A Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro comprovou nesta segunda-feira, 11, o primeiro caso de tortura dentro de um hospital militar, no período da ditadura. A CEV divulgou laudo pericial confirmando que, por pelo menos três vezes, o engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira sofreu tortura, inclusive às vésperas de sua morte, no Hospital Central do Exército (HCE), em Triagem, na zona norte do Rio. Raul passou 12 dias em poder dos militares.
Com base em vasta documentação oficial e no laudo cadavérico, o médico-legista da CEV Nelson Massini revelou que Raul tinha lesões pelo corpo adquiridas durante a internação no HCE, para onde foi levado no quarto dia de prisão, 4 de agosto de 1971. O ativista tinha contusões no tórax, nas pernas e nas coxas, o que indica que foi atingido com socos, mas principalmente com pontapés e por meio de instrumento não identificado. O uso de choque elétrico não foi descartado.
Segundo Massini, a coloração dos hematomas em Raul é contundente para estimar os dias em que a vítima foi torturada. “O laudo [cadavérico] traz detalhadamente a cor e o espectro das lesões, com os quais se pode detalhar a evolução regressiva delas. Ele tem lesões dos dias 6 e 7 de agosto e, por fim, do dia 11. Essas últimas, vermelhas [que são as mais recentes], em pontos diferentes, sinal de que, no dia [da morte], ele foi espancado e o legista detalhou isso no laudo”, informou.
Documentos a que a família teve acesso para compor o dossiê sobre o caso, entregue à CVE em 2013, mostram que o Exército enviou investigadores para interrogar Raul no Hospital do Exército dia 11 de agosto, o que pode explicar as lesões mais recentes no corpo da vítima. Oficialmente, o ativista morreu de infarto, o que, segundo Massini, pode ter sido decorrente do estresse.
Em nota, a família de Raul se disse “horrorizada” com a tortura dentro do Hospital do Exército. Ela cobra que o único coronel vivo envolvido no caso, José Antonio Nogueira Belham, que assina documento enviando os interrogadores ao HCE, esclareça lacunas do dossiê, como os sinais de tortura no corpo do ativista antes de ele chegar ao hospital, e revele a identidade dos torturadores.
A presidenta da Comissão Estadual da Verdade, Nadine Borges, além do comparecimento do coronel reformado Antonio Nogueira Belham à Comissão Nacional da Verdade, quer que o Exército entregue o prontuário de todos os ativistas que passaram pelo hospital, para esclarecer o papel da unidade de saúde, por onde passaram dezenas de presos políticos, no contexto da ditadura.
“Os relatos de tortura e de morte dentro da estrutura militar, mesmo que as Forças Armadas neguem, nós sabemos que ocorria. O que não sabíamos é que o Hospital Central do Exército servia para torturar e matar, sendo o caso do Raul o primeiro a ser revelado”, disse Nadine. “É chocante. Isso não acontece nem em guerra, mas na ditadura brasileira, aconteceu”, declarou
Para a família, a história de Raul Nin só será passada a limpo quando jornais também revisarem suas publicações. “Extrato de reportagem de O Globo diz que Raul era terrorista e foi hospitalizado por não se alimentar, quando, na verdade, ele tinha sido torturado a ponto de não aguentar mais e ser transferido para a ‘recuperação’ no HCE”, disse o sobrinho, Felipe Nin
Procurado pela reportagem, o Exército não comentou as revelações da CEV e do legista. O coronel reformado do exército José Antonio Nogueira Belham não foi localizado.
(Agência Brasil)
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Comissão da Verdade: militares alegam "erro histórico" para não falar
A imprensa teve que sair a pedido dos depoentes, mesmo assim eles não responderam nenhuma da perguntas dos membros da Comissão Nacional da Verdade.
Seriam ouvidos o general reformado Nilton de Albuquerque Cerqueira e os capitães Jacy e Jurandyr Ochsendorf, todos defendidos pelo advogado Rodrigo Roca, que orientou seus clientes a ficarem em silêncio.
“A questão não é colaborar, nem se defender. É evitar que erros históricos se repitam e acabem virando uma verdade”, disse o advogado, afirmando que a comissão foi induzida a um “erro histórico” ao divulgar uma foto do acidente em que morreu a estilista Zuzu Angel, na qual aparece o coronel Freddie Perdigão.
A imagem foi entregue à CNV pelo ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) Claudio Guerra. “Com esse engano, causou-se um transtorno muito grande, acredito eu, para os parentes e para os companheiros de farda [do coronel Perdigão]. Quem declarou isso a Vossa Excelência, ou se enganou, ou te enganou, que é pior ainda”, disse o advogado ao coordenador da CNV, Pedro Dallari.
