Cláudia Viegas, AmbienteJÁ
O Livro Vermelho, que contém a lista de espécies da fauna ameaçadas de extinção no Rio Grande do Sul, conforme o Decreto Estadual 41.672, de 11 de junho de 2002, está passando por uma revisão que deverá ficar pronta em março ou abril do ano que vem. A informação é do biólogo Roberto Esser dos Reis, professor de Zoologia da PUCRS, que é responsável pela coordenação da revisão da parte de ictiologia (peixes) do livro. “Estamos começando agora esta revisão, a Sema [Secretaria Estadual do Meio Ambiente] designou uma comissão para revisar esta lista, ela coordena o trabalho geral. Mas ainda não disponibilizou recursos”, afirma o pesquisador.
De acordo com Reis, o processo de revisão, no que diz respeito à ictiologia, implica basicamente em reunir especialistas do interior do Estado do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina para a verificação de coleções e experiências, a fim de consolidar dados. Estudiosos desta área estão preocupados com sucessivos decretos assinados pela governadora do Estado nos quais ela suspende os efeitos do Decreto 41.672/2002, retirando da lista de ameaçadas as seguintes espécies de peixes: Salminus brasiliensis (Cuvier, 1816), conhecida como dourado; Pseudoplatysoma corruscans (Spix & Apagessix, 1829); e Pseudoplatysoma fasciatum (Linnaeus, 1776) estas duas últimas correspondentes a surubim.
O Decreto 45.480, publicado no Diário Oficial do Estado do RS em 14 de fevereiro de 2008, que retirou estas espécies da lista de ameaçadas, argumenta que o Código Estadual do Meio Ambiente (Lei 11.520/2000), em seu parágrafo único do artigo 169, determina a revisão da lista de espécies ameaçadas ou em situação crítica a cada dois anos e prevê a criação de uma comissão para realizar tal revisão. Este decreto, assim como o 45.768, publicado em 16 de julho para prorrogá-lo até janeiro de 2009, foram contestados na última reunião do Conselho Estadual do Meio Ambiente como sendo contrários ao princípio constitucional da precaução. Segundo o analista Marcelo Madeira, do Ibama RS, o órgão federal já enviou solicitação de informações à Sema RS sobre a justificativa dos decretos, mas não obteve resposta.
Em março deste ano, logo depois que foi editado o primeiro decreto, o qual alega expressivos prejuízos dos pescadores profissionais gaúchos, a Sociedade Brasileira de Ictiologia emitiu, em seu boletim número 90, um manifesto contrário à suspensão dos efeitos do Decreto 41.672/2002. A Lista das Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção no Rio Grande do Sul resultou de um grande esforço da comunidade científica gaúcha e representou uma iniciativa pioneira em relação aos demais estados brasileiros. A elaboração da lista envolveu a participação direta de 43 zoólogos, representando 20 instituições de pesquisa do Rio Grande do Sul (incluindo órgãos governamentais, universidades e ONGs), de outras regiões do país e do exterior, contando ainda com a participação de 128 colaboradores, diz o manifesto, cuja íntegra pode ser lida nas páginas 3 e 4 do boletim.
Roberto Reis assinala que é muito difícil a revisão da lista a cada dois anos e adverte que, mesmo sendo ela de 2002, estas três espécies de peixes retiradas pelos recentes decretos estaduais continuam em grau de vulnerabilidade. “Podemos dizer que elas estão sujeitas a algum risco de extinção em longo prazo”, nota. O especialista observa ainda que as espécies de surubim decretadas fora da lista de ameaçadas não são de interesse para a pesca, diferentemente do que afirma o Decreto 45.480/2008. Ele acredita que a medida do Governo do Estado seja motivada por interesses de pescadores não profissionais, que pescam por hobby.
