O deputado Protógenes Queiroz, do PCdoB, encaminhou ao presidente da Câmara, Marco Maia, o pedido para a criação de uma CPI para investigar possíveis irregularidades em privatizações do Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). O requerimento foi assinado por 206 deputados. A intenção é averiguar as denúncias apresentadas no livro “A Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr. O livro acusa, entre outras autoridades, o ex-governador de São Paulo José Serra de receber propinas de empresários que participaram das privatizações conduzidas pela gestão FHC.
Antes da realização doa debates, Protógenes Queiroz e Amaury Ribeiro Jr. conversaram com a imprensa gaúcha. Abaixo, um resumo dessa conversa.
JÁ – A CPI da Privataria pode acabar em pizza como tantas outras?
Protógenes Queiroz – Temos vários elementos para acreditar na seriedade desta CPI. Ela nasce com uma diferença em relação à CPI do Banestado, por exemplo. (*N.R. – A CPI do Banestado investigou o envio de remessa ilegal para o exterior, por meio das chamadas contas CC-5. De acordo com o relatório divulgado em dezembro de 2004, houve desvio de cerca de R$ 90 a R$ 150 bilhões.
Sugeriu o indiciamento de 91 pessoas). Nunca surgiu uma CPI no início da legislatura como agora. Em quatro dias recolhemos 206 assinaturas, com enorme interesse de vários parlamentares. Após o anuncio que eu estava com um requerimento abertura de uma CPI baseada no livro do Amaury Ribeiro, não precisei me esforçar muito para conseguir as assinaturas.
Vários deputados de oposição ao governo Dilma não têm nenhum compromisso histórico com o conteúdo do livro. Por isso, querem participar do debate. Não é uma simples CPI, mas um debate público nacional dos erros e acertos das privatizações no Brasil. Mais erros do que acertos. Normalmente era uma pauta política esquecida depois das eleições.
JÁ – Existe a possibilidade de alguns retirarem suas assinaturas?
Protógenes – Já conseguimos as assinaturas de 206 deputados e são necessárias 171 para a aprovação da CPI. Um número sugestivo dentro do Congresso, já que o artigo 171 do Código Penal refere-se ao estelionato (risos). Regimentalmente na Câmara não se pode retirar as assinaturas, diferente ao Senado, depois de protocolar o pedido. Até agora não teve ninguém pressionando para retirar assinatura.
Já – Do que vai tratar a CPI mais especificamente?
Protógenes – Não se trata de um processo revisional das estatizações, mas apurar os prejuízos. Tem gente que ficou bilionária da noite para o dia no País e nada aconteceu. Outras empobreceram, muitos se suicidaram, perderam seus empregos, acionistas que tiveram prejuízos, ações de antigas estatais que estão virando pó.
Tem que haver uma recomposição dos prejuízos. Tem que ressarcir aquelas pessoas que acreditaram na propaganda enganosa que as privatizações dariam ganhos para todos. Praticamente todo o sistema bancário estatal foi privatizado com o argumento que seria melhor e que funcionários e correntistas seriam beneficiados. Na verdade, piorou.
JÁ – Como será ressarcimento?
Protógenes – Ao identificarmos no final da CPI as irregularidades e os ilícitos vamos sugerir a recomposição dos prejuízos. A União vai ter que estudar uma forma de compor dentro do Orçamento a indenização devida a essas pessoas. Outro ponto é que em determinados casos se a fraude for tão imensa, desproporcional, aí a estatal tem que voltar para o Estado.
JÁ – No caso do Banestado a CPI acabou em pizza…
Protógenes – A concepção da CPI do Banestado é diferente dessa. A CPI da Privataria está nascendo com exigências e debates públicos muito fortes e velocidade muito grande. O compromisso é maior. Os movimentos sociais, sindicais estão debatendo. O assunto está nas ruas.
Amaury Ribeiro Jr.- Na CPI do Banestado houve um acordão. O deputado Protógenes, ainda como delegado da Polícia Federal, começou a investigação e depois outros delegados continuaram as investigações. O acordo aconteceu quando descobriram indícios que o presidente do Banco Central (Gustavo Franco) e do Banco do Brasil (Cássio Casseb) operavam com doleiros que lavavam dinheiro da máfia dos fiscais e não pelos meios legais. Alias, faltou incluir isso no livro. Então blindaram e houve um acordão. O medo atual não é esse.
O acordo depois de instalar a CPI não vai adiantar, porque se abrir a casa vai cair. O que eu mostrei é pequeninho, só o que consegui descobrir. O roubo foi muito maior. Almocei com governador Tarso Genro hoje (25/01) e ele que disse que o livro mudou o fato político nacional. Concordo. Até a publicação do livro os “tucanos” ficavam caçando ministros todo o dia.
A partir do livro, mudou tudo. Fiquei nervoso porque a gente sabe que a grande imprensa joga sujo. No entanto, ao perceber que eram tão fracas as acusações contra o livro divulgadas pela imprensa e o outro lado não veio com nada significativo, que tive a sensação de nocaute. Outra coisa que notei é que o livro serviu também para setores de esquerda ficarem mais unidos. Tenho viajado e percebido isso.
JÁ – Por onde a CPI da Privataria pode começar a investigar?
Amaury – Levantei que existiam três ações de improbidade administrativa e uma criminal no Rio de Janeiro contra as pessoas citadas no livro e outros personagens. Todas prescreveram sem ser analisadas, a Justiça simplesmente sentou em cima. O delegado da Polícia Federal, Deuler Rocha, foi afastado das investigações.
