História da tropicalização da soja

Plantio direto e herbicidas
Na década de 1990, agrônomos e produtores começaram a superar rapidamente as defesas contra o sistema de plantio direto. “Não podemos mais perder solos”, sintetizava o gaúcho José Ruedell (Santo Cristo, 1950), agrônomo da Fundação de Pesquisa e Produtividade da Fecotrigo, em Cruz Alta, onde colocava em prática as idéias pregadas por José Lutzenberger, o líder ambiental mais conhecido do Brasil.
Em algumas regiões do norte do Rio Grande do Sul, com terras arenosas em declive, as enxurradas de verão chegaram a carregar 130 toneladas de terra recém-cultivada, além de sementes e adubos. Segundo Ruedell, a produção de apenas quatro toneladas de cobertura morta reduz a praticamente zero a erosão.
Além disso, a manutenção de uma camada de cobertura vegetal diminui a evaporação de água, contribuindo para manter no solo uma reserva de umidade útil para o desenvolvimento das plantações.
As descobertas sobre o plantio direto têm não apenas fundo ecológico, mas base econômica. Além de reduzir em 40% o uso de sementes, esse sistema abate em 40% o número de horas trabalhadas com trator.
Segundo a Fundação ABC, de Ponta Grossa, em 10 anos o plantio direto conseguiu uma redução de 28% no custo fixo da produção de soja. Entretanto, por implicar numa redução do uso de adubos, o receituário técnico oficial demorou para incorporar totalmente as recomendações do plantio direto.
Já presente na quase totalidade das lavouras brasileiras de soja, o plantio direto é o alvo de diversas pesquisas conduzidas por técnicos aliados a produtores e fabricantes de implementos agrícolas. Em 1978 a Embrapa criou um setor de mecanização visando desenvolver semeadeiras próprias para o plantio direto em parceria com agricultores e indústrias de máquinas.
Até então, antes do cultivo de soja em campos de trigo, era prática comum a queima da palhada. “O pessoal chegava a fazer sete gradeações para acabar com os torrões e completar o preparo do solo para o plantio”, lembra José Denardin, do Centro Nacional de Pesquisa de Trigo, de Passo Fundo.
Para coibir essa prática, os técnicos da Emater gaucha conseguiram que o Banco do Brasil retardasse a concessão de financiamentos aos agricultores adeptos das queimadas. A campanha “Quem queima, se queima” foi um marco da conscientização em torno da conservação do solo no norte do Rio Grande do Sul.
O maquinário antes usado no preparo do solo foi adaptado para funcionar na semeadura direta. Fábricas que trabalhavam com implementos de preparo do solo perderam terreno ou se converteram em fábricas de semeadeiras.
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O plantio direto assumiu ares indiscutivelmente vitoriosos em meados da década de 1990. Ainda assim, alguns técnicos se preocupavam porque, se reduziu a erosão, a nova técnica de plantio intensificou o uso de herbicidas.
Verdadeiros substitutos do arado, os chamados dessecantes vegetais registraram uma explosão de consumo, sob a liderança do Roundup, fabricado pela norte-americana Monsanto, que transformou esse herbicida à base de glifosato em vetor da transgenia, a grande novidade da agricultura surgida na última década do século XX.
Não por acaso, a soja foi o cavalo de batalha usado pela indústria para viabilizar as sementes transgênicas. Um cavalo malhado, criado nos Estados Unidos e treinado na Argentina.
O assunto das “sementes geneticamente modificadas” apareceu na imprensa brasileira em 1997, quando agricultores gauchos começaram a buscar na Argentina grandes quantidades de sementes RR – Roundup Ready. Como contrabando é crime, a Polícia Federal abriu diversos inquéritos no interior do Rio Grande do Sul, mas o cultivo dessas sementes impôs-se em poucos anos, tornando impraticável conter o que se configurou como uma avalanche.
Alertas de ecologistas sobre riscos à saúde humana e ao meio ambiente foram paulatinamente ignorados por todos os envolvidos na história. No início do governo Lula (2002-2010), o Ministério da Agricultura simulou resistir à introdução da novidade no cenário rural brasileiro, mas acabou cedendo à pressão dos agricultores, que alegavam não dispor sequer de sementes convencionais para plantar. Com o tempo, a maioria dos técnicos da Embrapa mostrou-se favorável não só à soja transgênica, mas ao milho e ao algodão geneticamente modificados.
