Por Elmar Bones
Com a mudança da lei, aprovada por Tarso Genro, o terreno foi finalmente arrematado pela construtora Titton Brugger & Cia. Em novembro de 2003 a empresa entrou com um projeto para a área, assinado pelo arquiteto Jorge Debiagi: uma plataforma de 34,5 mil metros quadrados, com garagens para 1.150 vagas embaixo e edifícios em cima.
Projeto de 2003
Documento de 2003
Os prédios teriam altura máxima de oito pavimentos em edifícios escalonados, com a altura média de quatro andares. Seriam cinco prédios destinados a atividades comerciais e de serviços – lojas, hotéis, clínicas, escritórios
O projeto, que não previa habitações, se completaria com uma esplanada pública, trapiche, restaurantes, bares, espaços para entretenimento, comércio varejista, lojas de conveniência, danceterias, e serviços, com acesso de veículos por via interna.
Por razões que não se conseguiu esclarecer, o empreendedor pagou as duas primeira parcelas do terreno, mas em seguida desistiu do projeto. E tudo voltou à estaca zero.
O terreno só seria vendido novamente em março de 2005, no quinto leilão.
Projeto foi levado a Fogaça em 2006
Nota do Jornal do Comércio no dia 8 de maio de 2006: “Empresa quer urbanizar área do Estaleiro Só”. O texto informa que o prefeito Fogaça recebeu o “diretor presidente da SVB Participações e Empreendimentos, Saul Veras Boff, o diretor do Grupo Maggi, Fischel Baril e o arquiteto Jorge Debiagi” que apresentaram um esboço do projeto para o terreno que a SVB havia adquirido em leilão, um ano antes.
“O passo seguinte será convencer os vereadores de Porto Alegre a alterar a lei”, diz a nota. O arquiteto Debiagi disse ao jornal que a iniciativa teria que ser do prefeito, a quem caberia encaminhar um projeto para alterar a lei, desta vez para permitir prédios residenciais na área.
No dia 13 de setembro, a SVB pede à Secretaria do Planejamento “diretrizes urbanísticas para a área do Estaleiro”, alegando “necessidade de ajustes legais”. Diz que “por questões de caráter econômico, urbanístico e também de segurança, o Pontal do Estaleiro somente será viabilizado se for contemplada a construção de edifícios residenciais formando uma região de uso misto em que os equipamentos de infra-estrututra obtenham seu pleno uso como atividades que contribuam para a criação de um ambiente saudável e seguro”.
Dois dias depois, a Secretária Executiva da Cauge*, arquiteta Liamara Nique Liberman distribui um expediente às diversas secretarias que integram a comissão. Explica que “é solicitado diretrizes para o empreendimento” e lembra que incide sobre a área a Lei Complementar 270, “que através de um projeto de lei deverá ser alterada”
Diz ainda: “Deverão ser definidas quais diretrizes deverão constar no projeto de lei , para dar respaldo legal à aprovação de empreendimento na referida área”. Menciona reunião ocorrida na Secretaria Municipal de Gestão e Acompanhamento Estratégicos com técnicos do Planejamento, Meio Ambiente e Procuradoria Geral do Municipio na qual “ficou acordado que o referido expediente tramitaria com prioridade face necessidade de elaboração do projeto de lei com posterior aprovação da Câmara de Vereadores”.
Diz que a data de uma reunião final “será discutida com todos na reunião da Cauge de 21 de setembro de 2006, estando a principio comprometido o município com o prazo de metade de outubro”.
Setembro de 2006
No dia 10 de outubro de 2006, é emitido o parecer da SPM assinado por quatro arquitetos (Antonio Carlos Selmo, Antonio Luis Gomes Pinto, Marcelo Allet) e um engenheiro (Elisabeth Katter Hack), dizendo que “no entanto fazem-se necessárias modificações na lei, tendo por finalidade atingir os objetivos citados de através da sustentabilidade econômica do empreendimento”.
Parecer de Novembro de 2006
O parecer elenca os itens a serem incluídos na proposta de modificação da Lei, os mesmos itens que iriam, depois, integrar o projeto apresentado pelos vereadores em abril de 2008.
Todos os outros pareceres favoráveis são emitido no mesmo dia, considerando viáveis as mudanças propostas. A única ressalva é feita pelo urbanista Julio Miranda, da Secretaria Municipal dos Transportes, lembrando que “o empreendimento proposto possui forte poder de atração de viagens e pretende instalar-se em área crítica da cidade, com intenso crescimento do fluxo de veículos e com redução paulatina da fluidez e da segurança viária…destas vias que constituem se gargalos de circulação e pontos de risco para pedestres e condutores”.
