanço social. Pelo contrário, aumentam a força dos poderosos de hoje.
Resta o campo da ação política.
Mas um olhar sobre essa área (e estamos voltando ao ponto de partida desse texto), nos mostra que são poucas as possibilidades de mudar este mundo chato em que vivemos.
No caso brasileiro, as opções políticas parecem se restringir hoje ao “Volta Dilma”, para provavelmente repetir todos os seus erros do passado, ou “Fica Temer”, para completar sua obra de entrega das riquezas do Brasil ao capital internacional.
Tarso diz no seu texto que o mais importante é a defesa de uma forma democrática (poder-se-ia dizer uma estética democrática), que inaugure uma nova hegemonia no âmbito das soluções para as crises da democracia representativa: elas devem ser resolvidas, sempre, com mais democracia, não com menos democracia.
Mas, quem quer mais democracia? Não serão Temer e o que Tarso chama com ironia de Confederação de Investigados e Denunciados. Não serão os grandes veículos de comunicação que comungam de uma visão muito peculiar do que chamam de democracia. Não serão os banqueiros, nem os empresários, nem os políticos conservadores.
Como pós 64, será novamente uma pequena minoria.
Acreditar que ela possa mudar a realidade brasileira pode ser uma utopia, mas parece ser a única opção que nos restar para tentar abrir uma brecha nesse mundo chato.

Operação Lava Jato: comunicação mediada e apelação midiática

Bruno Lima Rocha – Professor de Ciência Política e de Relações Internacionais
A Operação Lava Jato é um marco na história brasileira em todos os sentidos. Ao afirmar que é marcante e criva um paradigma, não me refiro a esta operação jurídico-policial como necessariamente positiva. No final das contas, o volume de dúvidas é equivalente ao de certezas. Ficamos na dúvida se a operação criminaliza toda atividade de Estado e nos certificamos que as empreiteiras de sempre são culpadas de novo.
Este marco da Lava Jato também implica na ascensão de uma nova elite do Estado. Definitivamente, vivemos um período de restauração de tipo republicana, com discurso jacobino, práticas liberal-oligárquicas e a representação da “pureza” por parte de magistrados federais, promotores e procuradores, além de delegados da Polícia Federal. Assim, a exibição midiática das punições ao andar de cima, traz consigo a significação dupla: por um lado, e corretamente, dá vazão ao anseio popular do Estado vingador, punindo aos crimes de elites como sente na pele (literalmente) a ação do sistema criminal. Por outro lado, não entra em debate de modelos, e assim, garante a permanência das instituições de Estado tais como são ou estão, sem criticar as formas de funcionamento reais, apenas louvando o empenho dos “jovens procuradores” e setores afins.
A hiperexposição midiática
Desde que foi lançada, a Operação é uma campeã de audiência e recordista nacional em exposição seletiva. Além da hiperexposição por parte dos maiores conglomerados de mídia brasileira (Globo, Abril, Folha e Estadão), vem havendo um esforço por parte do Ministério Público Federal (MPF) a difundir as investigações de forma mediada, com dados já mastigados e compreensão do grande público. No domínio lavajato.mpf.mp.br, qualquer pessoa pode acompanhar o caso e seus desdobramentos. Esta medida – a de mediatizar a ação do Ministério Público Federal, do Judiciário Federal e da própria PF – é uma prática corrente em outros países que combateram a corrupção endêmica entre Estados e conglomerados locais e, junto da delação premiada, está sendo aplicada com maestria pelos líderes deste processo.
Ao tornar públicos dados já “mastigados”, o público leitor e as audiências consolidadas dos grandes conglomerados, podem dedicar-se a absorver de forma seletiva o que já está pronto, resultando em ação viral de tipo segunda tela, postando comentários e observações em escala de milhões de compartilhamentos em redes sociais. A diferença de resultado e significativa. Caso o Wikileaks tivesse a mesma capacidade de produção de dados mediados, “mastigados”, comunicação já mediada, a penetração dos informes e suas consequências societárias seriam infinitamente superiores.
O modus operandi da Lava Jato chama a atenção e indica o nível de protagonismo que pode ter uma camada de profissionais de carreira, tecnocratas e operadores jurídicos, com um aval da “opinião pública” para fazerem justiça. Basicamente, ao polarizar o noticiário, vão ao encontro da sede – correta e legítima – de justiça incluindo algum grau de vingança popular contra o andar de cima. O que assusta não é a punição para as empreiteiras, mas seletividade midiática e o esforço inaugural da Lava Jato, ao contrário de outras operações, no meu entender, ainda mais relevantes, como a Farol da Colina, Macuco, Chacal, Satiagraha, Castelo de Areia e Monte Carlo.
Obviamente que isso não aconteceria dadas às correlações em cada momento que as operações foram lançadas e a confluência da oposição doméstica – a ascensão da nova direita, a dimensão substantiva do golpe e a exposição midiática com requintes de manipulação e ausência de contraponto. Para quem julga que exagero, sugiro que revejam a edição do Jornal Nacional de 16 de março de 2016, já na edição deste link (https://www.youtube.com/watch?v=2hYo7eEnwKU).
No fim do túnel, no ambiente doméstico, está a meta estratégica do inimigo de classe em promover uma legislação regressiva – com ampla retirada de direitos, trabalhistas e sociais. No plano regional (América do Sul e Latina) e no internacional, é notável a associação indireta e subordinada entre os interesses da classe dominante brasileira e o imperialismo contemporâneo. Ao contrário do período da Bipolaridade, hoje o Comando Sul e as agências estadunidenses atuam de forma sutil e muitas vezes oficiosas, tal e como no caso brasileiro recente.
Uma conclusão óbvia
Nada disso teria sido possível caso a relação entre empreiteiras e lulismo não fosse tão promiscua como a que havia nos governos anteriores. Igualmente, caso a Lava Jato não tivesse no oligopólio da comunicação seu apoio permanente, não ocorreria golpe parlamentar com apelido de “impeachment”.
Bruno Lima Rocha é professor de ciência política e de relações internacionais
(estrategiaeanaliseblog.com – blimarocha@gmail.com para E-mail e Facebook)
 

O Eduardo certo no lugar certo

Marília Veronese

Professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNISINOS.

