Feira do Livro: patrono editou livro que defende a ditadura

Airton Ortiz, anunciado a poucos dias como Patrono da Feira do Livro, editou em 1985, quando o Brasil ainda se debatia com a ditadura, um livro que defende o regime militar e seus métodos, inclusive a tortura.
O caso foi minimizado na matéria da Zero Hora, dado como um fato secundário de uma notícia mais importante: o lançamento de mais uma edição do livro Brasil, Sempre, do sargento reformado Marco Pollo Giordani ex -agente do Doi CODI.
Nada pessoal, mas do ponto de vista estritamente jornalístico o que interessa mesmo é essa informação, que estava submersa no tempo, e que poderia ter influido decisivamente na escolha do patrono da 60a. Feira do Livro de Porto Alegre, um dos maiores eventos culturais do país, criado e cevado nos cânones do humanismo.
Não vejo nada de errado num editor que faz um negócio para editar um livro assim, mas não votaria nele para patrono da feira.
Eis o que diz o Clic
Livro de agente do regime militar, “Brasil: Sempre” será relançado nesta sexta
Título foi editado originalmente em 1985 por Airton Ortiz, patrono da próxima Feira do Livro de Porto Alegre. Volume é assinado pelo sargento reformado Marco Pollo Giordani
por Alexandre Lucchese
22/09/2014 | 09h01
A capa da primeira edição de “Brasil: Sempre” (centro) estampava uma provocação ao fazer uso do mesmo projeto gráfico de “Brasil: Nunca Mais” (esquerda). Nova edição (direita) foi ampliada.Foto: Reprodução / Divulgação
No ano em que o golpe de 1964 completa cinco décadas, o mercado editorial brasileiro recebeu uma profusão de títulos que tentam analisar o regime militar no país. Nesta sexta-feira, um dos livros que mais causaram polêmica sobre o tema no Estado ganha uma nova edição, com sessão de autógrafos na Livraria Cultura, em Porto Alegre, às 19h.
Lançado originalmente em 1986, Brasil: Sempre, do então sargento Marco Pollo Giordani, tentava rebater as denúncias de arbitrariedades das Forças Armadas no regime militar. O volume ganhou as livrarias pelas mãos de um ilustre personagem da 60ª Feira do Livro de Porto Alegre. Airton Ortiz, patrono do evento, foi o responsável pela primeira edição do livro quando dirigia a extinta editora Tchê!.
– O primeiro editor que procurei foi o Ortiz. Ele abraçou o projeto. Eu jamais esperava isso, pois a Tchê! era considerada de esquerda, mas negócios são negócios – conta Giordani.
O título do livro era uma provocação a Brasil: Nunca Mais, volume lançado pela editora Vozes em 1985 e considerado um marco na divulgação de documentos de denúncia sobre o regime militar. Por sua vez, Brasil: Sempre buscava apresentar o perigo dos movimentos considerados subversivos e divulgava uma lista com supostas vítimas de ações terroristas.
– Não posso analisar só um lado da questão, mas minha ideologia é clara, fui um homem do regime – destaca o autor, que foi agente do DOI-Codi.
Ortiz diz não se arrepender de ter aberto as portas da Tchê! para um título identificado com a ditadura:
– Giordani era agente da ditadura militar, mas, por um problema médico, foi afastado e ficou brabo com o Exército. No livro, tornou públicos relatórios e formulários que os agentes da época faziam. Publiquei o volume para divulgar documentos que explicavam os processos que o Exército usava para prender e torturar dissidentes políticos.
Brasil: Sempre vendeu cerca de 20 mil exemplares, uma cifra expressiva para o mercado editorial da época. Mas Ortiz afirma que não topou a edição por critérios comerciais:
– Não achava que seria um sucesso, porque a direita não lê. Minha intenção era divulgar documentos. Era uma época de caça a documentos da ditadura, foi o que moveu a publicação do livro. Todo o catálogo da Tchê! era de esquerda, não havia como a editora ser estigmatizada como direitista.
A lista de vítimas dos subversivos rendeu problemas a Giordani. Em reportagem de ZH por ocasião do lançamento, em agosto de 1986, o militante dos direitos humanos Jair Krischke provocou o autor a apresentar o responsável por um dos homicídios citados. A provocação repercutiu, e Giordani acabou preso por 10 dias no 3º Batalhão da Polícia do Exército por razão de ordem disciplinar, uma vez que se manifestou sobre assuntos sigilosos.
Marco Cena Lopes, presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, afirmou desconhecer a publicação, mas considera que o envolvimento de Ortiz não prejudica a imagem do patrono:
– Não será uma publicação que vai comprometer toda a carreira literária do Ortiz, ainda mais um livro que nem é assinado por ele, não sendo uma expressão de seu próprio pensamento.
A segunda edição de Brasil: Sempre foi editada de modo independente e conta com novos textos de Giordani – incluindo manifestações de apoio aos métodos de tortura usados no regime militar.
– A própria CIA reconheceu que chegou ao Bin Laden através da tortura. Você não pode dar uma aspirina contra um câncer, não vai resolver. Sem isso (a tortura), estaríamos igual à Colômbia – afirmou o autor.
“Brasil: Nunca Mais”: marco nas denúncias
Viúva de um militante preso pela ditadura militar, Suzana Lisboa luta para mudar o registro de óbito do marido, que aponta que ele teria se suicidado. Luiz Eurico Lisboa, irmão do músico Nei Lisboa, desapareceu em 1972, mas só teve seu corpo localizado em 1979. O caso é um dos tantos documentados em Brasil: Nunca Mais, livro assinado por Dom Paulo Evaristo Arns, pelo rabino Henry Sobel e pelo pastor presbiteriano Jaime Wright. Um marco na denúncia dos excessos da ditadura, o projeto apoiado pelo Conselho Mundial de Igrejas expôs documentos do regime militar e alcançou grande repercussão na época de seu lançamento, em 1985. Ganhou sucessivas reedições – e uma resposta editorial como Brasil: Sempre.
– Brasil: Nunca Mais divulgava pela primeira vez uma infinidade de autos de processos. Não eram mais suposições: eram fatos – diz Suzana. (Elmar Bones)

