Símbolos da riqueza antiga

O otimismo dos primeiros folhetos distribuídos à imprensa previa quatro anos para  a conclusão do Projeto Monumenta em Porto Alegre.
Oito anos depois, em novembro de 2010, a coordenadora dos trabalhos, arquiteta Briane Bicca, evita fazer previsões.
“Restauração é uma caixinha de surpresa”, diz ela. “Você começa, mas não sabe o que vai encontrar pela frente”.
O Monumenta, em todo caso, é uma  realidade em Porto Alegre e, mesmo antes de concluído,  pode ser considerado o maior projeto de restauração do patrimônio histórico já feito na cidade.
Dos oito prédios públicos arrolados no projeto, seis estão prontos, além de 12 edifícios privados.
No total, serão R$ 22 milhões aplicados na restauração de edifícios e espaços públicos no centro histórico da cidade. Vai a mais de mil o número de pessoas envolvidas no conjunto de projetos.
Obra retomada
Os dois prédios que faltam são a Igreja das Dores, na rua da Praia, e a Pinacoteca Municipal Rubem Berta, na Riachuelo.  A obra da igreja esteve interditada por cinco meses, agora foi retomada.
A restauração da Pinacoteca Municipal é a mais atrasada e um bom exemplo das surpresas que podem surgir. Nos oito meses previstos para a conclusão, a empresa contratada em licitação não conseguiu ir além de 20 por cento da obra.
O contrato foi rompido, uma nova licitação está aberta. Deve levar mais uns oito meses até escolher a nova empresa, depois mais três meses para assinatura dos papéis e, aí, começar a fazer os 80% da obra que faltam. Ou seja: mais uns dois anos.
Nos dois espaços públicos que integram o projeto – Praça da Alfândega e Praça da Matriz – a situação é diferente. A obra na Praça da Matriz, que envolve também a rua da Ladeira (General Câmara) não tem previsão. Teve problemas com a licitação, provavelmente vai ficar para outra etapa.
A obra na Praça da Alfândega é a mais complexa. Além de reconstituir o aspecto da praça dos anos 1940, quando ela se consolidou como um espaço de convivência, como “o passeio da cidade”, a restauração inclui o quarteirão da avenida Sepúlveda, que liga a praça ao porto.
Outro exemplo das surpresas: quando foi retirada a capa de asfalto da avenida Sepúlveda, verificou-se que os canos que drenam á água da chuva para o rio não existiam mais. Cabe ao Departamento de Esgotos Pluviais decidir sobre a nova canalização.
O DEP abriu uma licitação para contratar a empresa para fazer a drenagem. Espera-se que no inicio de dezembro seja  escolhida a empresa. Aí, se tudo der certo, tem mais quatro meses da obra.
Fora os imprevistos, a obra na praça tem particularidades que tornam lento o seu andamento. Por exemplo: o meio fio dos canteiros é de granito róseo. No Rio Grande do Sul, só tem uma jazida de onde o Ibama permite a retirada desse granito. “Tem que entrar na fila para conseguir”, diz a coordenadora.
A rede elétrica tem que ser toda refeita porque vai duplicar o número de pontos de luz na praça. A restauração das luminárias antigas foi demorada. São mais de 50 luminárias de cinco ou seis modelos diferentes, que já não são mais fabricados.
A parte mais demorada ainda nem começou. É o calçamento de pedras portuguesas ao redor da praça, a chamada “calçada Copacabana”. As pedras brancas são de mármore, as escuras, granito. Já está contratada uma empresa de Curitiba para o serviço.
O que mais retardou a obra, no entanto, foi a polêmica em torno das figueiras, que deveriam ser retiradas segundo os autores do projeto.
Foram mais de quatro anos de discussões e reuniões com todos os órgãos envolvidos – Iphan, Iphae, Secretarias de Planejamento, Meio Ambiente, Obras, EPTC – até convencer a todos da necessidade de retirar as figueiras (ficcus).
Só para a  Secretaria de Meio Ambiente foram cinco apresentações. “Foi tudo decisão coletiva, temos laudo com dez pessoas assinando”, diz a coordenadora.