Dallari classificou a justificativa de incoerente: “Se há erro, o erro só pode ser corrigido com depoimentos, com elementos e com documentos. Não com silêncio. A declaração de que [o convocado ou convidado] não vai se manifestar sobre um assunto não ajuda na investigação”, disse Dallari. Ele ressaltou que a foto do acidente foi recebida de uma testemunha de grande credibilidade, que participou ativamente dos eventos. “Não podemos aceitar que haja contestação das informações por quem se nega a prestar depoimento, porque aí seria uma inversão da própria lógica do processo de investigação.”
Apesar de lamentar, o coordenador da comissão, no entanto, minimizou: “É claro que, para a CNV, seria muito importante que houvesse mais colaboração, mas eu diria que já temos elementos suficientes. A fala deles era importante do ponto de vista do direito de defesa, de eles poderem apresentar a sua versão dos fatos. Para mim, essa estratégia pode fazer sentido juridicamente, embora, do ponto de vista da imagem, seja péssima, porque quem fala que não tem nada a declarar em geral é quem é culpado. Se eles fossem inocentes, apresentariam a sua versão dos fatos.”
O general Nilton Cerqueira comandava a Polícia Militar do Rio de Janeiro na época do atentado do Riocentro, em 1981, e há um ofício em seu nome que pede a retirada do policiamento no dia doshow em que ocorreria o atentado. Em outra audiência pública sobre o caso, a CNV apontou essa estratégia como uma das formas de contribuir com o clima de terror no episódio, em que a bomba acabou explodindo no carro com os militares dentro. A participação de Nilton também é apontada no Araguaia e na Operação Pajuçara, em que foi morto o líder militante Carlos Lamarca, na Bahia. “Ele esteve relacionado diretamente a esses eventos. É protagonista de eventos dramáticos da história do Brasil”.
Mais de dez perguntas foram feitas a Nilton, e nenhuma foi respondida. De acordo com a advogada Rosa Cardoso, integrante da CNV, ele disse apenas que pediu para os jornalista deixarem o salão porque “a imprensa distorce tudo” e afirmou “que era um absurdo a comissão investigar o fato 30 anos depois”.
Os irmãos Jacy e Jurandyr são apontados como participantes da farsa montada para sustentar a versão de que o deputado Rubens Paiva foi resgatado por guerrilheiros e fugiu, encobrindo o fato de ter sido torturado e morto.
“Estavam vinculados ao DOI-Codi e participaram diretamente da operação de simulação da fuga de Rubens Paiva. Depois, a comissão apurou que Rubens Paiva não fugiu, foi executado no DOI-Codi, e o que se fez foi forjar a fuga do parlamentar. Os capitães Jacy e Jurandyr tiveram participação direta no evento, como foi relatado por um colega deles.”
Antes do depoimento de Jurandyr, membros da CNV chegaram a insistir que ele falasse, e, se não fosse falar, que a imprensa pudesse acompanhar as perguntas. Em resposta, o militar respondeu apenas que “permaneceria calado” e que “preferia a ausência da imprensa”.
O jurista João Paulo Cavalcanti Filho, que pediu a permanência da imprensa, classificou a posição de uma “deselegância”, já que os jornalistas tiveram que sair do salão no início de cada depoimento. Cinegrafistas e fotógrafos foram impedidos pela segurança pela Polícia Federal de fazer imagens do embarque dos dois últimos depoentes, Jacy e Jurandyr, em carros no pátio interno do Arquivo Nacional.
Vinícius Lisboa – Repórter da Agência Brasil Edição: Nádia Franco
Caso Riocentro foi "ação articulada" do Estado
A Comissão Nacional da Verdade apresentou hoje (29) o relatório preliminar sobre o caso do Riocentro, em que um militar morreu na explosão de uma bomba dentro de um carro no estacionamento do complexo de eventos, que sediava um show que reuniu mais de 20 mil jovens em 30 de abril de 1981. Para o coordenador da CNV, Pedro Dallari, as conclusões deixam claro que autoridades militares recorreram a atentados como política de Estado e o do Riocentro foi uma “ação articulada” do Estado.
“Os documentos demonstram que esse atentado [do Riocentro] não foi obra de lunáticos nem de agentes que agiram por conta própria. Foi uma ação articulada do Estado brasileiro”, disse Dallari.”A mesma estrutura que nos anos 70 usou como política de Estado a tortura e o extermínio de pessoas, nos anos 80, patrocinou atentados a bomba. Foram pelo menos 40 nesse período. Número que mostra que havia uma estratégia política, que é uso desses atentados para inibir o processo de abertura política que começava a ocorrer no Brasil”, disse.