Feira do Livro de Porto Alegre ganha apoio inédito do BNDES

A tradicional Feira do Livro de Porto Alegre, que fará sua 60ª edição em 2014,  foi um dos 21 projetos culturais escolhidos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para serem patrocinados entre setembro de 2014 e fevereiro de 2015. No Estado, a Mostra Internacional de Música das Missões também foi selecionada.
A Feira do Livro é um dos cinco projetos de literatura selecionados, além de oito projetos de cinema, sete de música e 1 de dança. Em sua maioria são festivais, mostras, feiras e eventos similares.
O banco patrocina pela primeira vez este ano dois eventos do ramo editorial: a IX Bienal do Livro do Ceará e a 60ª Feira do Livro de Porto Alegre. Também terão apoio do BNDES o Fórum das Letras de Ouro Preto (MG), a FLUPP – Festa Literária das Periferias, no Rio de Janeiro, e a Primavera dos Livros, em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Salvador.
Missões: música e patrimônio cultural
Na música, os projetos contemplados priorizaram associações entre música e patrimônio histórico. É o caso da Mostra Internacional de Música das Missões, que aproveita o cenário das missões jesuíticas, declaradas patrimônio cultural da humanidade. Os outros foram o Festival de Música Antiga de Diamantina, na cidade histórica mineira; do Virtuosi 2014, realizado em Olinda (PE), Recife (PE) e João Pessoa (PB).
No cinema, destacam-se festivais tradicionais, como a Mostra de Cinema de São Paulo (38ª edição), o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (47º edição) e o Festival do Rio (desde 1999), e também iniciativas mais regionais, como o 7º Cine-fest Brasil-Canudos, que leva cinema à cidade do interior baiano, e o Fest Cine Amazônia, realizado há mais de 10 anos em Porto Velho (RO).
O projeto de dança escolhido foi o programa dos 25 anos do Balé Teatro Guaíra, que completa 45 anos em 2014 com a proposta de uma série de espetáculos convidando cinco companhias de dança nacionais e percorrendo seis cidades (Curitiba, Manaus, Salvador, Belo Horizonte, Niterói e São Paulo).

Mídia: Ariano bom é Ariano morto

Morreu Ariano Suassuna e foi uma justa comoção nacional.
Menino órfão que venceu as cruezas do sertão, grande escritor, pensador, agitador, um gênio.
Faltou dizer que enquanto vivo, o gênio e o espírito de Suassuna foram incômodos.
Ele pregava contra a massificação, contra o lixo cultural que nos impingem os grandes esquemas midiáticos, questionava a globalização que avassala as identidades.
Os meios massivos queriam sua obra de artista embebida na cultura popular, mas não queriam seu discurso de ativista defensor da diversidade e da identidade nacional.
Tratado como passadista, tinha pouco espaço na grande mídia.
Um caso exemplar:
Em 2008, a Camara Riograndense do Livro escolheu Pernambuco como o Estado a ser homenageado na tradicional Feira do Livro de Porto Alegre. Suassuna era secretário de cultura do governo pernambucano, compareceu à Feira, acompanhado de 22 editores e escritores pernambucanos.
Não mereceram a mínima atenção da mídia local.
Na noite do dia 1 de  novembro, ele deu uma  magistral aula-espetáculo  no cais do Porto. Confessou sua admiração pelo Rio Grande do Sul,  sua dívida para com Simões Lopes Neto, contou causos, apresentou grupos de dança e música. Foi aplaudido entusiasticamente  por mais de mil pessoas.
Cobertura mínima, para registrar o fato.
Como retribuição, Suassuna escolheu o Rio Grande do Sul como  Estado homenageado na feira do livro do Recife, no ano seguinte.
O governo do Estado embromou até a última hora, quando disse que não mandaria ninguém por falta de verbas. Foram três representantes da Câmara do Livro livrar a cara dos gaúchos…
Viva Suassuna!
(E.B.)
 