A Fundação Zoobotânica do Estado (FZB/RS), por meio de sua Assessoria de Comunicação, informou que não havia representante seu na reunião do Consema de 18 de setembro último, quando foi denunciado o problema. Conforme a Assessoria, há um sistema de rodízio entre Fepam e FZB para assento no Consema e, segundo o atual regimento, é um representante da Fepam que esteve presente na ocasião.
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Brasil ignora perigos de agrotóxicos proibidos na Europa por mortandade de abelhas
Mariano Senna da Costa | Ambiente JÁ
Colaborou Carlos Matsubara
A guerra não declarada entre apicultores e gigantes dos agrotóxicos na Europa teve mais um round semana passada. Na quinta-feira (18/09), o Ministério da Saúde da Itália suspendeu a licença de quatro substâncias (Clotianidina, Imidaclopride, Tiametoxam e Fipronil) presentes em inseticidas para plantações de milho, colza e girassol. Elas são apontadas pela Federação Italiana de Apicultura como responsáveis pela morte em massa de abelhas verificada no início do ano.
As três primeiras pertencem ao mesmo grupo químico. O dos neonicotinóides, originados da molécula de nicotina. Foram desenvolvidos na década de 70 e considerados uma revolução, pois são biodegradáveis e menos tóxicos que outros para indicações similares. Entre agricultores, se apresentam mais notoriamente como os inseticidas “Poncho”, “Gaucho” e “Adante”.
Já Fipronil é o princípio ativo de uma vasta gama de pesticidas usados contra formigas, cupins, pulgas e até baratas. Comercialmente é encontrado com o nome “Regent”, “Termidor”, “MaxForce”, ou “Frontline”, entre outros.
Os quatro têm grande importância para três dos maiores fabricantes de agrotóxicos do mundo, BASF (Fipronil), Syngenta (Tametoxam) e Bayer (Clotianidina e Imidaclopride). As empresas não informam o faturamento por produto, mas sabe-se que só o Gaucho, feito à base de Imidacloripride, é vendido em 120 países, rendendo 600 milhões de Euros/ano para a Bayer CropScience, braço agroquímico da holding. Mas o aspecto econômico parece não fazer parte do conjunto de fatos, contradições e omissões que justificaram a decisão das autoridades italianas.
Incidentes
Não se trata de novidade. Em maio, o Poncho, também da Bayer CropScience, mas tendo Clotianidina como princípio ativo, provocou o colapso de mais de 11 mil colméias em pelo menos dois estados no Sul da Alemanha, sendo “suspenso” imediatamente pelo governo. A fabricante bota a culpa nos agricultores, alegando “erro na aplicação”.
Por ser um inseticida de “ação lenta”, a Clotianidina tem um efeito nefasto sobre as comunidades de insetos. As abelhas, por exemplo, não morrem de imediato ao entrarem em contato com a substância. Os indivíduos intoxicados conseguem, na maioria das vezes, retornar à colméia. Assim contaminam todo o grupo, causando o colapso das comunidades.
Mesmo assim, pressionado pelo agrobusiness, e sob ameaça de perda da safra, o governo alemão reautorizou, em agosto, o inseticida para a lavoura de colza. “Colocaremos avisos no produto com instruções claras para aplicação. Ao mesmo tempo faremos experimentos técnicos para garantir a segurança e efetividade do produto”, declara Dr. Hermann-Josef Baaken, “cabeça” de política corporativa e relações com a mídia (Head of Corporate Policy & Media Relations) da Bayer CropScience. Com esse argumento a empresa espera reautorizar o uso do Poncho para plantações de milho alemãs ainda no mês de outubro.
Dr. Baaken não nega que as abelhas tenham morrido por entrar em contato com o produto, mas insiste na tese do “incidente”. “Na cultura de milho o Poncho é indicado para tratamento de sementes, sem contato direto com o meio ambiente, como em pulverizações. É a primeira vez que isso acontece”, garante. O Poncho passou a ser usado no ano passado pelos subsidiados plantadores de milho, que há décadas não fazem rotação de culturas.