Eu queria mudar radicalmente de tema aqui na coluna. Queria escrever sobre gênero e sexualidade – temas fundamentais hoje, por várias razões -, sobre economia solidária, sobre iniciativas positivas em várias áreas que vejo por aí, falar de cultura e das iniciativas econômicas da periferia, que são muitas e me dão ânimo para continuar vivendo nessa selva de gente enlouquecida e meio perdida que é o planeta Terra. Gente que acha que comprar um monte de bugiganga cara no ‘xópin’ ou ter carrões luxuosos e uma casa suntuosa é o grande objetivo da vida, é sinal que alguém ‘venceu’. Queria escrever sobre a insanidade disso.
Mas a situação em que estamos vivendo hoje simplesmente não me deixa divagar muito cogitando assuntos variados. Acabo de ler, atônita, que Eduardo Suplicy foi preso pela PM fascista de São Paulo! A indignação é tanta que só consigo escrever sobre isso. E ainda bem que ainda consigo escrever, pois não podemos nos deixar paralisar pelo golpe de estado em andamento. A situação toda é tão surreal que é potencialmente paralisante – e isso é parte do problema.
Eduardo Matarazzo Suplicy é um grande cidadão. Um homem honesto, sempre conectado às necessidades do povo brasileiro, sempre presente nas boas lutas. Temos um país governado provisoriamente por um bando de achacadores, fichas-sujas inelegíveis que não têm quadros, têm capangas e cúmplices. Bem o cenário onde gente boa como Suplicy pode terminar presa, mesmo. Pobre Brasil, pobre povo brasileiro. Chegamos ao ápice do absurdo. E os donos da meia tonelada de pasta de cocaína, soltos. Todo repúdio a essa farsa institucional ainda será pouco…
Tá bom, tá bom, tudo isso parece uma reação emocional, mesmo, um desabafo. Confuso e sem análise racional, relacionando fatos que não teriam relação entre si. Mas será que não têm?! Leio nas redes que a prefeitura de Haddad é que pediu a reintegração de posse, postado por quem queria falar mal desse prefeito. Depois leio de defensores que ele tentou impedi-la na justiça, temendo uso da violência, mas não conseguiu e a polícia de Alckmin entrou em ação, investindo contra o povo pobre que luta por moradia, e levando o Eduardo errado pro xilindró. Porque o Eduardo certo a ser encarcerado, o Cunha, ah, esse eles ficam com medinho de prender! Ou não têm interesse em fazê-lo. Então, parece que nessa teia intrincada do nosso presente, tudo tem relação com tudo.
Fazendo uma pausa no texto e nas reflexões já menos emocionais, visito o perfil do Facebook do Suplicy e ouço-o contar o que aconteceu, já tendo sido liberado pela ‘puliça’. Pressentindo a violência iminente da PM sobre as mais de 80 pessoas que estavam resistindo na ocupação de reintegração de posse no Jardim Raposo Tavares, Zona Oeste de São Paulo, interpôs-se entre os dois lados, deitando-se no chão, para evitar que a violência fizesse vítimas. Foi carregado pelos policiais, pois recusou-se a sair de onde estava, pacificamente deitado. Típico gesto ético de desobediência civil visando o bem comum, aos 75 anos de idade! Cada vez o admiro mais, pois é preciso muita coragem para fazer algo assim. No seu perfil na rede social, a posição do ex-senador é declarada sem rodeios: é contra a truculência inaceitável da PM, especialmente da Tropa de Choque, na desocupação de áreas ocupadas. Assim como eu também sou, e quem tem um mínimo de dignidade e compaixão humanas também deveria ser. Essas ocupações urbanas são cheias de crianças e idosos e os adultos que estão lá trabalham, só que mesmo assim não conseguem adquirir ou alugar uma moradia digna para suas famílias. Ao invés de providenciar políticas de moradia decentes, geralmente os governos estaduais lançam as suas polícias militares para cima dos cidadãos reivindicadores.
suplicy-preso
Ao longo do século XX, com a industrialização e a adoção do modelo do agrobusiness, que provocou um violento êxodo rural para as grandes cidades, houve a formação de áreas urbanas irregulares e ilegais. Os governos pouco fizeram, além de considerar “caso de polícia” e retirá-los à força, ou jogá-los em periferias longínquas e sem infraestrutura urbana para que não “incomodassem”. O Minha casa, minha vida é uma política incompleta e possui alguns defeitos, mas é alguma política, e se tivessem sido feitas ações semelhantes (de preferência melhores) ao longo do século passado, teríamos evitado muitos dos problemas que hoje castigam essas gentes que não têm moradia digna para os seus. E que sofrem violências terríveis do Estado que deveria provê-los com condições de adquirirem uma casa. Mas não, faz de tudo para defender os interesses da bilionária especulação imobiliária!
Matérias em diversos veículos de comunicação, tanto hegemônicos como alternativos, deram conta, há alguns anos atrás, da recomendação da ONU sobre o tema do fim da militarização das polícias no Brasil1. Notícias frequentes de assassinatos de pessoas – inclusive crianças – nas favelas cariocas e demais periferias brasileiras motivaram o relatório e nos assombram, embora sejam negligenciadas por boa parte das classes médias e altas brasileiras. “Onde está Amarildo? ” foi a frase mais repetida nas redes sociais em 2013/2014. Ele – ou seu corpo – nunca apareceram. O auxiliar de pedreiro foi confundido com um bandido e torturado até a morte pela PM, em julho de 2013, é o que se concluiu. Quem era mesmo o bandido?! Apesar de parte dos culpados terem sido julgados e condenados em janeiro de 2016, isso só aconteceu devido à intensa pressão popular, nas redes e nas ruas, que não cedeu até ver algo feito a respeito.