Em um período de 16 meses, entre 1980 e 1981, bombas explodiram em veículos de imprensa, livrarias, bancas de jornal, prédios públicos, escritórios de advogados que defendiam opositores do regime e até em comícios políticos.
O próprio show, que se repetiu em 1981 no Riocentro, já tinha sido alvo em 1980, quando um artefato foi detonado em uma loja que vendia ingressos.
Saiba Mais
MPF denuncia seis pessoas por atentado no Riocentro
No atentado do Riocentro, uma bomba explodiu prematuramente entre 21h15 e 21h20 no interior de um veículo Puma, matando o sargento Guilherme Pereira Rosário e o capitão Wilson Luiz Machado ficou gravemente ferido. O artefato seria instalado no pavilhão de eventos, onde ocorria o show com vários nomes da Música Popular Brasileira, organizado pelo Centro Brasileiro Democrático, entidade cultural ligada ao Partido Comunista Brasileiro e presidido pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Outra bomba explodiu na subestação elétrica do complexo, e mais duas bombas, que não foram confirmadas, foram citadas por testemunhas.
Os dois militares eram lotados no Destacamento de Operações de Informações (DOI) do 1º Exército e foram tratados como vítimas no primeiro Inquérito Policial Militar, aberto em 1981. Esse inquérito, como consta no relatório, foi acompanhado pelo Serviço Nacional de Inteligência. O primeiro encarregado pelo inquérito, o coronel Luiz Antônio do Prado Ribeiro, ao tomar providências para apurar o caso, sofreu pressões e foi substituído após 15 dias de investigação pelo coronel Job Lorena de Sant’Anna. No novo inquérito, aberto em 1999, Prado Ribeiro afirmou que foi pressionado a conduzir “direitinho” o IPM, inclusive com tentativas de influenciar sua linha de raciocínio.
As tentativas de inverter os fatos foram contadas também pelo ministro aposentado do Superior Tribunal Militar (STM) Júlio de Sá Bierrenbach, hoje com 94 anos. Quando o caso chegou ao STM, o almirante Bierrenbach se opôs ao arquivamento, pediu vista do processo e foi criticado publicamente pelos representantes do Exército que compunham o colegiado. “Eles escolheram a dedo em qual auditoria deveria cair, e não apuraram”, disse em um depoimento gravado em vídeo pela CNV. O magistrado disse que “o inquérito foi uma vergonha”. “O capitão [Machado] não foi ouvido nem como testemunha e acabou promovido e mandado para o Colégio Militar de Brasília. Com o ferimento que ele tinha, não seria promovido a major da ativa de jeito nenhum”.
Imprescritível
A comissão tentou convocar hoje o coronel reformado Wilson Luiz Machado, por meio da condução coercitiva, mas, ao chegar a sua casa, a Polícia Federal constatou que ele havia viajado. O general reformado Newton Cruz, ex-chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informações, também foi convocado a depor, mas alegou motivos médicos para não ir. Ele teria tomado conhecimento do plano antes de ser executado. Os dois estão entre os seis denunciados pelo Ministério Público Federal este ano. A punição ainda é discutida porque o caso ocorreu depois do período incluído na Lei da Anistia, que vai até 1979, e, como crime contra os direitos humanos, é imprescritível.
O relatório aponta a movimentação nos dias antes do atentado: um mês antes do show, o coronel Dickson Grael foi demitido da diretoria do Riocentro; um dia antes do show, o coronel do 18º Batalhão de Polícia Militar é substituído, e o policiamento do Riocentro é suspenso por ordem do comandante-geral da PMERJ, que estava em viagem a Brasília; horas antes da apresentação, a chefia de segurança do show é trocada, assumindo uma suposta agente do SNI, que determina o fechamento de 28 dos 30 portões do complexo de eventos antes do show.
“Seria uma tragédia de proporções catastróficas, com uma multidão de 20 mil jovens assistindo a um show com a explosão de bombas – uma explodiu prematuramente, outras que a gente investiga e que não explodiram, possivelmente sob o próprio palco do show, e uma na casa de força que chegou a explodir e não teve o efeito desejado de causar a queda de energia. Isso sem o policiamento da PM e com portões fechados por uma ordem daquele dia”, disse o delegado da Polícia Federal, Daniel Lerner, que é assessor da CNV
"O motorista de Juscelino foi baleado na cabeça"
A Comissão da Verdade Vladimir Herzog, da Câmara Municipal de São Paulo, apresentou hoje (10) relatório que contradiz a versão oficial da morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek, na qual consta que ele foi vítima de um acidente de carro. Segundo as investigações da comissão,
Juscelino foi vítima de uma conspiração durante o período da ditadura militar, e sua morte foi planejada. O ex-presidente morreu em um acidente no dia 22 de agosto de 1976, na Rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro.