No início de setembro a Bayer CropScience lançou um comunicado oficial reafirmando a segurança da Clotianidina. “Todos os estudos de laboratório e em ambientes fechados confirmam claramente que a Clotianidina é segura para abelhas e pássaros quando usada para o tratamento de sementes”, traz o comunicado.
O texto ainda explica que no incidente na Alemanha “as sementes foram tratadas incorretamente”, permitindo que “partículas de poeira contendo o ingrediente ativo chegassem ao ambiente”. Além disso, o problema “apenas aconteceu porque o tempo extremamente seco, os ventos fortes e o tipo de equipamento utilizado pelos agricultores possibilitaram a contaminação”.
Contradições
O press release da Bayer esquece de mencionar que a Clotianidina não é usada apenas para tratamento de sementes. No Brasil, por exemplo, ela é a base do Zellus SC, um inseticida da Sumitomo Chemical, que compartilha a patente do princípio ativo com a Bayer. Indicado para combater o pulgão-do-algodoeiro, ele é pulverizado nas folhas dessa cultura. E o Zellus SC não é exceção. Segundo o Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários (Agrofit) do Ministério da Agricultura há outros com a mesma forma de aplicação em diferentes plantações.
Numa perspectiva mais abrangente, o fato é que acidentes, ou erros, com as quatro substâncias acontecem há muito mais tempo. Mesmo nos países com os melhores sistemas de controle sanitário do mundo. No início de 2004, o Gaucho, irmão mais velho do Poncho, e o Regent (Fipronil) da BASF foram proibidos na França acusados de causar uma queda de 60% na produção de mel. Os dois continuam proibidos lá, mas parece que quase ninguém lembra disso.
Em nível mundial, há anos estudos demonstram que há redução na população de abelhas em todo o mundo, e os poucos cientistas debruçados sobre o problema afirmam que ele está associado à agricultura industrial, especificamente ao uso intensivo de agrotóxicos.
Segurança ambiental
A “Coalizão contra os Perigos da Bayer” (CBG), uma rede de ativistas que há 30 anos monitora os “acidentes” envolvendo a empresa, está entre as que não esquecem, e não deixam esquecer. “O fenômeno também está acontecendo nos Estados Unidos, onde a Bayer luta para manter no mercado um dos seus principais produtos”, afirma Philipp Mimkes, da CBG na Alemanha.
Ele se indigna ao ser confrontado com a explicação da companhia para o problema, como que obrigado a dizer o óbvio: inseticidas matam insetos. “Você sempre tem resíduos de agrotóxicos nas áreas em que eles foram usados. Para esse grupo específico, há estudos mostrando que após quatro ou cinco anos eles ainda estão presentes. Não há como garantir a segurança ambiental do uso desses venenos”, completa Mimkes.
A CBG, inclusive, está processando o presidente da Bayer AG, Werner Wenning, por abuso do poder econômico e negligência. “Para liberar esses agrotóxicos a empresa apresentou estudos atribuindo baixa toxidade para abelhas, e mesmo depois de comprovado o contrário, continua utilizando seu poder para evitar sua proibição”, acusa o advogado da ONG, Harro Schultze. A Bayer AG é um gigante químico e farmacêutico mundial. Possui 106 mil funcionários nos cinco continentes, e com um capital de 42 bilhões de Euros.
Após a morte das abelhas em áreas próximas a plantações de milho, o Instituto Julius-Kühn, uma espécie de Embrapa da Alemanha, analisou as evidências e confirmou que a causa da morte das abelhas foi a Clotianidina encontrada no Poncho.
Desinformação
No Brasil, onde a Bayer CropScience é líder no mercado de inseticidas (44%), a mortandade de abelhas intriga mais pelo silêncio do que pelo barulho causado. “Não há motivos para alarmar os produtores brasileiros, pois o que ocorreu na Alemanha não está relacionado ao produto e sim a uma série de fatores”, responde a coordenação de comunicação da Bayer CropScience em São Paulo.