Em nome do “combate ao tráfico”, a polícia muitas vezes atira primeiro e pergunta depois. As balas “perdidas” – que as vezes atingem mães trabalhadoras, pretas e pobres, indo na padaria comprar pão para a família2, como Claudia, ou crianças como Jonathan, assassinado pela polícia em Manguinhos3, são parte do cotidiano dos bairros periféricos. Os moradores dessas periferias têm igual medo dos bandidos e dos policiais. “Se é preto e mora na favela, é bandido e tem de levar bala”, parecem pensar PMs e boa parte da população anestesiada (aquela que mora dentro da caverna, como descrevi em texto anterior). “Que hipocrisia, essa PM mata pobre todo dia!”, respondem os moradores das periferias acossadas pela violência, tanto de agentes do tráfico como de agentes policiais. Espero o dia que eles tomarão as ruas do asfalto, exigindo seus direitos. Estarei lá com eles. Eu, o Eduardo certo e tenho certeza que muita gente mais.
Quando noticiam, os jornais geralmente escrevem que houve morte de “traficantes”, e não de “pessoas”, pois pretendem encarnar a ideia de “inimigo interno”, desumanizado, que precisa ser abatido em nome da paz das “pessoas de bem”. A desumanização coloca a todos no mesmo saco e não se pensa que a razão disso tudo é a falida guerra às drogas e uma noção completamente equivocada de segurança pública, calcada nessa ideia de inimigo a ser combatido. No tempo da ditadura era o “subversivo” e agora é o “periférico”, sempre um suspeito. Ah, e não me venham dizer, “mas os policiais também morrem, bandido bom é bandido morto e blá, blá, blá”, pois é óbvio que isso é igualmente trágico, igualmente insano e igualmente injusto. Uma coisa não justifica nem anula a outra. É preciso parar com a mortandade de uma vez por todas. Mas como só pobres da favela e ex-senadores do ‘petê’ parecem ser alvos da ‘puliça’, voltamos à estaca zero.
“Informam agora que o Suplicy já foi solto. Mas o Aecius Aegypti nunca foi preso.” Essa foi publicada hoje pelo meu amigo Moisés Mendes, em seu excelente blogue diariamente alimentado, que tem perfil no Facebook. Nem nunca foi investigada sua ligação com os Perrela, nem com o aeroporto irregular de Cláudio, né, Moisés? Parece que os guardiões da eterna reprodução das desigualdades e injustiças brasileiras não permitem a real busca da justiça no nosso país.
Aliás, a justiça não pune os ricos por aqui. Essa frase já deu título a uma ótima matéria de autoria da repórter Tatiana Merlino4, ganhadora do prêmio Vladimir Herzog em 2009. Merlino narra a história de uma moça pobre e negra, empregada doméstica, com deficiência mental leve, que foi presa por tentar furtar um xampu e um condicionador que somavam 24 reais na época. Sofreu o pão que o diabo amassou na prisão e seu pedido de habeas corpus foi negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Entretanto, mais ou menos no mesmo período, o pedido ingressado pela defesa da dona da grife Daslu, Eliana Tranchesi, condenada por vários crimes contra o erário público, foi acatado em menos de 24 horas. A proprietária da butique de luxo devia aos cofres públicos cerca de 1 bilhão de reais. Era muito rica, justamente por causa de tanta sonegação e picaretagens. A moça presa por dois anos, Maria Aparecida, que ficou cega de um olho na prisão, era uma invisível, era muito pobre. E com os pobres é assim: os lugares, para eles, são mais longe. Assim disse o grande escritor Guimarães Rosa5, e tinha toda a razão. Os lugares e a possibilidade de justiça, para eles, são bem mais longe. Os diretos básicos lhes são negados e a injustiça é seu cotidiano. Para eles, sobra a violência policial, o desinteresse do Mercado e o abandono do Estado.
Eduardo Suplicy é o Eduardo certo. Um herói e um abnegado para estar ao lado deles, aos 75 anos de vida, exercendo sua empatia e compreendendo que eles precisam é de políticas públicas sérias, não de desprezo ou truculência. Esse texto é em sua homenagem – ao Eduardo e aos seus ‘compas’ que reivindicam moradia. E esse senhor ainda tem um excelente senso de humor, pois publicou em sua timeline o link a seguir, imperdível: https://catracalivre.com.br/geral/humor/indicacao/7-momentos-em-que-suplicy-foi-o-assunto-do-dia-em-sua-timeline/, acompanhado do texto: “Na vida precisamos olhar os fatos sempre com olhos positivos, na esperança de que as coisas vão melhor. Nada como ter bom-humor para os acasos da vida. Acho que nesse dia do avô meus netos vão se divertir. ” É mesmo um querido. Parabéns, Eduardo! Você é o cara certo no lugar certo!
1 http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/05/paises-da-onu-recomendam-fim-da-policia-militar-no-brasil.html
2 https://juntos.org.br/2014/03/claudia-e-amarildo-tragedias-anunciadas-na-cidade-maravilhosa/
3 http://www.global.org.br/blog/carta-do-forum-de-manguinhos-de-apoio-aos-familiares-de-jonathan-de-oliveira-lima-e-repudio-a-seu-assassinato/
4 http://www.revistaforum.com.br/rodrigovianna/outras-palavras/por-que-a-justica-nao-pune-os-ricos-por-tatiana-merlino/
5 Em “Sorôco, sua mãe e sua filha”, conto de Guimarães Rosa.