*Cauge: Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento, formada por técnicos de diversas secretarias.
PONTAL DO ESTALEIRO (1) – Uma lei sob medida
PONTAL DO ESTALEIRO (2) – Na origem, uma área pública
PONTAL DO ESTALEIRO (3) – Em nome dos trabalhadores, muda-se a lei
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PONTAL DO ESTALEIRO (3) – Em nome dos trabalhadores, muda-se a lei
Um novo pedido para alterar o regime urbanístico na área do Estaleiro Só foi encaminhado à Secretaria do Planejamento, em julho do ano 2000.
Desta vez, além do arquiteto Jorge Debiagi, assinam o requerimento dois escritórios de advocacia que defendem ex-funcionários do estaleiro – “Woida, Forbrig, Magnago & Advogados Associados” e “Genro, Camargo Coelho, Maineri & Advogados Associados”, este tendo ainda como sócio-fundador o então candidato a prefeito Tarso Genro, hoje ministro da Justiça.
Eles apresentam uma “sugestão de regime urbanístico” para a área, alegando que “o terreno constitui o único bem que possibilita o recebimento dos direitos trabalhistas dos ex-empregados do Estaleiro, cujos processos se encontram em fase de execução de sentença e nos quais foi penhorado o imóvel em que se encontra a sede da empresa”.
Estimam a indenização devida aos trabalhadores em R$ 9,2 milhões e explicam que os créditos trabalhistas tem “inconteste caráter alimentar envolvendo direitos de quase 400 trabalhadores muitos dos quais desempregados, e suas familias”. E que “a não consideração deste dado para efeitos mercadológicos, por certo implicará fenômeno de grave repercussão social, potencializando os já alarmantes níveis de miséria”.
Dizem também “que neste terreno, integrado ao sistema de parques da orla, é possível edificar um conjunto de prédios com atividades miscigenadas em conformidade com as prerrogativas do Plano Diretor”.
E que para “viabilizar as intenções do poder municipal de valorização urbanística da área, através da integração desta com as áreas públicas, ao Sul e ao Norte, é necessário que o Regime Urbanístico contemple a possibilidade da compensação dos direitos trabalhistas dos ex-empregados, acrescido dos valores necessários à viabilização da urbanização das referidas áreas públicas”.
Advertem, ainda, que “se não for viabilizada a recuperação urbana desta área para empreendimento com estas características, é muito provável que a mesma seja ocupada desordenadamente, o que não contribuiria para o desenvolvimento urbano”.
O valor da área, “se permitidas as alterações”, é estimado entre R$ 10 milhões e R$ 13 milhões, “levando-se em conta o valor médio da cota terreno, de 0,30 do CUB”.
Prefeito Tarso pediu urgência
Eleito em novembro do ano 2000, Tarso Genro assume em janeiro do ano seguinte, para um segundo mandato como prefeito de Porto Alegre. Em junho encaminha à Câmara o projeto de Lei Complementar 470, que estabelece um regime urbanístico especial para o Pontal do Melo.
Relatado pelo vereador Estilac Xavier, líder da bancada petista na Câmara, o projeto corre em regime de urgência e é aprovado no dia 12 de dezembro daquele mesmo ano, com um único voto contrário, do vereador Beto Moesch. Um dos primeiros atos do prefeito, no dia 2 janeiro de 2002, foi sancionar a lei.
Com a mudança, a área do estaleiro foi desmembrada da Unidade de Estruturação Urbana 4036, que abrange toda a orla do Guaiba, transformando-se na sub-unidade de Estruturação Urbana 03, “com definição de ocupação para uso privado de atividades de interesse cultural, turístico e paisagístico, vedado habitação, comércio atacadista e indústria”.
Foi estabelecida uma taxa de ocupação (1,0) e a altura máxima de 12,5 metros (quatro andares).
O vereador João Antônio Dib diz que a proposta enviada pelo prefeito previa também prédios residenciais. “Fui eu que apresentei uma emenda suprimindo o residencial, porque a área era inundável”, declarou o veterano Dib no dia da votação do atual projeto.
Na verdade, pode-se ver pelos anais da Câmara que o texto do Executivo não era explícito quanto a prédios residenciais e Dib fez uma emenda para deixar claro o veto.
