O beco tem saída?

Beco por definição não tem saída. Então o que fará o Homem para sair do beco em que se meteu a bordo do capitalismo?
Já não importa se a economia cresceu, se a inflação subiu ou o emprego está batendo pino. O navio encalhou com sete bilhões de pessoas a bordo. O que fazer?
Como o capitalismo se reinventa a cada crise, é provável que seus batedores aconselhem a demolição do beco metafórico em que se vê o pobrerio.
No lugar do buraco (ou da favela), eles construirão um prédio de apartamentos, um conjunto de lojas ou quem sabe um shoppinzinho maneiro.
Pronto: os investidores e seus aliados se refestelarão em suas cadeiras estofadas enquanto o povo será convidado a procurar sua turma na PQP.
É exatamente assim que pensam os adeptos da tese de que “não há almoço grátis”, como disse o economista Milton Friedman, um dos pilares do neoliberalismo.
Ocorre que não há recursos naturais suficientes para manter o atual modelo competitivo de produção. “The game is over”, o jogo acabou.
É preciso reconhecer que a ênfase no crescimento acelerado não tem condições de se sustentar a longo prazo. O foco, como se diz hoje em dia, tem de se voltar para a cooperação, a solidariedade.
Distribuição da riqueza
A ânsia de acumulação já não se justifica diante da abundância de produtos e mercadorias disponíveis no mundo globalizado. O que falta é distribuir melhor os frutos do trabalho e da riqueza. Alguns grupos e governos já trabalham dentro dessa perspectiva, mas são minoria.
Se nos condoemos ao ver animais abandonados, maltratados ou vítimas de desastres ecológicos (por exemplo, as aves marinhas agonizando nas manchas de petróleo), por que não tomamos a iniciativa de estender a mão aos nossos semelhantes, desprovidos de recursos ou de sorte?
É o que anda se perguntando pelo mundo afora muita gente boa, uns cristãos, outros marxistas.
Neste momento, faz enorme sucesso na Internet a entrevista em que o geógrafo britânico David Harvey desafia os insatisfeitos do mundo a apontarem alternativas ao capitalismo. A entrevista a Ronan Burtenshaw e Aubrey Robinson foi publicada originalmente no site Red Pepper em 22-08-2013.
Harvey tem 77 anos e leciona em Nova York, onde foi espectador privilegiado do colapso, cinco anos atrás, do banco Lehman Brothers, a maior falência da história dos Estados Unidos.
A quebra do Lehman Brothers não foi apenas um tropeço do neoliberalismo, mas o mais recente sinal de que o capitalismo não tem cacife para levar bem-estar a todos os habitantes do planeta.
Mas de que adianta ficar apontando os defeitos e contradições do capitalismo se não temos algo novo a propor?
Harvey está escrevendo um livro chamado As 17 Contradições do Capitalismo. Inspira-se num dos grandes ditados de Karl Marx, segundo o qual toda crise é sempre o resultado das contradições subjacentes. Daí que o foco de Harvey não vai para os resultados da crise de 2008, mas para suas contradições, a começar pela distorção entre o uso e o valor de uma mercadoria como a casa.
Diz o geógrafo: “Antigamente, as casas eram construídas pelas próprias pessoas, e não havia absolutamente nenhum valor de troca. A partir do século XVIII, teve início a construção de casas para fins especulativos. Assim, as casas se tornaram valores de troca para os consumidores providos de poupança”.
Em consequência, metade da humanidade está excluída do direito natural à própria habitação. Para ter um teto, as pessoas pagam aluguel, vivem amontoadas em favelas ou praticam invasões. Para se defender os detentores de imóveis se fecham atrás de muros, grades e condomínios fechados.
Foi assim que a habitação se tornou uma forma de ganho especulativo. O valor de troca assumiu o comando. O boom especulativo dos capitais flutuantes gerou uma bolha imobiliária nos Estados Unidos no início do século XXI. O valor de uso do imóvel foi destruído pelo valor de troca. Uma distorção brutal que todo mundo vê como normal, pois nascemos debaixo desse sistema.
Produção e demanda
E aqui Harvey toca no ponto crucial: o problema não é só com a habitação, mas também com coisas como a educação e a saúde. “Em muitos casos”, diz Harvey, “nós ativamos a dinâmica do valor de troca na hipótese de que ele vai fornecer o valor de uso mas, frequentemente, o que ele faz é estragar os valores de uso, e as pessoas acabam não recebendo bons cuidados de saúde, educação ou habitação.”
Uma das grandes questões abordadas por Harvey é o conflito entre produção e demanda de mercado. Como o capital precisa produzir de forma lucrativa, isso significa suprimir trabalho, isto é, reduzir os custos salariais.
Assim, a produção gera lucros elevados, mas quem vai comprar o produto se os trabalhadores perderam poder aquisitivo?
Nos anos 1990, como o achatamento salarial se tornou inviável diante do poder dos sindicatos de trabalhadores e da manutenção dos direitos trabalhistas (só em parte desmanchados pelo neoliberalismo), a economia global se manteve em alta graças ao aumento do endividamento das pessoas.
“Você começa a criar uma economia do cartão de crédito e uma economia financiada em altas hipotecas na habitação”, diz o geógrafo. Ou seja, as dívidas encobriram o fato de que não havia demanda real.
No fim, isso explodiu em 2008. Para Harvey, é preciso recuperar o valor de uso, organizando a produção de forma a atender aos direitos e necessidades das pessoas – e não o contrário, as pessoas sendo obrigadas a atender às necessidades das empresas. Nas palavras dele:
“O que está acontecendo exatamente agora é que nós produzimos coisas e depois tentamos persuadir os consumidores a consumir tudo o que produzimos, independentemente se eles realmente querem ou precisam disso. Enquanto que deveríamos descobrir quais são as vontades e os desejos básicos das pessoas e, então, mobilizar o sistema de produção para produzir isso”.
Está difícil mudar o jogo porque, de acordo com estudos recentes de países da antiga Europa, uma parcela poderosa dos detentores do capital está se saindo muito bem dentro da crise atual e quer continuar ganhando. “A população como um todo está sofrendo, o capitalismo como um todo não está saudável, mas a classe capitalista – particularmente uma oligarquia dentro dela – tem se saído extremamente bem”, diz Harvey.
Para o entrevistado, a esquerda se tornou tão cúmplice do neoliberalismo que você realmente não pode distinguir os seus partidos políticos dos da direita, exceto em questões nacionais ou sociais. Na economia política, não há muita diferença. Mas é aí que se deve procurar resolver as contradições, como no caso dos valores de uso e de troca de bens essenciais como a casa, o ensino, a saude.
Harvey chama a atenção para a apropriação da moeda como elemento de poder de uns sobre os outros. As pessoas mobilizam as suas vidas ao redor da busca do dinheiro. “Então, nós temos que mudar o sistema monetário, seja cobrando imposto de quaisquer excedentes que as pessoas estejam começando a obter, seja chegando a um sistema monetário que se dissolva e não possa ser armazenado, como as milhas aéreas”, diz ele.
Para fazer isso, é preciso superar a dicotomia entre propriedade privada e Estado, de forma a se chegar a um regime de propriedade comum, baseado mais na solidariedade do que na competição. Na previsão otimista de David Harvey, as pessoas vão deixar de correr atrás do dinheiro ou da acumulação desvairada se entenderem que sempre terão uma renda básica para sobreviver. (Geraldo Hasse)