Identidades culturais, democratização da mídia e a onda de golpes: uma pauta de integração

Guilherme Castro é cineasta e jornalista, professor na ULBRA e doutorando em cinema na Universidade Anhembi Morumbi/SP. Presidiu o Conselho Estadual de Cultura e a Associação de Cineastas do RGS (APTC-RS) e dirigiu a programação da TVERS. Participou da fundação do Foro EntreFronteras.
Três países, várias culturas
A travessia é de balsa, no Alto Rio Uruguai. De Porto Mauá, pouco além de Santa Rosa, noroeste gaúcho, chega-se à margem argentina, no porto de Alba Posse. Estamos na Província de Misiones, cuja capital é Posadas. É uma estreita faixa de terra da Argentina, entre o Brasil e o Paraguai. Uma região de cultura guaranítica comum aos povos, mas também de afluência de imigrações diversas, que se estende até Foz do Iguaçu, no Paraná. Já fiz essa viagem outras vezes para mostrar filmes e para a integração do cinema e da política do audiovisual com colegas e amigos dos países vizinhos. A partir da cidade de Oberá, por iniciativa do líder e jovem cineasta Axel Mansu, faz dez anos iniciamos o Foro EntreFronteras1, integrando realizadores e políticas de audiovisual das Províncias do Nordeste da Argentina, do Paraguai e do Rio Grande do Sul, Brasil. O Santa Maria Vídeo e Cinema2 (Luiz Alberto Cassol, parceiro e incentivador desde então) e o Oberá en Cortos3 (dirigido por Axel) foram os centros dessa integração, mas também houve diversas atividades em outras províncias participantes e mesmo em Assunção (Paraguai). Participei diretamente do EntreFronteras entre 2007 e 2011. Em julho de 2016, retorno a convite ao 13º Oberá en Cortos4.

Travessia do Alto Uruguai, entre Porto Mauá e Alba Posse.
Travessia do Alto Uruguai, entre Porto Mauá e Alba Posse

Identidades culturais e democratização da mídia
A integração, e sobretudo a valorização e proteção das identidades culturais dessa região de tríplice nacionalidade ocorrem no âmbito da implantação da Lei dos Meios na Argentina (2009), da criação da TV Pública Paraguay (2011) e também das políticas públicas de cultura e comunicação do Brasil no período.
O tema é político e atual5. O movimento é pela resistência e afirmação das identidades culturais dos povos. Além de reencontrar os companheiros dessa jornada, nessa viagem a Oberá constato avanços concretos no desenvolvimento descentralizado e democrático do audiovisual e da mídia, mas também as consequências do atual contexto político da região. Agora, os golpes de Estado no Paraguai e no Brasil e os retrocessos ultraconservadores também na Argentina transformam o ambiente e atualizam a pauta da integração.
Na Argentina, as medidas de democratização da mídia são mais profundas e até agora também mais estáveis. Já no primeiro Governo Cristina Kirchner, a Lei dos Serviços de Comunicação Audiovisual (dos Meios) foi aprovada no Congresso e convalidada pela Suprema Corte, sob forte pressão popular. Entre os princípios democráticos da regulamentação de 2009 estão a limitação aos oligopólios, o fortalecimento das emissoras comunitárias e a proteção e promoção da cultura e produção regionais e locais. A Lei foi parcialmente implementada.
Nesse contexto presenciamos, no âmbito do EntreFronteras, o surgimento de toda uma cadeia de produção e exibição de conteúdo audiovisual, por produtores locais. Segundo os realizadores Pablo Testoni, de Santa Fé, e Juan Ferreira, de Misiones, houve uma explosão do audiovisual, porque a Lei exige a produção e veiculação de conteúdos locais, mas o processo não se completou. Para eles, o poder econômico segue controlando a mídia. Testoni é da Cooperativa de Produtores Audiovisuais Imagica e da Associação Nacional de Produtores Cooperativados ContAr – Contenidos Argentinos. Ele avalia que houve dois processos: um social e legítimo, da Coalização por uma Radiofusão Democrática (a “massa crítica” que sustenta o embate), e outro econômico, que manteve o controle sobre os meios de comunicação. Explica que os veículos alternativos, mesmo com a Lei, seguiram com pouco alcance ou viabilidade. Se a rádio pequena, afirma como exemplo, não tiver relação com os grandes grupos econômicos, não sobrevive.
Oberá em cortos
Oberá em cortos

