SILVANA ASSUMPÇÃO*
É imprescindível, para quem não fez isso na hora pela TV, assistir ao vídeo da entrevista com Dilma Rousseff no Bom Dia Brasil, dia 27/9. Foi um (mais um) espetáculo deplorável da miséria intelectual dos jornalistas da Globo e, sobretudo, de sua falta de educação para com a presidente da República – que aliás deu brilhante volta na determinação deles de desqualificá-la.
Ressalto, de saída, a grosseria de Miriam Leitão, que já começou cumprimentando secamente a entrevistada com um “olá”, como faria com uma vizinha não muito apreciada que encontrasse no elevador. Uma entrevista jornalística exige certa formalidade, especialmente se feita com um/a chefe de Estado e pela TV, para milhões de espectadores. Mas Miriam deu-se até mesmo à liberdade de dizer na lata para a presidente Dilma, ao fim de uma resposta desta, que o argumento dela “não fazia sentido”; desferiu assim de chofre um juízo de valor sobre o raciocínio da interlocutora. Dilma acabava então de expor seus argumentos para sustentar o tom que vem adotando contra Marina em sua campanha (e com o qual, de resto, eu também não tenho concordado, mas gostei muito de ouvir o ponto de vista da presidente e jamais o desqualificaria como fez a jornalista).
Uma boa entrevista é aquela que, com perguntas bem colocadas, leva a pessoa que responde a se contradizer, se for o caso, a ir mais longe do que pretenderia e a se revelar mais do que gostaria. Um bom jornalista sempre procura tirar mais do entrevistado do que este estaria disposto a dizer, mas faz isso sem extrapolar os limites de seu papel como entrevistador, proferindo julgamentos sobre as respostas recebidas.
Existem os espaços adequados para o jornalista manifestar sua opinião – no texto de abertura da entrevista, seja impresso ou falado, ele pode dizer, por exemplo, que o entrevistado titubeou, se contradisse, se irritou, fugiu da resposta, ficou nervoso etc, fazer enfim as observações que achar pertinentes. Mas agir como agiu Miriam Leitão, cara a cara com a presidente, foi de suma petulância e grosseria, a antítese do que seria uma postura profissional correta. A jornalista assumiu-se como se estivesse ali para “debater com” e não para entrevistar a convidada do programa, o que significaria em primeiro lugar ouvi-la sem a destratar.
Miriam inclusive tem espaços de sobra para manifestar suas opiniões, em sua coluna impressa e programas de rádio e TV, muito frequentados por quem tem estômago para suportar sua indigência intelectual, suas análises pífias, seus lugares comuns sobre economia. Só continua a haver tão pouco entendimento no Brasil sobre a crise econômica global porque predomina entre os chamados formadores de opinião, sobretudo entre os jornalistas pretensamente “especializados”, a recusa mais obstinada a enxergar o que está diante de todos os olhos. Tais “especialistas” continuam a exercer sua pseudocrítica refugiando-se na operacionalidade dos movimentos diários da economia e das finanças, sempre dispostos a transformar o discurso sobre a crise numa cantilena redutora, repetindo o blá-blá-blá dos “consultores de prontidão” sobre os “humores” do mercado e outras baboseiras. Com suas “análises”, a jornalista tentou vir pra cima da presidente com a tese ridícula de que a economia mundial vai muito bem (!), e só mesmo o Brasil, por culpa do governo dela, enfrenta problemas de crescimento!
Eu sempre considerei a presidente Dilma péssima de comunicação, confusa e truncada em suas falas, e tenho também muitas críticas ao governo do PT. Mas nessa entrevista a presidente se mostrou melhor articulada do que nunca e deu um banho de conhecimento da situação real do Brasil e do mundo nos jornalistas ali postados para bombardeá-la. Dilma argumentou muito bem, brigou pelo espaço, interrompeu as perguntas capciosas tanto quanto os jornalistas tentaram interromper suas respostas, e nesse sentido a entrevista afinal funcionou otimamente. A presidente se expôs mais, inclusive seu lado mais briguento e impositivo, falou mais e melhor do que em qualquer outra entrevista ou debate que eu tenha visto, e no meu entender sua imagem só se engrandeceu. O tiro da Globo saiu pela culatra (mais um).
A entrevista: http://globotv.globo.com/rede-globo/bom-dia-brasil/t/edicoes/v/bom-dia-brasil-entrevista-dilma-rousseff-primeiro-bloco/3645043/
* Jornalista
Tag: Globo
O elefante e os que não enxergam
Destaco três fatos do noticiário que nos assola:
-o reconhecimento da Globo de que errou ao apoiar o golpe militar de 1964;
-o controle da natalidade que o povo (os mais pobres principalmente) está fazendo espontaneamente;
-a extinção da votação secreta nos parlamentos, aprovada pela Câmara Federal.
São três fatos que indicam um momento de ruptura – um tempo ficou velho, um novo tempo já foi inaugurado. Que tempo é esse?
Diante dessa pergunta, me sinto como um aqueles cegos da piada, que apalpam um elefante. Sei que o negócio é grande, não sei se é um prédio, uma ponte ou uma mangueira que respira.