Bancada do PT ficou de saia justa
O terreno do Pontal era o único bem que restava de todo o patrimônio do Estaleiro Só, a única fonte para pagar as indenizações de 600 trabalhadores, cujos créditos trabalhistas superavam os R$ 9 milhões.
Três leilões haviam fracassado porque não se sabia o que se podia fazer com o terreno. Como toda a orla, ele estava enquadrado no Plano Diretor nas Áreas Especiais de Interesse Cultural, que não tem regras definidas, mas as diretrizes gerais são restritivas.
O que fazer? Definir regras para que o terreno se tornasse atraente aos compradores e os empregados que há seis anos esperavam tivessem seus direitos atendido. Era um argumento inatacável.
O vereador Adeli Sell (PT) foi ovacionado quando abriu a sessão da Câmara Municipal de 5 de dezembro de 2001: “Nesta tarde eu tenho certeza absoluta de que nós vamos fazer jus à população de Porto Alegre e reintegrar o Estaleiro Só à orla da cidade. Assim eu peço o voto de todas e de todos para a aprovação desse projeto…”.
As galerias tomadas pelos trabalhadores demitidos do Estaleiro So e suas famílias ditaram o rumo da sessão. Quinze oradores se sucederam na tribuna, apenas Beto Moesh não pediu a aprovação do projeto do prefeito Tarso Genro.
“Vamos resolver o problema daqueles que trabalharam grande parte de sua vida no Estaleiro Só e não tiveram indenização”, disse o já veterano Antonio Dib, do PP. “Além de estarmos gerando renda para a cidade no aspecto turístico cultural, nós também vamos estar resgatando a dignidade destes bravos funcionário e a tranquilidade de suas famílias”, disse Maristela Maffei, do PT.
O partido de Tarso, cujo líder, Estilac Xavier era o relator do projeto, votou em bloco, levando junto seu aliado, o PCdoB:“Somos favoráveis à aprovação para que os ex-funcionários do Estaleiro, que já esperaram seis anos, e a própria população que hoje não dispõe deste espaço, sejam brincados com este projeto”, disse Raul Carrion.
A posição do PT a favor do projeto em 2001, deixou fragilizada sua bancada nas votações de agora, quando fechou questão contra o projeto. Em quase todos os discursos, os aliados do prefeito bateram na “incoerência do PT”.
Havia, porém, uma diferença essencial, que não foi lembrada, entre a votação de 2001 e a de 2009. Em 2001, a votação ocorreu antes, para que o terreno pudesse interessar a um comprador num leilão. Agora ocorre depois, com o terreno já comprado, por um valor aviltado, exatamente porque os prédios não podiam ter mais do que 12,5 metros e nem ser residenciais – o que agora se mudou.
PONTAL DO ESTALEIRO (1) – Uma lei sob medida
PONTAL DO ESTALEIRO (2) – Na origem, uma área pública
PONTAL DO ESTALEIRO (2) – Na origem, uma área pública
“O mais antigo registro do terreno onde se pretende erguer o “Pontal do Estaleiro” foi encontrado nos arquivos da Câmara Municipal pelo pesquisador Ruben Neis*. É uma petição de 1888, em que Francisco Luiz de Melo requer a posse das terras marinhas fronteiras com sua chácara. Dele, provavelmente, decorre o nome do local – Ponta do Melo.
Dez anos mais tarde foi ali construído um trapiche para o despejo dos “cubos” ou “cabungos”, com os dejetos recolhidos nas casas das famílias que assinavam o serviço, prestado pela Prefeitura. Até uma estrada de ferro foi construída pelo município para transportar a carga de excrementos semanalmente lançada no rio.
Ainda hoje a Ponta do Melo é um dos locais onde o esgoto cloacal de Porto Alegre é lançado sem qualquer tratamento nas águas do Guaíba.
Era uma área pública, propriedade do Estado do Rio Grande do Sul em 1944, quando foi devolvida ao município de Porto Alegre e, seis anos depois, concedida pela prefeitura à empresa Só & Cia, então a mais tradicional ferraria e fundição da cidade que pretendia construir um estaleiro no local.
Inaugurado em 1952, o Estaleiro Só, tornou-se uma das maiores empresas do Rio Grande do Sul. Tinha 1.200 empregados em 1967, quando a Câmara Municipal votou a lei 3.076 autorizando o resgate do terreno, isto é, a transferência definitiva da sua propriedade para o Estaleiro Só.
