Divulgado na semana passada, o projeto da Melnick, de construir 41 andares na rua Duque de Caxias, está mobilizando os moradores de pelo menos dez edifícios do entorno, no quarteirão entre a Praça da Matriz e o Viaduto Otávio Rocha, na Borges de Medeiros, no centro histórico de Porto Alegre.
São edifícios de alto padrão, cujos proprietários temem a desvalorização dos apartamentos e a degradação de uma região já saturada, nas proximidades dos centros de poder do Estado – Catedral Metropolitana, o Palácio Piratini, o Tribunal de Justiça e a Assembleia Legislativa.
“Vai acontecer uma transformação brutal aqui, sem que a gente saiba de nada”, reclama uma moradora. que prefere não se identificar.
Ela diz que a face oeste de seu edifício na esquina da Duque com o Viaduto vai perder toda a insolação, além da ampla vista que hoje tem da orla do Guaíba. “Os apartamentos vão perder metade do valor. Não sou contra que eles ganhem dinheiro, mas não com nosso prejuízo”.
O zelador de um dos prédios de alto padrão no quarteirão não quer se “meter na encrenca dos condôminos”, mas como está há 15 anos na área, chama atenção para um problema que vê diariamente. “Em certos momentos o trânsito aqui já fica trancado até a frente do Piratini. Com mais 500 apartamentos, quase 700 garagens, imagine o que vai acontecer. O governador vai ficar trancado do Palácio”.
Houve reuniões inclusive no fim de semana e um dos pontos em discussão é a contratação de advogado para levar o caso à Justiça. Eles buscam também o apoio da Associação dos Moradores do Cento Histórico para ampliar o movimento.
Na quinta-feira, 31 de agosto, o Instituto dos Arquitetos do Brasil divulgou uma nota questionando o projeto e recebeu adesão de 30 entidades.
Em fase final do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), o projeto da Melnick em parceria com o grupo Zaffari prevê uma torre residencial de 41 andares e uma galeria comercial com 38 espaços comerciais, no nível da Duque de Caxias. Supermercado Zaffari, que funciona embaixo, no nível da rua Fernando Machado, está incorporado ao projeto.
A polêmica foi levantada nas redes sociais, na semana passada, pelo economista André Augustin, pesquisador do Observatório das Metrópoles. Ele divulgou detalhes do projeto, que já passou por várias alterações.
Apresentado em 2017, foi inicialmente indeferido porque incluía um hotel, atividade vetada para aquela área.
Foi retomado em 2018, após parecer da Procuradoria-Geral do Município, e aprovado em janeiro de 2021.
Em março de 2021, foi solicitada sua inclusão na Lei dos Esqueletos (Lei 11.531/2013), criada para incentivar a conclusão de prédios inacabados do Centro de Porto Alegre. Recebeu recebendo parecer favorável em agosto do mesmo ano. É uma das quatro edificações no Centro beneficiadas pela legislação.
Nesse momento, o projeto pertencia à empresa Kleebank Participações LTDA.
Em 9 de fevereiro, segundo reportagem do Sul 21, foi vendido à Melnick (38,4%) e ao grupo Zaffari (61,5%).
Desde então, pedidos de modificação no projeto vem sendo feitos, incluindo a elevação para 41 andares, passando de 88,75 para 98,39 metros de altura.
Para justificar o aumento da altura, a construtora diminuiu da área total a ser construída, de 73.097,09m² para 67.289,36m². Em compensação, recolocou o projeto do hotel no conjunto do empreendimento.
O edifício residencial teria 593 unidades, sendo 363 delas área de 24,55 m². A previsão é de 700 vagas na garagem.
Localizado ao lado do Museu Júlio de Castilhos, tombado pelo patrimônio público do Estado, o projeto estaria sujeito às regras de zoneamento: no máximo 15 pavimentos ou 45 metros de altura na área do entorno do museu.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) informou ao Sul 21 que deu parecer favorável a uma edificação com até 45 metros a contar da Duque de Caxias e que qualquer mudança tem que ser aprovada pelo órgão, “que até o momento não recebeu esta demanda”.
Em 28 de abril deste ano, a Melnick encaminhou mais um pedido de modificação no projeto aprovado, solicitando a alteração do perímetro da torre do edifício, aumento da altura da edificação e extensão da Taxa de Ocupação da Duque de Caxias para o restante do terreno.
Este pedido informa que o empreendimento terá 60 metros lineares de fachada na Rua Duque de Caxias.
A construtora argumenta que “o centro da cidade sempre conviveu bem com a verticalização e que já existe sinergia entre o patrimônio histórico e as edificações altas de seu entorno. Além disso, a proporção de ‘vazio urbano’ do ponto de inserção do terreno em questão abre um caráter de exceção para a implantação”.
Procurada pelo repórter Luís Gomes, do Sul 21, a Melnick se limitou a uma nota: “A Melnick atua de forma ética e transparente no desenvolvimento dos seus empreendimentos imobiliários e em total conformidade com a legislação vigente. Nesse sentido, informa que todos os empreendimentos são submetidos a rigoroso processo de aprovação perante todos os órgãos competentes”.