“A crise dos países europeus comprova que o projeto do Euro era falso desde o início”

“A crise dos países europeus comprova que o projeto do Euro era falso desde o início”, foi o que disse o professor Orjan Appelqvist, doutor em economia da Universidade de Estocolmo, Suécia, durante palestra nesta segunda (21/11), na Federação de Economia e Estatística – FEE, em Porto Alegre.
O professor lembrou que a crise atual não é uma crise do euro, mas uma continuação da crise do sistema financeiro, que teve origem no mercado imobiliário dos Estados Unidos em 2008 e que contaminou as economias ao redor do planeta.
Para Orjan, a Zona do Euro não é uma área monetária apropriada. “Por entraves políticos, gerou-se uma zona inadequada deste o começo. Há na Europa muita divergência, e não se procurou pela convergência. O desequilíbrio entre as nações foi maior que a vontade de união. Na teoria, os 16 países que possuem uma moeda comum teriam vantagens como uma maior estabilidade no comércio. Só que a realidade tem se mostrado diferente, ficamos nas mãos de banqueiros e especuladores”.
O problema apontado é a enorme especulação em países europeus, onde bancos privados exigem cerca de 10% de margem de lucro em economias que não crescem. Essa máquina de lucros, porém, se tornou uma bomba-relógio.
“Problemas na Grécia, são os bancos franceses os grandes perdedores. Problemas na Irlanda, bancos ingleses perdem, problemas em Portugal, bancos espanhóis perdem. Estes bancos possuem os papeis de dívidas de governos que agora não conseguem mais pagar. Daí a necessidade dos países centrais salvarem estas economias, senão, suas instituições financeiras sofrerão, os governos estão amarrados aos bancos”, diz o professor.
Na visão predominante da comunidade europeia, do FMI e dos governos, o problema é o déficit publico, assim seria necessário controlá-lo. Mais isso pode trazer de volta um modelo neoliberal de privatizações, o que já se mostrou ineficaz no passado.
Para Orjan, os déficits púbicos são apenas sintomas de um capitalismo irresponsável, e atacá-los não resolverá a situação. Os países deveriam inclusive aumentar seu déficit, pois são necessários mais gastos públicos e não ao contrário.
Uma saída saudável seria a recuperação da autonomia dos estados. E há condições para isso, já que a Europa está melhor que os EUA. Ela tem trabalhadores capacitados, bom sistema educacional e capacidade de exportação.
Algumas medidas imediatas deveriam ser tomadas: proibir a especulação no governo; reinstalação da taxação sobre fortunas – com uma radical reforma do imposto de renda.
E o mais importante: um rápido crescimento do serviço público. “Um planejado, massivo e prolongado plano de investimentos públicos, 20% da população jovem está desempregada, é preciso dar trabalho a essas pessoas.”, coloca Orjan.
O economista defende ainda que a União Europeia sirva ao povo e aos governos, não aos bancos. Porém, isto não acontecerá em curto prazo, visto que 21 dos 23 membros da comissão de reforma europeia são banqueiros, alerta.
Há uma volta do cenário de divisão entre centro e periferia, só que agora a divisão ocorre dentro da própria Europa. Isso pode acarretar num sacrifício da democracia. O professor questiona seriamente países que desejam abrir mão da democracia frente aos pacotes de austeridade
”A única forma de salvar a democracia vem através do poder daqueles que pensam não ter poder”, finalizou Orjan.
A palestra do professor Orjan Appelqvist fez parte do painel “A Desordem Internacional”, Promovido pela FEE. O encontro foi prestigiado por cerca de 100 pessoas, no auditório da federação.