CPI da Garoa: voto divergente aponta Melo e mais cinco por “homicídio doloso”

O relator da CPI, vereador Marcos Felipi (E); o presidente, vereador Pedro Ruas (C); e o vice-presidente, vereador Rafael Fleck (D) Foto: Johan de Carvalho/CMPA

A CPI da Câmara de Porto Alegre, que investigou o incêndio na Pousada Garoa, concluiu seus trabalhos na quinta-feira, 26/06.

Onze pessoas morreram e 15 ficaram feridas no incêndio que, em abril de 2024, destruiu o prédio de três andares na avenida Farrapos, na região central da cidade.

No local, funcionava uma das 23 unidades da rede de pousadas Garoa, contratada pela prefeitura de Porto Alegre para acolher pessoas em situação de vulnerabilidade.

No dia 26 de abril, quando completou um ano da tragédia, o G1 registrou:

“As investigações seguem em diferentes frentes: um inquérito da Polícia Civil, um processo na Justiça e uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara de Vereadores da capital. Atualmente, o prédio continua completamente destruído. A estrutura não foi utilizada e também não passou por nenhum tipo de reforma”.

As causas do fogo ainda não foram esclarecidas.

Onze pessoas morreram no incêndio da Pousada Garoa, em abril de 2024. Foto: Cesar Lopes /PMPA

A CPI foi instalada em fevereiro para esclarecer os muitos pontos ainda obscuros neste caso.

O relatório da CPI, aprovado nesta quinta por sete votos a quatro, aponta a falta de segurança e as instalações precárias do local e responsabiliza o proprietário, André Kologeski.

A prefeitura, porém,  fica isenta de qualquer responsabilidade pelo ocorrido, embora as investigações tenham apontado falhas na fiscalização por parte do município.

O resultado da CPI reflete a correlação de forças na Câmara de Porto Alegre, onde a base de apoio ao prefeito Sebastião Melo tem folgada maioria.

Com onze integrantes, a CPI tinha sete vereadores, inclusive o relator, da base governista e quatro da oposição, incluindo o presidente,  vereador Pedro Ruas (PSOL),  que elogiou o trabalho desenvolvido em quatro meses: “Eu nunca vi uma CPI ser tão célere e colaborativa como esta”, disse Ruas, que participou de outras 32 CPIs ao longo de seus sete mandatos na Câmara Municipal.

Votaram com o relator Marcos Felipi (Cidadania): Rafael Fleck (MDB), vice-presidente da CPI; Coronel Ustra (PL), Mauro Pinheiro (PP), Hamilton Sossmeier (PODE), Gilvani o Gringo (Republicanos), e Ramiro Rosário (Novo).

O presidente Pedro Ruas e os vereadores Alexandre Bublitz (PT), Giovani Culau e Coletivo (PCdoB) e Erick Dênil (PCdoB), votaram contra e apresentaram uma “declaração de voto divergente”.

“O nosso voto divergente, eu adianto pra vocês, é um voto forte, um voto pesado; é um voto que busca nas teorias do Direito Penal o enquadramento dos agentes públicos que atuaram nesta área”, disse Ruas.

O “voto divergente”, na verdade, consiste num relatório paralelo. Nele, os vereadores  apontam que houve “negligência ou omissão da administração pública — que deixou de cumprir seu dever de fiscalização contínua, sobretudo em relação à estrutura física, instalações elétricas, condições de segurança contra incêndio e lotação da pousada – criou-se um risco concreto e previsível, que culminou no sinistro”.

Com base nessa conclusão, o voto divergente conclui que houve  “homicídio doloso, com dolo eventual” e propõe a responsabilização penal para quatro pessoas físicas.

“Não houve fatalidade, houve omissão criminosa. Não houve ignorância, houve tolerância institucional ao risco. Desta forma, sustenta-se que o prefeito municipal deve ser criminalmente responsabilizado por homicídio doloso, na forma do dolo eventual, pelas mortes decorrentes do incêndio nos prédios da Avenida Farrapos, de números 295/305/309, das Pousadas Garoa”, diz o voto divergente.

O relatório divergente apresenta trechos do depoimento de Léo Voigt à CPI, os quais segundo os vereadores autores, o ex-secretário assume que se sentia o grande responsável pela política social de Porto Alegre, bem como manteve a linha adotada pelo governo anterior, e confirma que as “fiscalizações” às Pousadas Garoa eram avisadas previamente. “O senhor Léo Voigt – em nossa interpretação dos fatos e dos comportamentos – também cometeu homicídio doloso, na modalidade do dolo eventual”, afirmou Ruas.

Quanto ao ex-presidente da Fasc, Cristiano Roratto,  “Dificilmente haverá alguém mais diretamente envolvido, com esse contrato com as Pousadas Garoa, do que o senhor Cristiano Atelier Roratto. Ele era o presidente da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) na época da tragédia criminosa, o que significa enorme responsabilidade na contratação e fiscalização dos serviços”, pontuou o presidente da CPI.

O relatório aponta que Roratto foi indiciado pela Polícia Civil por incêndio culposo e denunciado pelo Ministério Público Estadual por homicídio doloso, e sugere que “o ex-presidente da Fasc deve ser apontado como autor de homicídio doloso, na modalidade do dolo eventual”.

Sobre o proprietário das Pousadas Garoa, André Kologeski, que se negou a prestar depoimento à CPI, o texto enfatiza que as tais pousadas não tinham a menor condição de abrigar pessoas, seja do ponto de vista higiênico, sanitário ou de segurança. “Na Polícia Civil, o senhor André Luís Kologeski da Silva foi indiciado por incêndio culposo, enquanto que no Ministério Público Estadual foi denunciado por homicídio doloso, na forma do dolo eventual. Aplica-se aqui a Teoria da Omissão Penalmente Relevante, com as consequências e enquadramentos legais já referidos, posto que nosso voto é no sentido de que o senhor André Luís Kologeski da Silva cometeu homicídio doloso, na modalidade do dolo eventual”, declarou Ruas.

Já a fiscal de serviços, Patrícia Mônaco, e a fiscal de contratos, Maristela Ribeiro de Medeiros, são apontadas no voto divergente com a reponsabilidade por “incêndio culposo e agravante individual”. O relatório observa que o maior problema – e, consequentemente, a maior omissão – que o poder público cometeu, no caso das Pousadas Garoa, foi a falta de fiscalização adequada, ou a ausência total de fiscalização. “Face à tragédia evitável, bem como por conta do comportamento de ambas (Patrícia e Maristela), nosso voto é no sentido de que cometeram o crime de causar incêndio, previsto no artigo 250, do Código Penal”, diz o texto, sendo para Patrícia Mônaco a agravante do artigo 258 do Código Penal do Brasil.

(Com informações da Assessoria de Imprensa da Câmara/Andressa de Bem e Canto)