Juan Ferreira, da Produtora da Terra e organizador do Festival, aponta que a Lei dos Meios perde a eficácia porque os organismos de fiscalização foram desmontados. Uma das primeiras medidas do Governo Macri foi a dissolução da Autoridad Federal de Servicios de Comunicación Audiovisual (AFSCA). Deste modo, segundo eles, não há mais como verificar a proporcionalidade de conteúdo, nem proteger as culturas e linguagens minoritárias, conforme dita a Lei. Na Argentina, concluem, o retrocesso é via eleições, mas mediante a atuação do poder econômico para impedir a continuidade das mudanças, e agora Macri promove o desmonte da Lei dos Meios.
No Paraguai, também muito próximo a nós por esse território, conforme Sady Barrios, jovem cineasta de Assuncion, pela primeira vez se dava importância e criavam políticas de proteção às culturas locais. Mas em apenas dois dias, em junho de 2012, o golpe parlamentar destituiu o Presidente Fernando Lugo. Barrios integrava a equipe de implantação da recém criada Televisão Pública Paraguay, que durante semanas, apoiada por manifestantes, resistiu ao golpe. Ela enche os olhos de lágrimas ao relembrar que de súbito o sonho foi interrompido.
Em nossos diálogos em Oberá, constatamos que outro traço comum aos atuais golpes políticos é a criminalização dos movimentos sociais. No Paraguai, líderes populares foram os únicos julgados e, há poucos dias, condenados a até 35 anos de prisão pelo polêmico massacre de Curuguaty, o pretexto para a destituição do Presidente.
No Brasil, aonde não temos uma Lei dos Meios, o governo golpista que destitui a Presidenta Dilma tenta de imediato extinguir o Ministério da Cultura e intervém de modo direto e ilegal na Empresa Brasileira de Comunicação (criada em 2007), que opera a TV Brasil e outros veículos. Aqui, o projeto que se destinava a construir e fortalecer a comunicação pública está sendo interrompido e desmontado.
A resistência e o líder luminoso Oberá
A afirmação das identidades culturais é o gesto político de resistência que motiva a promoção e integração do audiovisual da região. Axel Monsu, diretor do Oberá en Cortos e também do Instituto de Artes Audiovisuais de Misiones, enfatiza que “não é tradição, porque é um processo vivo. A todo o momento, desse lugar, acontece o exercício da identidade e da diversidade, e isso define o que sou frente a outra cultura”.
Os golpes no Paraguai e no Brasil se assemelham, mas a agenda de retrocessos na Argentina também é intensa. No que diz respeito a centralidade da pauta da democratização da mídia e da cultura, no Brasil, as iniciativas foram tímidas, e agora sofrem riscos de serem perdidas. Talvez os envolvidos não percebam tanto, e no Brasil nada foi noticiado, mas na Argentina foram dados passos mais importantes para a democratização da mídia.
O tema da integração não é novo, mas está longe de ter amadurecido e ganha atualidade e redobrada importância. Tão próximos na geografia e na cultura, a geopolítica nos afasta e os liames que nos ligam permanecem quase sempre ocultos. Porém, Oberá significa em Guarani ‘o luminoso’, ‘o resplandecente’. É o nome adotado pelo Cacique que liderou a resistência muito singular, através da cultura, à ocupação espanhola da região no Século XVI. A travessia da fronteira, o gesto de afirmação da cultura e de integração abarca muitos sentidos possíveis e pertinentes6, de resistência e construção democráticas.
 