A posição das autoridades ambientais brasileiras parece corroborar com a versão da empresa. “Não temos nenhuma denúncia sobre mortandade de abelhas relacionadas a esses produtos”, informa a engenheira agrônoma Marisa Zerbetto, da Coordenação Geral de Avaliação e Controle de Substâncias Químicas do Ibama.
Ela explica que as denúncias, assim como a verificação dos casos, são responsabilidade das superintendências estaduais do órgão. E esse detalhe ajuda a explicar a ficha limpa dos inseticidas em solo tupiniquim.
Ainda nos primeiros dias de setembro mais uma mortandade de abelhas foi registrada no Norte do Rio Grande do Sul. Também não foi a primeira vez. Como em ocasiões anteriores, o uso de formicida era o principal suspeito de causar o problema.
A Emater/RS, que atendeu a emergência, informou não poder assegurar o motivo da morte das abelhas. A instituição não dispõe de equipamentos e técnicos para esse tipo de análise. Sem falar, que pela lei, esse papel é da superintendência regional do Ibama.
Mas se depender da estrutura do Ibama no RS esse tipo de incidente jamais será esclarecido. “Em algumas regiões, como na fronteira Oeste, temos apenas um biólogo para atender a todos os tipos de denúncia. Sem falar, que para casos envolvendo agrotóxicos as análises devem ser feitas em Brasília, sendo necessária, muitas vezes, a vinda de um técnico de lá”, justifica um funcionário da superintendência gaúcha.
Omissão
Em paralelo à precária estrutura, faltam informações sobre os perigos desses químicos para insetos benéficos e pássaros. São produtos usados em uma vasta gama de plantações, e com diversas formas de aplicação. A Imidacloripride, por exemplo, é indicada no site do Ministério da Agricultura para:
– Tratamento de sementes – plantações de algodão, amendoim, arroz, aveia, cevada, feijão, milho, soja e trigo.
– Pulverização foliar – plantações de abacaxi, abóbora, abobrinha, alface, algodão, alho, almeirão, batata, berinjela, brócolis, cebola, chicória, citros, couve, couve-flor, crisântemo, feijão, fumo, gérbera, jiló, melancia, melão, pepino, pimentão, poinsétia, repolho, soja e tomate.
– Tratamento do solo – plantações de cana-de-açúcar, café, fumo e uva.
– Aplicação no tronco de citros.
– Aplicação no controle de cupins, conforme aprovação em rótulo e bula.
Só alguns inseticidas feitos a partir da Imidacloripride, Clotianidina, Tiametoxam ou Fipronil trazem advertências sobre a toxidade para abelhas. No Agrofit uma das exceções é o Adante, feito à base de Tiametoxam.
“Este produto é ALTAMENTE TÓXICO para abelhas, podendo atingir outros insetos benéficos. Não aplique o produto no período de maior visitação das abelhas”, traz o campo “precauções de uso” do produto na página do Agrofit.
Ele é produzido e comercializado pela Syngenta, sendo uma das armas contra inimigos mortais das plantações de Soja, tais como a ferrugem asiática e a mosca branca.
De maneira geral, as quatro substâncias compartilham um receituário padrão. Indicações, precauções, advertências, acidentes e embalagens, além dos alertas de praxe. Coisa do tipo: “Preserve a Natureza.
Não utilize equipamento com vazamento. Não aplique o produto na presença de ventos fortes ou nas horas mais quentes”. Curiosamente, nenhuma das variantes do Gaucho, do Poncho, ou do Regent presentes no Agrofit trazem advertências sobre a toxidade para abelhas.
Links
– Sobre os efeitos da Clotianidina / Poncho (em inglês)
– Alemanha suspende autorização de agrotóxicos acusados de matarem abelhas (em alemão)
– Clotianidina é altamente tóxica para abelhas e polinizadores (em inglês)
– Corelações entre a morte de abelhas nos EUA e na Alemanha (em inglês)
– Presidente da Bayer é processado pela morte de abelhas (em inglês).