Biblioteca Pública / Elevador
Biblioteca Pública / Elevador

Segundo ela, as figueiras ficaram enormes, fechavam um lado da praça, que ficava sempre frio, úmido. Estavam prejudicando os jacarandás que são o símbolo da praça, já tortos, as raízes destruíam os meios-fios. “Quem plantou aquelas árvores ali não levou em conta que elas crescem sem parar”, diz a arquiteta.
Ela prevê, sempre com alguma reserva, que na próxima Feira do Livro a praça já estará pronta.
A arquitetura de um Estado rico
Os prédios selecionados para o Monumenta em Porto Alegre foram todos construídos nas primeiras décadas do século 20, quando era forte a influência positivista, bastante visível na arquitetura dos edifícios públicos.
Era o governo  Borges de Medeiros ( 1903/1928), num período de alta prosperidade para o Rio Grande do Sul, que ainda rivalizava com São Paulo em poderio econômico.
Essa prosperidade se refletiu em grandes mudanças na fisionomia da capital, com o surgimento de um conjunto de prédios monumentais que se completou até os anos de 1940 e que ainda hoje dominam a paisagem do centro histórico.
Pistas para os historiadores
As primeiras escavações junto à praça, feitas em 2007, encontraram sinais do primeiro ancoradouro, prova de que antes do aterro, a margem do Guaíba vinha até a rua da Praia.
Havia um trapiche, entre duas escadarias, na posição onde está a avenida Sepúlveda. As escadarias ainda existiam em 1870, quando D. Pedro II veio a Porto Alegre assinar o armistício da Guerra do Paraguai.
Os arqueólogos encontraram também as fundações da antiga Alfândega. Era um prédio comprido, com um pátio interno e uma fonte. Nas escavações foram também encontrados objetos – moedas, louças, utensílios – que são pistas para reconstituições históricas.
Café, sorveteria e posto policial
O projeto da Praça da Alfândega contempla também uma melhoria na parte de serviços ao público.
Na lateral, junto ao muro da Caixa Econômica Federal será construída uma estrutura para comércio e serviços – café, sorveteria, engraxates, floristas, posto policial e duas bancas de revista, uma em cada extremidade.
“Vai animar aquele espaço ali, tapando o muro”, diz a coordenadora.
No fundo, sem aparecer, dois sanitários. Os artesãos também saem da calçada da Sete de Setembro.
A intenção segundo a arquiteta Briane Bicca, é fazer com que a Praça da Alfândega volte a ser “o passeio da cidade”.
Um fundo permanente para conservação do patrimônio
Além dos prédios e espaços públicos, o Monumenta já restaurou 12 prédios privados que constavam do inventário do patrimônio histórico de Porto Alegre.
De um total de 140 imóveis arrolados pelo patrimônio histórico, 40 foram selecionados e seus proprietários receberam proposta para entrar no projeto Monumenta, com financiamento do governo federal para o restauro.
Desses, 12 aderiram e os prédios já foram restaurados. A coordenadora do Monumenta em Porto Alegre, acredita que outros dez prédios poderão ser incluídos no projeto.
Diante dos resultados dos primeiros, muitos proprietários estão aceitando entrar. Dos edifícios privados já restaurados, os mais conhecidos são o Clube do Comércio e a Catedral Anglicana, ambos na rua da Praia.
Além dos dois foram restaurados dois sobrados na rua da Praia, a “casa cor de rosa” na Riachuelo, uma casa na Demétrio Ribeiro.
Os proprietários recebem financiamento da Caixa Federal e a coordenadora acalenta o plano de formar com esses recursos um fundo permanente para restauração de imóveis de valor histórico na cidade.
Financiamento internacional
O Monumenta é um programa do Ministério da Cultura, para recuperação do patrimônio histórico em 26 cidades brasileiras.
Reconhecido pela Unesco, conta com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para os projetos e as obras.
Esses recursos cobrem 70% dos custos, sendo os 30% restantes contrapartida do Estado ou Município, conforme o caso.
Restaurações já concluídas
*Pórtico Cais Mauá
*Biblioteca Pública
*Museu de Arte do RS (Margs)
*Memorial do RS
*Museu da Comunicação Hipólito da Costa
*Palácio Piratini
*Mais 12 imóveis privados
Em  Obras:
*Igreja das Dores
*Pinacoteca Municipal
*Praça da Alfândega
 
Reportagem publicada no JÀ Bomfim/Moinhos, ed. dezembro.