Cacique Oberá
Cacique Oberá

Carta de Oberá
Carta de Oberá

 
1 https://www.facebook.com/ForoEntreFronteras/
2 http://www.smvc.org.br/?secao=quemsomos
3 http://www.oberaencortos.com.ar/
4 A Mostra brasileira do 13º Oberá en Cortos teve Boa Ventura, roteirizado e dirigido por mim, adaptando Porteira Fechada, de Cyro Martins, além dos documentários Edmundo, de Luiz Alberto Cassol, sobre o dramaturgo santa-mariense Edmundo Cardoso, e Mais uma Canção, sobre o universo musical de Bebeto Alves, dirigido por Rene Goya Filho e Alexandre Derlam, três filmes que tratam do tema das fronteiras e culturas regionais.
5 Durante o 13º Oberá en Cortos, entre 12 e 16 de julho, entregamos e lemos carta do Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito esclarecendo as circunstâncias do golpe no Brasil.
6 Durante o 13º Obera en Cortos reunimos mais uma vez o Foro EntreFronteras, que lançou nota sobre novas ações de integração frente ao atual momento político.
A LA COMUNIDAD ARTÍSTICA INTERNACIONAL REUNIDA EN EL 13ER ENCUENTRO INTERNACIONAL DE REALIZADORES OBERÁ EN CORTOS
(de 12 a 16 de julio de 2016)
Les traemos aclaraciones acerca del Golpe de Estado que ocurre en Brasil contra la Presidenta de la República, Dilma Rousseff, ¡que se reeligió democráticamente en octubre de 2014!
1) El recurso de destitución está previsto en la Constitución brasileña. Pero la ley también exige el respeto a un rito procesal (algo que la oposición golpista intentó incumplir en 2015, pero que el Supremo Tribunal Federal -STF– ha impedido) y a la comprobación de la práctica de crimen de responsabilidad por parte del gobernante;
2) Es en este punto que el proceso contra la Presidenta Dilma está totalmente desprovisto de legitimidad, ya que no la acusaron de ningún crimen. Nunca hubo acusaciones y denuncias formales contra Dilma. Ella no responde a ningún tipo de acusación por parte de la Justicia brasileña;
3) A la vez, son numerosas las denuncias de corrupción contra políticos de partidos que objetivan destituir a la Presidenta Dilma, incluso de partidos derrotados en las elecciones de 2014. Entre los políticos que integran el primer escalón del gobierno interino de Michel Temer, varios son acusados de corrupción, hecho que provocó la caída de dos Ministros.
4) Otra información relevante es la de que la pieza de la destitución pide el alejamiento de Dilma de la Presidencia de la República, en razón de prácticas llamadas “pedaladas fiscales”1 y del uso de créditos adicionales, que son meras prácticas contables y administrativas y que jamás han sido juzgadas por el Congreso Nacional brasileño.
Esa es la verdad: Dilma es acusada por algo que aún ni siquiera ha sido juzgado por el Poder Legislativo brasileño (Diputados Federales y Senadores). Entonces, ¿cómo pueden derrocarla por dichas prácticas si estas ni siquiera han sido juzgadas?
Aunque las llamadas “pedaladas fiscales” fueran consideradas crimen de responsabilidad fiscal, y susceptibles a drásticas penas, los peritajes técnicos realizados concluyeron que Dilma Rousseff no tuvo responsabilidad directa por tales medidas contables.
5) Además, dichas prácticas son comunes y rutinarias en nuestro país, y no configuran cualquier tipo de crimen. Otros Presidentes de la República (Fernando Henrique Cardoso, por ejemplo, que es uno de los líderes del movimiento golpista que busca derrocar la presidenta Dilma) también han usado estos expedientes;
6) Además, 16 Gobernadores de estado (como es el caso de Geraldo Alckmin del PSDB, que apoya el Golpe de Estado contra la Presidenta Dilma) han hecho uso de dichas prácticas y nunca han sido acusados o juzgados por ello.
Nadie jamás ha pedido la destitución de estos gobernantes por dichas prácticas, lo han hecho solo para Dilma, lo que configura la práctica de una política de dos pesos y dos medidas;
7) Otra información importante, y sobre la cual los golpistas que desean derrocar a Dilma no comentan: el presidente interino Michel Temer también ha firmado decretos que autorizan dichas “pedaladas fiscales” y el uso de créditos adicionales por parte del gobierno federal. Sin embargo, la oposición golpista no pide su destitución, lo que muestra que no hay seriedad ninguna en ese proceso.
Si se considera que utilizar estos recursos configura crimen de responsabilidad (lo que nunca ha sido y que no es este el caso), ¿por qué, entonces, la oposición golpista no pide la destitución de Michel Temer?
¿Por qué esa oposición golpista desea derrocar solamente a la Presidenta Dilma, si Michel Temer, uno de los líderes de las articulaciones que buscan derrocar la gobernante del país, ha firmado decretos semejantes?
8) Por lo tanto, el actual movimiento político, que se desarrolla en nuestro país y que está liderado por numerosos políticos que responden a acusaciones en la Justicia, es un caso clásico de Golpe de estado, pues intenta derrocar a una gobernante, la Presidenta Dilma, sin el debido respaldo de la Ley.
Como lo ha dicho la Presidenta Dilma: “Si los golpistas no respetan ni siquiera los derechos de la Presidenta de la República, no respetarán los derechos de los ciudadanos comunes”.
9) Hoy, bajo el gobierno interino de Michel Temer, están en proceso de desmantelamiento los avances realizados por los gobiernos del expresidente Lula y de la Presidenta Dilma en lo dice respecto al petróleo, considerado por ellos un recurso fundamental para la emancipación social de los brasileños. Dicho desmantelamiento está directamente relacionado a los intereses estratégicos de EEUU. El protagonismo que Brasil ha alcanzado en la última década, con su política externa de alianza con países de América del Sur, África, Asia y Leste Europeo, es uno de los motivos centrales del golpe en andamiento. Lo que está pasando sigue la misma lógica de otros golpes de estado ocurridos en nuestro continente.
10) Además del desmantelamiento de la política de explotación nacional del petróleo, el gobierno interino está organizando el desmantelamiento de las políticas de valoración del sueldo mínimo y de la protección de los derechos laborales. Además, ya propusieron la reducción de recursos disponibles para las políticas de educación y salud, a través de la limitación constitucional de los recursos financieros que pueden ser utilizados en esas dos áreas.
11) En el área cultural, una de las primeras medidas del gobierno interino fue el intento de extinguir el Ministerio de la Cultura, volviendo a incluirlo en el Ministerio de la Educación, como era en el pasado, cuando aún no se había desarrollado en el país la red de actividades y de profesionales que hoy actúan en dicha área. Tras una gran movilización de artistas e intelectuales en todo el país, incluso con la ocupación de órganos del Gobierno dedicados al desarrollo de la cultura, el gobierno interino retrocedió en su decisión. Sin embargo, actualmente, las políticas de incentivo a la producción de bienes culturales están amenazadas, representando un gran retroceso para la producción cultural brasileña.
12) El ambiente en el que se articulan y crecen las fuerzas favorables a la destitución de la Presidenta Dilma está marcado por una importante intolerancia política y comportamental, con el crecimiento de manifestaciones machistas, homofóbicas y racistas.
13) El golpe en andamiento en Brasil trae graves consecuencias económicas, sociales y culturales para gran parte del pueblo brasileño y representa un enorme riesgo de retroceso en el proceso de construcción de la democracia. Ese no es el camino que buscamos, ni para Brasil, ni para el continente sudamericano. Por ello, les traemos a todos, artísticas e intelectuales presentes en el 13er Encuentro Internacional de realizadores Oberá en Cortos, informaciones sobre lo que está ocurriendo en nuestro país y les rogamos solidaridad en la lucha de resistencia democrática brasileña.
¡GOLPE NUNCA JAMÁS! ¡DEMOCRACIA SIEMPRE!
Firma el Comité en Defensa de la Democracia y del Estado Democrático de Derecho – Brasil
Contáctennos e infórmense más:
E-mail: comitedemocracia@gmail.com
Facebook: https://www.facebook.com/comiteemdefesadademocracia/
Página Já: http://www.jornalja.com.br/comite/
1 Supuesta violación de normas fiscales para maquillar el déficit presupuestal.