Mas a mudança não foi efetivada na época. Pouco depois, em dificuldades, o Estaleiro Só foi vendido para a Empresa Brasileira de Indústria Naval (Ebin), do Rio de Janeiro, com o aval do governo federal. Só nove anos depois, em 1976, foi assinada, pelo então prefeito Guilherme Socias Vilella, a “escritura pública de remissão de foro”, ou seja, a transferência efetiva da propriedade do terreno para a empresa.
(Essa transferência é hoje questionada. O advogado Caio Lustosa, ex-secretário de Meio Ambiente e integrante do Forum de Entidades, acredita que com a falência do Estaleiro Só o terreno deveria retornar ao Município. Lustosa pretende recorrer à Justiça para esclarecer o assunto.)
Com a Ebin, o estaleiro viveu um ciclo de grande expansão. O presidente era um almirante, de estreitas relações com a Superintendência Nacional da Marinha Mercante, a poderosa Sunamam. As encomendas fluíam, o estaleiro empregava três mil trabalhadores. Mas, uma década depois, com a crise financeira, veio o corte nos investimentos estatais, caíram as encomendas e a empresa entrou em crise.
No ano de 1992, começaram os atrasos nos salários e as greves. Os empregados começaram a ser demitidos em massa. “Foram mais de mil funcionários em um dia. No fim, ficaram apenas 130”, conta Moacyr da Rocha Curi, representantes dos ex-empregados que ainda esperam receber suas indenizações.
Um incêndio destruiu parte das instalações e jogou uma pá de cal na empresa. Em pouco tempo, todo o patrimônio do Estaleiro Só estava reduzido a escombros. Em 1999, o juiz determinou a penhora e o leilão do terreno para pagar a dívida com os trabalhadores, que chegava a R$ 9 milhões.”
*Sérgio da Costa Franco, Guia Histórico de Porto Alegre
“Não é recomendável sua ocupação”
A primeira tentativa de mudar a lei para permitir “atividades residenciais, comerciais e de serviço” no terreno do Estaleiro Só foi feita pela própria empresa, em maio de 1994, quando já em situação pré-falimentar.
Em ofício ao então Secretário Municipal do Planejamento, Newton Burmeister, ela alega necessidade de “adaptar-se às novas circunstâncias do mercado”. Pede permissão para transferir dali suas instalações industriais e “a modificação no atual regime urbanístico, que venha a permitir também o uso do terreno com atividades residenciais, comerciais e de serviço”.
Um mês depois, sai o parecer da Secretaria do Planejamento considerando “inviavel” a mudança pretendida. “Não está de acordo com o conceito de Área Funcional de Interesse Público… a altura proposta não representa melhoria da qualidade da paisagem urbana, devendo ser respeitada como diretriz de altura máxima a construir aquela constatada no local através das cumeeiras dos prédios existentes”.
O parecer esclarece que “face às peculiaridades locais o Estaleiro Só representa uma área com limitações de uso” e que “não é recomendável a intensificação de sua ocupação”.
Os quatro arquitetos (Lígia Klein Ebbesen, Elizabeth Mann, Maria Tereza Albano, Roberto Cé) e o engenheiro Luiz Fernando Rigotti, que assinam o parecer, acrescentam uma advertência “quanto à ocupação da Orla”:
“Porto Alegre tem perdido ao longo das últimas décadas um percentual significativo da orla do Guaiba com a privatização de áreas ou bloqueio de acesso da população a este importante espaço do território municipal. É diretriz do planejamento a valorização do Guaiba e de toda a extensão de sua costa como elemento da nossa identidade e bem de uso coletivo”.
PONTAL DO ESTALEIRO (1) – Uma lei sob medida
PONTAL DO ESTALEIRO (1) – Uma lei sob medida
O vereador Brasinha nem precisou subir à tribuna da Câmara para defender “seu” projeto. Enquanto os colegas debatiam, ele passeava entre as mesas, rindo e fazendo graça com os vereadores da Oposição.
Alceu Brasinha foi muitas vezes citado na imprensa como o “autor do projeto Pontal do Estaleiro”. Na verdade, ele pouco fez, além de ser o primeiro a colocar sua assinatura na lista dos 17 vereadores que em abril do ano passado pediram a alteração da Lei Complementar 470 do Plano Diretor de Porto Alegre. Ele reconhece a paternidade difusa: “Esse assunto já andava tramitando por aí há um ano e meio, tinha que resolver, então um grupo de vereadores assumiu”.