Quieta no início da polêmica, a Monsanto abriu o jogo à medida que ganhava a batalha da legalização de suas sementes: queria royalties sobre seu invento. Notícias esparsas sobre processos judiciais dão conta de que os agricultores resistem ao pagamento de royalties sobre o uso das sementes transgênicas.
Em menos de uma década, entretanto, os transgênicos modificaram o mercado de insumos da agricultura brasileira, onde a maioria das empresas de sementes foi absorvida pelas indústrias químicas.
O caso mais notório foi o da própria Monsanto, que comprou no Brasil a Agroceres, a Dekalb e a Agroeste; e, na Europa, absorveu a veterana holandesa De Ruiter, produtora de sementes de legumes. É uma história de desfecho imprevisível, pois as sementes transgênicas continuam sendo alvo de ataques dos ambientalistas, que visam especialmente a soja.
Lei da biossegurança
Como parte do contexto criado pela transgenia, foi aprovada em março de 2005 a Lei de Biossegurança no Brasil. Após quase uma década de polêmica, não se tinha notícia de que algum consumidor tivesse morrido ou ficado com alguma sequela por ingerir algum produto à base de soja resistente ao herbicida glifosato. No entanto, as evidências sobre os impactos ambientais eram crescentes.
Em sua terceira viagem a Porto Alegre, entre os dias 20 e 22 de novembro de 2005, o físico teórico e ativista ecológico Fritjof Capra trouxe consigo um artigo sobre os impactos ambientais da soja transgênica. O texto era assinado por Miguel Altieri, um dos principais incentivadores da agroecologia no mundo, e Walter Pengue, pesquisador da Universidade de Buenos Aires.
Em seu estudo, Altieri e Pengue acusavam a soja RR de operar na América Latina como “uma máquina de fome, desmatamento e devastação socioambiental”. Segundo esses autores, o aumento de nitrogênio e fósforo em diversas bacias hidrográficas da América Latina estaria relacionado com a expansão da sojicultura moderna.
Embora os adeptos do plantio direto argumentem que o glifosato não tem efeito residual sobre o solo, foram constatados indícios de que o avanço da soja transgênica enfraquece o poder fertilizante dos rizóbios, o que poderia exigir investimentos em adubos nitrogenados, aumentando o custo da lavoura e os impactos ambientais.
A redução da diversidade vegetal, devida à expansão das monoculturas, tem historicamente levado a grandes infestações de insetos e epidemias de doenças.
Os insetos e os patógenos encontram terreno fértil nestas áreas homogêneas devido à inexistência de controle natural. Isto leva a um aumento do uso de pesticidas, que após algum tempo perdem a eficácia devido ao surgimento de resistências. Quando um único herbicida é usado repetidamente em uma lavoura, as chances de aparecerem plantas resistentes a este herbicida aumentam significativamente.
Ao contrário da crença inicial, o glifosato não mata todas as chamadas ervas daninhas. Várias plantas são resistentes às aplicações, exigindo doses extras para a limpeza das lavouras. É o caso da trapoeraba (Commelina benghalensis ) e da corda-de-viola (Ipomea spp).
Em trabalhos de campo pesquisadores brasileiros descobriram que também há resistência da poaia-branca (Richardia brasiliensis), erva-de-santa-luzia (Euphorbia pilulifera), erva-de-touro (Tridax procumbens), capim branco (Chloris dandiana) e a erva-quente (Borreria latifolia). O azevém (Lolium multiflorum), muito usado como forragem de inverno no Sul, resiste até mesmo a doses superiores a 10 litros por hectare.
O maior controle ambiental impôs uma evolução técnica que transformou os agrotóxicos em substâncias menos agressivas ao meio ambiente e para a saúde humana. De qualquer forma, reduzir o uso de agroquímicos continua sendo um alvo dos técnicos, crescentemente sensíveis ao uso de métodos naturais, não só para atender á demanda dos consumidores por alimentos mais saudáveis, mas visando também reduzir custos operacionais.
O uso de calcário, por exemplo, pode ser substituído pela produção de matéria orgânica, fruto da integração de diversas culturas, inclusive a pecuária. “Sojicultor isolado não existe mais”, afirma José Ruedell, convencido de que, junto com o plantio convencional, vai desaparecer também o maior mal trazido pela lavoura da soja: a monocultura. De fato, foi na região de Cruz Alta que se difundiu a técnica da integração lavoura-pecuária-silvicultura, pregada inicialmente por técnicos da Embrapa da Amazônia.

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