Vivendo na caverna de Platão

Marília Veríssimo Veronese –  Professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da UNISINOS.
Acho que todos os leitores e leitoras do Jornal Já conhecem o mito/alegoria da caverna de Platão. Dicotomias platônicas à parte, ele servirá aqui como uma metáfora para a leitura do nosso tempo. Na clássica obra “A República”, o filósofo grego (428 aC. – 347 aC.) descreve uma caverna onde prisioneiros – desde o nascimento – viam apenas sombras projetadas pela luz de uma enorme fogueira, na entrada da caverna. As sombras eram os personagens do seu mundo; eram tudo que eles conheciam e com elas se relacionavam em seu universo simbólico. Um deles, porém, conseguiu escapar da prisão cavernosa e, cego a princípio com tanta luz, acabou com ela se acostumando e enxergando as coisas, as pessoas, os animais, as cores, o movimento, a diversidade… voltou correndo para contar aos ex-companheiros o que havia lá no mundo “real”, animado com o teor e o potencial de suas bombásticas revelações!
Coitado! Ridicularizado a princípio, depois ameaçado – e como insistisse na declaração que eles viviam na ignorância e havia muitas coisas para além de seu mundo -, acabou morto pelos prisioneiros da caverna. Pois eu sustento que hoje boa parte dos cidadãos brasileiros está vivendo na caverna de Platão. As sombras projetadas são as “verdades” e o “real” produzidos pelos mais diversos agentes (no sentido de “ter agência”, agir, fazer, realizar); estes são geralmente midiáticos, e sua versão do “real” é legitimada como sendo a expressão exata da verdade. Se alguém questiona veículos midiáticos considerados “de referência”, “consagrados” – ou até mesmo boatos amalucados que circulam nas redes sociais – é defenestrado tal qual o sujeito que saiu da caverna e voltou para contar o que viu.
Tive um exemplo, há uns três anos atrás, quando circulou um hoax que utilizava uma imagem de um prédio público no interior de São Paulo – uma escola técnica pertencente à USP (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz) – dizendo que era a fazenda do filho do Lula e tinha sido adquirida com dinheiro público. Tratava-se de um prédio luxuoso, que passava por uma fazenda de alto luxo. Logo saíram os desmentidos, o site e-farsas colocou o link da escola e viu-se que era apenas uma mentira inventada por algum mentecapto. Contudo, a versão factual pouco importou para quem difundia o boato. A sombra bruxuleante na parede da caverna à brazileira já havia se espalhado e era tomada como a mais certa e comprovada realidade. Uma pessoa que era meu contato no Facebook divulgou a postagem, que foi comentada imediatamente por uma legião de “pessoas de bem”, indignadas com os desmandos do “lulo-petismo”. De boa vontade (juro!), postei nos comentários que se tratava de um hoax, acrescentei o site da escola e esclarecimentos diversos sobre a falsidade do boato1. Fui “xingada” de epítetos muito pouco amigáveis, e que se eu não ia ajudar a divulgar, pelo menos que não atrapalhasse. Bloqueei aquela gente louca e me perguntei: estarei tendo o mesmo destino do habitante que fugiu da caverna?
Muitas outras situações vieram a provar que sim. Hoax passaram a ser “notícias” da mais profunda veracidade, boatos mentirosos motivaram decisões em câmaras de vereadores – vide situação bem recente que ocorreu na cidade de Feira de Santana, na Bahia (distante 100 km de Salvador, mais ou menos). Cidade esta que visitei em março deste ano e que tem uma universidade federal com um corpo docente extremamente qualificado, que tive oportunidade de conhecer durante um congresso ali realizado. Lamentavelmente, os vereadores do simpático município não lhes fazem jus. Esses nobres representantes municipais utilizaram a tribuna da Câmara para protestar contra um projeto de lei – inexistente! – que seria de autoria do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) para retirar “textos considerados homofóbicos da Bíblia”. O boato na internet dizia que ele pretendia alterar a Bíblia… e os vereadores acreditaram!!!
Nas redes sociais
Quem é mais bitolado: esses “nobres” políticos (eleitos pela população!) ou os habitantes da imaginária caverna de Platão? Decida você mesmo, caro/a leitor/a! Quem deu início à discussão foi o vereador Edvaldo Lima (PP), que cogitou dar entrada em uma moção de repúdio contra o deputado federal. Na tribuna, ele criticou duramente o “projeto para alterar a bíblia”2. Meu último texto aqui foi sobre a tragicomédia brasileira. Pois é, ela continua firme, a desenrolar-se diante de nossos olhos incrédulos, talvez desde o ano de 1500 dC.
E não só no campo da política que as sombras projetadas nas paredes criam realidades e autorias indevidas. Um texto que circulou muito há algum tempo atrás, atribuído a Luis Fernando Verissimo, dizia lá pelas tantas que “dar é bom pra caramba”. Alguém que já tenha lido uma linha do que LFV escreve acha mesmo que ele escreveria isso!? Pois mesmo assim, lá passava o texto de mão em mão, com elogios ao autor por ser tão certeiro em suas assertivas sobre relacionamentos amorosos. Verificando sem dificuldade na internet, logo se descobria que o texto era de uma blogueira que escrevia na revista TPM, mas depois que caiu na rede, virou peixe sem mãe nem pai definidos. Por que as pessoas não verificam aquilo que postam?
E por que, ao verem que não é verdade, não admitem o erro e procuram a versão mais próxima da realidade? Talvez porque um Hampty-dumpty3 arquetípico tenha morada dentro de todos nós. O personagem utilizado por Lewis Carrol, no livro “Alice através do espelho”, dizia para Alice que dava às palavras o sentido que ele queria dar. Pouco importa a legitimidade desse sentido, o que importa é que ele era o dono do sentido, e assim manipulava-o à vontade.
Parte da imprensa faz exatamente isso, como ilustra bem o excelente documentário de Jorge Furtado, “Mercado de noticias”. Uma vez que a falsa versão, sem nenhuma verificação mais séria e responsável passa a circular e ser apropriada pela miríade incrivelmente variada de receptores…, pronto, está feito: a sombra da caverna não é mais questionada. Quem ousar fazê-lo sofrerá as consequências. Ela se impõe porque simplesmente é. E a força desse ser tem um poder incrível de mobilização das subjetividades. Não se trata simplesmente de “formar opinião”, mas sim de conformar subjetividades, modos de ser/estar no mundo, ideias e afetos diversos, dentre eles o ódio e o preconceito. Ou seja, se trata de produzir sujeitos, de produção de subjetividade no sentido de Deleuze e Guattari, autores conhecidos não só na filosofia como nos demais campos das humanidades e das ciências sociais. Quem não é desses campos deveria procurar conhecê-los, compreendê-los.
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Seja por sedimentação – martelar certo conteúdo dia após dia, durante anos, para solidificar um determinado viés da percepção de alguma coisa –, seja por fratura – “opa, parem tudo, não é nada daquilo, vejam só!”, através de uma “notícia” (na verdade interpretação viesada de algo) que dá novo sentido ao mundo, a parcela hegemônica da mídia brasileira não para. Simplesmente não para: ela age diuturnamente. Utiliza todas as ferramentas disponíveis da comunicação para produzir e sustentar seus interesses e a visão de mundo que defende.
É dessa forma que o “mensalão” vira o maior escândalo de corrupção de toda a história do Brasil. Sabemos que isso não é verdade, pois ao comparar o estrago feito por todos os lamentáveis escândalos de corrupção das últimas décadas, temos que ele ocupa um “modesto” décimo lugar. Vejamos:
Os dez maiores crimes de corrupção do Brasil4