Agora, temos fatos novos no livro. Precisa de um novo inquérito na Polícia Federal e Ministério Público Federal. Parte dos papeis entreguei na Polícia Federal. Se não acontecer a CPI, o caminho é como cidadão entrar com uma representação e levar esses documentos ao Ministério Público, Polícia Federal e Receita Federal.
JÁ – Como está a repercussão do livro?
Amaury – A repercussão do livro é um fenômeno. Primeiro o papel das redes sociais foi muito importante. Agora a grande imprensa está começando a publicar. De duas semanas para cá, viajando pelo Brasil para o lançamento do livro, estou percebendo que o assunto não está distante das pessoas, pois muita gente perdeu com a privatização, ficou seu emprego. As tarifas aumentaram muito acima da inflação.
Não melhorou em nada e só prejudicou a vida das pessoas. Por isso, é um tema que atinge a todos, mesmo para o operário, na zona rural, em rincões distantes do País o livro chega.
JÁ – Qual a participação dos grandes grupos de Comunicação durante o processo das privatizações na década de 1990?
Amaury – Nas privatizações tiveram as digitais dos grandes grupos da imprensa. O negócio da grande imprensa não era ideológico, mas defendiam as privatizações porque poderiam ganhar muito dinheiro. Os próprios “tucanos” estão me revelando novos fatos.
Tem um grande grupo de Comunicação de São Paulo, que não posso dar o nome porque não tenho provas ainda, que só não conquistou estatal durante os leilões porque queriam cobrar pelo lobby. Quem revelou isso foi o pessoal do consórcio que participou desse leilão. Então o medo da CPI da Privataria é que todas essas histórias cheguem ao público.
JÁ – Será lançado o segundo livro?
Amaury – Estou trabalhando nisso, conseguindo mais documentos, seguindo o rastro do dinheiro roubado. Não será só sobre as privatizações. Tem, por exemplo, a Lista de Furnas, com os nomes dos políticos que usaram dinheiro público em eleições, que dizem que é falsa, mas tem um laudo da Polícia Federal que diz que é verdadeiro. Quem teria pego dinheiro da estatal para pagar propina de campanha?
JÁ – Deputado, desde policial federal, o senhor acompanha esse s inquéritos. Como analisa tudo isso?
Protógenes – Toda a ação ou investigação policial que envolvia privatização de estatal e telefonia sofria um andamento demorado e inexplicavelmente a maioria era arquivada. Um exemplo é o banqueiro Daniel Dantas que tinha aproximadamente 20 investigações arquivadas na superintendência do Rio de Janeiro da Polícia Federal.
O sistema é tão cruel e dominador que mantem dentro da estrutura de Estado, de poder, todo o domínio para impedir qualquer investigação dessa natureza. Agora, qualquer ação que o PSDB faça em termos de estruturação de suas ações políticas eles esbarram nessa metodologia criminosa.
Temos o caso atualíssimo de reintegração de posse da área ocupada pela comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos, São Paulo. Desde o dia 23 de janeiro, a área vem sendo alvo de ações da Polícia Militar de São Paulo para a reintegração de posse. Cerca de 1,8 mil homens da PM foram acionados para retirar as nove mil pessoas que viviam há sete anos na área.
Recebi informações que o terreno teria sido grilado no passado, e decidi acionar a Câmara dos Deputados para pedir que seja investigada a situação da propriedade. Quero saber como a posse da área, que mede cerca de um milhão de metros quadrados, chegou até a empresa Selecta S/A, do investidor libanês Naji Nahas. Hoje, o Pinheirinho pertence à massa falida da Selecta.
JÁ – Já estão jogando ovos podres no prefeito de São Paulo Gilberto Kassab…
Protógenes – Estamos vivendo um momento muito delicado. Digo no plenário da Câmara que a República está ameaçada e os deputados ficam atônitos. E está mesmo e não falo como bravata, mas com conteúdo. É só andar pelas ruas e perguntar: acredita na Justiça brasileira. Quase a unanimidade da população não acredita. Quer ver sua demanda resolvida por um acordo e não pelo judiciário. Ele quer evitar o máximo chegar a Justiça porque sabe que terá muita dificuldade para recompor seu direito.
Na maioria das vezes a Justiça funciona para proteger esse sistema que se apropriou da estrutura do Estado. Os bilionários foram produzidos por essa República, pelo roubo a céu aberto. E continua. O exemplo é o caso de Pinheirinho, em São Paulo. Noticia-se uma desocupação de várias famílias que teriam invadido um terreno ilegalmente, ameaçaram o direito de propriedade.
Ao se buscar o histórico sobre a legitimidade de quem está reivindicando chega-se a uma surpreendente informação: a origem do terreno remonta ao ano de 1969, quando os donos eram uma família alemã, que foi chacinada e não deixou herdeiros.
Um amigo da família, mesmo sem direito sobre o bem, teria tomado posse e, mais tarde, repassado o terreno para uma terceira família. Esses novos donos, por sua vez, teriam vendido o terreno para Naji Nahas.
A dúvida que tenho, já que comandei na Polícia Federal a Operação Satiagraha, responsável pelo indiciamento de Nahas por evasão de divisas, operação de instituição financeira sem autorização, falsidade ideológica, fraude e formação de quadrilha, é sobre a possível falsificação da escritura do terreno. Em algum momento, foi fabricado um documento totalmente fraudulento. Coincidentemente, essa titularidade aparece na mão de um fraudador. É fraude em cima de fraude.