O projeto chegou à Câmara e andou com rapidez incomum. Passou por duas votações, em regime de urgência. Em menos de um ano se deu toda a discussão – as duas audiências públicas, as análises nas comissões e duas votações (a primeira foi vetada pelo prefeito). No dia 15 de março de 2009, foi a decisão final – 23 votos favoráveis, 10 contra.
Por enquanto, a mudança se restringe à Lei Complementar 470, que regula a ocupação no Pontal do Melo – uma gleba de 60 mil metros quadrados, num dos pontos mais valorizados de Porto Alegre, a meio caminho entre o centro e a Zona Sul. Foi aprovada sob medida para viabilizar o projeto “Pontal do Estaleiro” – um conjunto arquitetônico com quatro prédios residenciais e dois comerciais, com altura de 14 andares, o que seria proibido pela legislação anterior.
“É a ponta do iceberg”, diz o arquiteto Nestor Nadruz, sem medo do lugar comum. Ex-técnico da Prefeitura, aos 80 anos, ele foi ovacionado ao falar na audiência pública que antecedeu a votação do projeto. “Essa decisão vai servir de referência para mudar o regime em toda a orla”, prevê Nadruz.
Quarenta e dois oradores se revezaram com manifestações veementes perante um público que lotava as galerias e o plenário da Câmara Municipal, na segunda audiência pública para debater o assunto. Não faltaram ameaças, dedos em riste, denúncias, empurrões.
Mas não se repetiu o tumulto ocorrido três meses antes, quando os vereadores aprovaram pela primeira vez o projeto, contrariando uma mobilização popular, que envolve o Instituto dos Arquitetos do Brasil, Associação dos Geógrafos, o Sindicato dos Engenheiros e outras duas dezenas de entidades comunitárias e ambientalistas*.
Naquele dia, vendo os empresários da construção civil orientando a votação, as pessoas que superlotavam o plenário da Câmara Municipal jogavam moedas e acenavam com cédulas de dinheiro, gritando aos vereadores: “Vendidos, vendidos”.
Foi tamanha a repercussão na opinião pública e na imprensa que o Ministério Público abriu investigação sobre suposta distribuição de propina a vereadores, arquivada um mês depois “por falta de provas”.
Ante a reação, o prefeito José Fogaça vetou o projeto aprovado. Poucos dias depois, para surpresa geral, o prefeito mandou para a Câmara um texto exatamente igual ao que havia vetado, com um adendo – a proposta de um referendo popular.
Mal o projeto de Fogaça chegou à Câmara, o secretário de Gestão e Planejamento Estratégico, Clóvis Magalhães, se apressou em dizer que município não teria condições de arcar com o custo de um referendo, estimado em R$ 2 milhões. Além do custo, havia dificuldades operacionais pois referendo significa uma eleição municipal , com voto obrigatório, urna eletrônica em toda a cidade e controle do Tribunal Regional Eleitoral. Na audiência pública que retomou a discussão, ficou claro que a maioria dos vereadores, que aprovara o projeto, não queria o referendo.
Na segunda-feira, 15 de março, o projeto estava na pauta para votação, para surpresa de muitos, pois apesar da repercussão do assunto ele não mereceu mais que discretas notinhas nos principais jornais da capital. No site da Câmara, só apareceu na Agenda do Dia às onze e meia da manhã.
Não havia mais do que 50 pessoas no plenário da Câmara quando começaram os discursos, no início da tarde. Como a sessão era transmitida pela TV Câmara, muitos se inscreveram para falar, repetindo os mesmos argumentos, desviando para ataques partidários.
Entre o público, apenas um pequeno grupo em torno do presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil manifestava-se a favor com palmas ou vaias. Do outro lado, umas 40 pessoas se manifestavam contra o projeto, com vaias e palmas. Mesmo os líderes estavam desanimados, alguns se retiraram antes. Para a atenção dos fotógrafos, um único manifestante: vestido de morte, com um plástico preto, uma foice de papelão e um cartaz.
Na véspera Fogaça já havia declarado que o referendo era inviável e que deveria ser convertido “numa consulta popular, nos moldes das eleições para os conselhos tutelares”. Disse que umas 300 urnas na região de interesse direto no assunto, resolveriam o problema.
Não deu outra: na hora da votação, uma emenda do líder governo mudou o referendo para consulta popular e ainda introduziu uma salvaguarda – se a prefeitura não realizar a consulta em 120 dias, o projeto entra automaticamente em vigor.