Top Crime/Escândalo Ano Rombo
10º Mensalão 2005 R$ 55 milhões
Operação Sanguessuga 2006 R$ 140 milhões
Sudam 2001 R$ 214 milhões
Operação Navalha 2007 R$ 610 milhões
Anões do Orçamento 1993 R$ 800 milhões
TRT/SP 1999 R$ 923 milhões
Banco Marka 1999 R$ 1,8 bilhões
Vampiros da Saúde 1998 R$ 2,4 bilhões
Banestado 2003 R$ 42 bilhões
Privataria Tucana 1997 R$ 100 bilhões

E entender isso não tem nada a ver com defender os corruptos envolvidos no esquema do mensalão, que, aliás, eram oriundos de vários partidos políticos e de grandes corporações privadas. Cadeia neles! Agora, por que só neles?! Por que tanta seletividade? Ao querer que se diga a verdade dos fatos, não se está defendendo este ou aquele partido político. Apenas se quer refletir sobre a informação verdadeira em termos factuais! Entretanto, se a gente tenta argumentar com alguém que incorporou profundamente a inverdade em seus afetos e “certezas”, pode esquecer. Agressões e insultos- ou uma resistência obstinada – serão a resposta, jamais a reflexão crítica diante de fatos objetivos. Sim, porque o fato objetivo existe! Apesar de eu estar mais para Guattari do que para Durkheim (!), eu acredito que há uma factualidade em andamento que, embora contraditória e muitas vezes ambígua, possui uma concretude e uma existência que se desenrola objetivamente. Que pode ser demonstrada e provada, utilizando-se esses fatos e os dados decorrentes deles de forma objetiva.
O que a mídia faz é atribuir sentidos a esses fatos; o sentido que ela quer dar. É o Humpty-dumpty em ação. São os regimes de luz de Deleuze: onde a gente joga luz, ali há existência. O que se deixa no escuro, invisível, ali não há existência! Assim eu produzo a realidade do jeito que eu quiser, manipulando as luzes (acabo de ter um rompante de autoritarismo agudo, meu próprio Humpty-dumpty emergindo?).
Concluo que todos nós, homens e mulheres contemporâneos, estamos à mercê de nosso próprio personagem autoritário e manipulador, introjetado. A mercê das sombras das nossas cavernas de Platão existenciais. O que poderá fazer a diferença é o esforço consciente de nos informarmos em várias fontes, de refletirmos criticamente, de forçarmos o pensamento a pensar – e buscar- mais e melhor diversidade de análise do mundo, correndo sempre para fora da caverna e vendo a pluralidade que existe para além dela.
1 http://www.e-farsas.com/filho-de-lula-compra-fazenda-avaliada-em-47-milhoes-de-reais.html
2 http://g1.globo.com/bahia/noticia/2016/07/vereadores-repudiam-pl-inexistente-de-jean-wyllys-para-mudar-biblia.html
3 “When I use a word,” Humpty Dumpty said in rather a scornful tone, “it means just what I choose it to mean — neither more nor less.”.
 “The question is,” said Alice, “whether you can make words mean so many different things.”.
 “The question is,” said Humpty Dumpty, “which is to be master— that’s all.” (Through the Looking Glass, by Lewis Carroll). Disponível em: http://definitionsinsemantics.blogspot.com.br/2012/03/humpty-dumpty-principle-in-definitions.html
4 http://www.endodontiaclinica.odo.br/os-10-maiores-escandalos-de-corrupcao-do-brasil/