 

Respeito à biografia de Mario Quintana

Carlos Alberto de Souza, jornalista |

O 2013 não pode, por questão de justiça, cerrar suas pesadas portas sem que se conteste publicamente uma ofensa perpetrada contra a biografia e a memória de Mario Quintana. A afronta foi cometida por um doutor em Literatura e, lamentavelmente, contou com a conivência da intelectualidade gaúcha, que se omitiu e silenciou diante do fato.
Com todos os méritos do título, o doutor em questão é o professor Luís Augusto Fischer. Em declaração de rara infelicidade, em entrevista concedida ao caderno Cultura de Zero Hora de 12 de outubro passado, na condição de patrono da Feira do Livro de Porto Alegre que se iniciaria a 1º de novembro, ele disse que Erico Verissimo, Cyro Martins e Dyonelio Machado não eram habitués da Feira e que Quintana a frequentava “porque ele nos últimos anos era um velhinho folclórico, e havia trabalhado ali no Correio do Povo, morava no Centro…”
Fischer, nessa sua resposta, sustenta que “a intelectualidade”, “os escritores mesmo”, como o triunvirato citado, não eram atraídos pela Feira, que reunia “jornalistas, professores”.
Referir-se a Mario Quintana como um “velhinho folclórico” é revelar um juízo distorcido da figura do poeta, além de menosprezar e desrespeitar sua história de vida. Imaginei que o disparate seria alvo de imediata refutação por algum integrante da intelectualidade, mas nenhuma voz se levantou por Quintana que, morto em 1994, aos 87 anos, não pode se defender.
Tentei expressar em Zero Hora, por meio de artigo, o sentimento de repulsa que manifesto aqui, mas a contradita não foi acolhida pelo jornal que veiculou a gafe. Além da busca do desagravo, creio que o reparo se impõe, entre outras razões, para que a opinião de Fischer não transite como uma verdade inconteste e eventualmente seja absorvida por um desavisado pesquisador do mundo acadêmico. Afinal, a pecha foi lançada por um especialista.
Por ironia, não houve escritor mais identificado com a Feira do Livro do que Mario Quintana, que viveu com graça, encantamento, simplicidade e dignidade. Não por acaso, ele está eternizado em bronze na Praça da Alfândega, Centro de Porto Alegre, ao lado da estátua de Drummond.
Dois gigantes. Patrono da Feira em 1985, Quintana foi sempre uma espécie de atração extra do evento, caminhando entre as bancas ou sentado num dos bancos da praça. Não são poucas as pessoas que guardam com imenso carinho um livro autografado por ele, com dedicatórias poéticas e bem-humoradas.
Certamente, Quintana frequentou a Feira, criada em 1955 – quando Fischer ainda não havia nascido -, desde sempre. Na primeira edição, o poeta tinha 49 anos e já trabalhava havia dois anos no Correio do Povo. O evento concentrava três de suas paixões: a rua (“Olho o mapa da cidade como quem examinasse a anatomia de um corpo…”), a praça e a literatura. Não é demais lembrar que, além de consagrar-se na arte da poesia, ele marcou no país como tradutor, vertendo, para a lendária Editora Globo, nomes como Marcel Proust, Virginia Woolf, Aldous Huxley, Guy de Maupassant.
A que atribuir o deslize que sugere a existência de um Quintana inconsequente, vazio, indigno de ser levado a sério quando “velhinho”, pois, afinal, são essas as características de um sujeito dito “folclórico”? Para deixar barato, digamos que ao paradoxo, uma vez que na sua atividade Fischer mostra zelo pelas coisas de valor do passado, sendo um profundo e respeitado estudioso da obra de Simões Lopes Neto, um dos maiores nomes da literatura rio-grandense, por exemplo.
Até por essa razão é que o epíteto aplicado ao poeta choca e causa perplexidade. Mario Quintana, um “velhinho folclórico”?! Por favor, professor…