Conforme o relatório sobre as circunstâncias da morte do ex-presidente, o motorista de Juscelino, Geraldo Ribeiro, estava debruçado, com a cabeça caída entre o volante e a porta do veículo, quando o carro perdeu o controle em uma curva e bateu na frente de uma carreta.
O relato foi feito pelo motorista aposentado Ademar Jahn, que conduzia um caminhão igual ao do amigo Ladislau Borges, no qual o carro bateu.
O acidente ocorreu cerca de três minutos depois que Juscelino e Ribeiro deixaram o Hotel-Fazenda Villa-Forte, do brigadeiro Newton Junqueira Villa-Forte, um dos criadores do Serviço Nacional de Informações (SNI), em Engenheiro Passos, Resende, no Rio de Janeiro.
O automóvel ia no sentido Rio de Janeiro, quando houve o acidente. Em depoimento na Comissão da Verdade, Josias Nunes de Oliveira, motorista do ônibus da Viação Cometa, que ultrapassou o Opala antes da batida, contou que, logo depois, o carro de Juscelino surgiu pela direita do ônibus, ultrapassando-o em velocidade excessiva e com manobra arriscada, descontrolado e desgovernado.
Além desses relatos, a Comissão da Verdade encontrou indícios de que os laudos de perícia do acidente e dos corpos das vítimas foram alterados. Um dos motivos pelos quais a comissão acredita nisso é o fato de o perito criminal Alberto Carlos de Minas ter dito que foi impedido por policiais e agentes de Estado de fotografar o crânio de Geraldo Ribeiro durante a exumação da ossada, em 14 de agosto de 1996.
O perito contou que viu um furo no crânio de Ribeiro, com características de perfuração por projétil, e que foi ameaçado para não vincular o acidente a um atentado político.
Prego do caixão
Há também relatos sobre um objeto metálico dentro do crânio, que os agentes disseram ser um prego do caixão.
O relatório mostra ainda que peritos foram substituídos, testemunhas sofreram ameaças e tentativas de suborno e que houve denúncias de que um tiro foi disparado de um automóvel emparelhou com o Opala.
De acordo com o relatório, testemunhas não foram procuradas para contribuir com as investigações na época e houve denúncia de que os telefones de Juscelino e de pessoas ligadas a ele estavam grampeados e, por isso, agentes do governo militar sabiam de todos os seus passos. Além disso, traz relatos da própria família do ex-presidente, que tinha informações sobre as suspeitas de assassinato.
O presidente da Comissão Municipal da Verdade, Gilberto Natalini, disse que o documento é oficial e será encaminhado às principais autoridades do país para que essa versão seja assumida como a verdadeira história do Brasil. “Se estiverem vivos, os que fizeram têm que ser punidos. Ninguém pode matar e ficar impune.
O crime prescreve com 20 anos, mas há alguns que defendemos que não seja assim, e esse foi um assassinato cruel de um dos presidentes da República mais queridos pelo povo.”
Natalini ressaltou que vários pontos do relatório são relevantes e indicam que o documento deve ser acatado pelas autoridades como a versão verdadeira da morte do ex-presidente. Entre esses pontos, ele destaca o depoimento do motorista que vinha atrás da carreta em que o carro bateu.
“Temos vários outros pontos relevantes, mas o orifício no crânio do motorista, que foi visto pelo perito, é importante; o fragmento de metal que estava no crânio ser descrito como prego do caixão. Como pode um prego ir parar dentro do crânio? Nós não acreditamos nisso. E [havia] toda a conjuntura política do Brasil, com Juscelino indo para uma candidatura indesejada por muitos.”
O vereador disse esperar que as autoridades entendam que o trabalho foi sério, porque a comissão enviará uma quantidade enorme de provas de tudo o que está escrito no relatório. O documento deve ser enviado para a presidenta Dilma Rousseff, entre outras autoridades.
“Vamos aguardar o relacionamento com as autoridades federais, que têm autoridade legal para fazer essa mudança. Nós temos autoridade moral pela forma como conduzimos a investigação”, concluiu Natalini.