Marino Boeira
O mundo está muito chato.
Nós o criticamos e ele não dá a mínima importância.
Mas, quem é o mundo?
É o mundo em que vivem aquelas pessoas que, por alguma razão obscura, gostaríamos de influenciar.
Nossos amigos, os brasileiros, os pobres, os oprimidos.
E quem somos nós?
Somos aqueles sujeitos nascidos a partir da segunda metade do século passado.
Somos aquelas pessoas que se dizem intelectuais, porque leram alguns livros.
Somos os que pensam ser de esquerda, só porque costumavam votar no Partidão, quando ele ainda existia e que agora votam no PT.
Somos aqueles que, em algum momento, pensaram que poderiam ajudar a melhorar o mundo para os nossos amigos, para os brasileiros, para os pobres, para os oprimidos.
Quanto fizemos em relação a isso?
Pouco, muito pouco.
Possivelmente, nada.
Talvez, como agora, apenas escrever uma crítica que poucos vão ler.
Queríamos mudar esse mundo, mas sempre o tratamos com um certo desprezo, como se fôssemos os únicos que conhecem a porta de saída.
No mais das vezes, olhamos com indiferença esse mundo em que não queríamos entrar, pois como no inferno de Dante, a condição para entrar é deixar toda a esperança do lado de fora.
Mas desde quando o mundo ficou assim tão chato para o nosso gosto?
Num artigo que escreveu esta semana, Tarso Genro, ao comentar o livro de Schiller, “ A educação estética do homem”, deu uma pista.
O mundo ficou assim porque não soubemos seguir a proposta do filósofo alemão, segundo a qual, a sabedoria e o sentimento – corretamente ajustados para saber contemplar de maneira adequada uma obra de arte – possibilitariam aos seres humanos chegarem a um estado moral que permitiria exercer todas suas virtudes cidadãs.
Vamos pensar um pouco na história do Brasil dentro dessa ótica que Tarso pinçou no livro de Schiller.
Até 1964, vivíamos uma época de intensa agitação cultural que, partindo dos segmentos mais intelectualizados da sociedade brasileira, de alguma forma contaminava toda a população.
Basta fazer um paralelo com os dias de hoje para percebermos a diferença.
Os meios de comunicação e principalmente o teatro e o cinema punham na ordem do dia a discussão sobre o melhor sistema social e político em que deveríamos viver.
A favor do socialismo ou contra, todos (pelo menos pensavam que era assim) tinham espaço para expor suas opiniões.
Hoje as redes sociais, como o facebook, são espaços cativos para toda sorte de banalidades. O que chama a atenção é aquele vídeo da cadela que alimenta sete gatinhos, do “nude” daquele cantor de rock ou aquela frase profundamente idiota, mas na qual muitos enxergam um pensamento profundo, tipo “sempre existirá um amanhã”.
Quem falava de ética e compromisso social era, no passado, Jean Paul Sartre. Hoje é o juiz Sérgio Moro. Um abismo intelectual imenso separa as duas figuras, mas são elas que, ontem e hoje, servem como referências.
Para toda uma geração de brasileiros, a última oportunidade foi dada em 1964. Um divisor, que deixou na esquerda os que não aceitaram o golpe; na direita, os que o aplaudiram, e num imenso espaço no meio, os que, não concordando, preferiram a omissão.
Dilma Rousseff, com todos os erros de sua ação como Presidente, tem uma glória que nunca é demais lembrar: ela tomou em armas contra os estupradores da nossa frágil democracia de então.
Ela fez aquilo que Karl Marx disse uma vez que era a missão dos novos filósofos: não mais explicar o mundo, mas tentar mudá-lo.
Nós, os que agora acham o mundo muito chato, preferimos mudar nossas vidas pessoais, alguns ganhando muito dinheiro, outros apenas sobrevivendo, concentrando nossos esforços e alegrias nas vitórias dos nossos times de futebol.
Os que conseguiram ganhar dinheiro, honestamente ou nem tanto assim, puderam justificar suas omissões com a desculpa que, enquanto foi possível, tentaram fazer sua parte.
Um deles, disse uma vez com certa ironia, quando sua conta bancária começou a crescer: “eu lutei muito pela chegada do comunismo, mas agora que começo a ficar rico, ele pode, já que demorou tanto a chegar, esperar mais um pouco”.
Voltando as conclusões de Tarso sobre sua leitura de Schiller: não é possível construir uma sociedade democrática, tendente à igualdade social, sem conhecimento, sem educação, sem uma cultura que democratize o conhecimento para todas as classes sociais.
Existe outra questão que o texto otimista de Tarso não aborda: como romper a imensa conspiração de silêncio de todos os meios de comunicação sobre qualquer proposta de ruptura da atual “pax americana”?
Ao lado de uma imensa massa de conformados, o que se vê em oposição a uma ordem, injusta socialmente, é o desespero das absurdas ações terroristas sob o ponto de vista coletivo ou a ação deletéria de delinquentes, sob a ótica individual.
Nenhuma das duas gera algum tipo de avanço social. Pelo contrário, aumentam a força dos poderosos de hoje.
Resta o campo da ação política.
Mas um olhar sobre essa área (e estamos voltando ao ponto de partida desse texto), nos mostra que são poucas as possibilidades de mudar este mundo chato em que vivemos.
No caso brasileiro, as opções políticas parecem se restringir hoje ao “Volta Dilma”, para provavelmente repetir todos os seus erros do passado, ou “Fica Temer”, para completar sua obra de entrega das riquezas do Brasil ao capital internacional.
Tarso diz no seu texto que o mais importante é a defesa de uma forma democrática (poder-se-ia dizer uma estética democrática), que inaugure uma nova hegemonia no âmbito das soluções para as crises da democracia representativa: elas devem ser resolvidas, sempre, com mais democracia, não com menos democracia.
Mas, quem quer mais democracia? Não serão Temer e o que Tarso chama com ironia de Confederação de Investigados e Denunciados. Não serão os grandes veículos de comunicação que comungam de uma visão muito peculiar do que chamam de democracia. Não serão os banqueiros, nem os empresários, nem os políticos conservadores.
Como pós 64, será novamente uma pequena minoria.
Acreditar que ela possa mudar a realidade brasileira pode ser uma utopia, mas parece ser a única opção que nos restar para tentar abrir uma brecha nesse mundo chato.