A trombetas do tradicionalismo já soam alto, convocando para uma “Semana Farroupilha” sem precedentes neste setembro de 2023.
Toda a imprensa regional já noticia os preparativos para o grande evento, que a cada ano marca o 20 de setembro de 1835, dia em que eclodiu o movimento rebelde que iria separar o Rio Grande do Sul do Brasil por quase dez anos*.
É o maior evento histórico-cultural do Estado, um dos maiores do Brasil, que mobiliza núcleos gaúchos pelo país afora e até no exterior.
O epicentro da “Semana Farroupilha” é Porto Alegre, onde um “Acampamento Farroupilha”, o popular “gauchódromo”, recebe mais de um milhão de visitantes por ano.
Em compensação, não mereceu uma nota nos jornais de Porto Alegre a data histórica que transcorre neste 15 de junho e que, para a compreensão da História, é tão ou mais importante quanto o 20 de setembro, o dia em que os rebeldes farroupilhas tomaram a capital, de surpresa.
No dia 15 de junho de 1836, numa reação ainda mais surpreendente, grupos de militares e moradores retomaram a capital e expulsaram os farroupilhas.
O então cônsul norte-americano em Porto Alegre, Isaac Austin Hayes, informou a Washington:
“Uma contrarrevolução ocorreu em Porto Alegre no dia 15 de junho passado, desde a qual têm havido cenas de derramamento de sangue e atrocidades (…)”.
Sérgio da Costa Franco:
“Depois de perderem a cidade na reação de 15 de junho de 1836, os rebeldes nunca mais conseguiram retomá-la. Mesmo contando às vezes com forte superioridade numérica, submetendo os moradores da Capital a fome e restrições diversas.”
O silêncio não é acaso, nem exceção: data banida do calendário histórico do Rio Grande do Sul, o 15 de junho é um exemplo de como foi a relação de Porto Alegre e seus moradores com a Revolução Farroupilha, desde o início até o fim. Uma relação de muito conflito, muita violência, que contraria a narrativa tradicionalista.
Expulsos da Capital, os farrapos refluíram para Viamão, de onde sustentaram um cerco à capital durante mais de quatro anos, sem conseguir retomar a cidade.
Quando tropas saindo de Porto Alegre desalojaram os Farroupilhas de Viamão em 1841, a guerra estava já praticamente perdida. Foi prolongada até fevereiro de 1945 pelas negociações de anistia e indenização aos chefes rebeldes.
Esses eventos só foram merecer um livro no ano 2.000, quando Sérgio da Costa Franco publicou “Porto A legre Sitiada”, com base em documentos e relatos inéditos.
O historiador conclui:
“Incoerente, cidade ergueu monumentos e votou homenagens aos sitiadores que a maltrataram e esqueceu os soldados, marinheiros e paisanos voluntários que garantiram sua integridade em quatro anos de lutas”.