Foi tão tranqüila a aprovação que os vereadores que defendem o projeto não se deram conta do que significava uma emenda apresentada pelo vereador Airto Ferronatto, do PSB, e aprovada por unanimidade, ampliando de 30 para 60 metros a faixa livre entre a margem do Guaíba e as construções. Ela reduz em 26% a área construtiva do projeto, segundo o empreendedor.
Esses dois pontos – consulta popular e emenda Ferronato – aparentemente secundários seriam responsáveis por uma reviravolta no processo.
Vereadores desistem de ir a Fogaça pedir veto ao Pontal
Até o fim da tarde de ontem ainda estava agendada para hoje a reunião do líder do governo municipal, Valter Nagelstein, com um grupo de vereadores signatários do projeto que mudou a lei 470 para viabilizar o projeto Pontal do Estaleiro. Mas a decisão de suspendê-la já havia sido tomada por Nagelstein.
A reunião seria para articular a visita que o grupo pretendia fazer ao prefeito José Fogaça, às vésperas dele decidir sobre o projeto, aprovado no ultimo dia 15 de março.
Ainda não estava decidido se pediriam veto apenas à emenda que aumentou de 30 para 60 metros a faixa preservada na beira do Guaíba ou se recomendariam veto total ao que foi aprovado, para que fosse mantida a lei atual, de 2002, já que o empreendedor desistiu da fazer prédios residenciais no local.
A mudança de rumo se deu ontem à tarde, depois de uma reunião no gabinete de Nagelstein com o arquiteto Jorge Debiagi, representante da empresa BM Par, e a arquiteta Rosane Zottis, da Secretaria do Planejamento, assessora técnica do prefeito.
Além da emenda, de autoria do vereador Airto Ferronatto, do PSB, que reduziria em 26% a possibilidade de construção, o empreendedor questiona também a necessidade de uma consulta popular, uma vez que ele não pretende mais incluir prédios residenciais no projeto.
No estudo original constavam quatro torres com 216 apartamentos.
Pontal do Estaleiro: o problema é outro
Elmar Bones
Contra ou a favor do Pontal do Estaleiro? A questão não é essa. Esse é o pedaço de carne que o ladrão joga para distrair o cão que vigia o pátio.
A questão é saber o que está acontecendo. Por que uma Câmara, que tem a enorme responsabilidade de fazer uma revisão do Plano Diretor da cidade, perde meses discutindo uma questão pontual, que envolve um terreno privado?
Debates, passeatas, atos públicos, liminares, audiências públicas, acusações, denúncias, investigação no Ministério Público, tudo isso para quê? Para que um empreendedor privado faça um bom negócio com um terreno que ele acaba de adquirir?
Para recuperar uma área da cidade que está abandonada? Há 15 anos, a área está abandonada. Já se mudou a lei às pressas uma vez, para que ela fosse “urbanizada”, “qualificada”, “revitalizada”, e ela continuou abandonada. Como tantas outras continuam abandonadas.
Ou é para quebrar uma regra que a cidade tem conseguido manter? Há 30 anos, embora com percalços, resiste em Porto Alegre a idéia de preservar a orla como espaço público, talvez o mais valioso numa cidade que tem seus principais parques saturados ou à beira de saturação.
Veja-se a Redenção ou o Parcão nos fins de semana. O Parcão, aliás, é um caso exemplar. Havia um projeto de grandes prédios para aquela área, que pertencia ao antigo Jockey Club. Foi um movimento da comunidade que encontrou eco na Câmara de Vereadores e preservou aquele espaço para ser um parque, hoje consagrado na vida da cidade.
A diferença é que naquela época, em plena ditadura, a cidadania tinha mais voz na mídia do que hoje, quando se diz que estamos numa democracia. E a manipulação dos fatos não era tão escancarada como agora, quando se trata de interesses imobiliários.
Porto Alegre tem um movimento comunitário que é reconhecido no país. Foi destaque numa série do Jornal Nacional sobre o tema. Aqui ele é encoberto com uma capa de silêncio, seus líderes são rotulados como defensores do atraso, inimigos do progresso, satânicos, porque contestam concessões que o poder público faz ao interesse de grupos privados.
Com a cidadania silenciada, a democracia representativa vira farsa. É o risco que estamos correndo nesse processo do Pontal do Estaleiro – desde o vício de origem até esse embrulho lamentável em que estão metidos o senhor prefeito e os senhores vereadores na hora da decisão final.
Esse é o problema.
Pontal do Estaleiro: o que vai acontecer?
Empresa recuou para evitar a consulta popular
A mudança na lei, para viabilizar o projeto “Pontal do Estaleiro” , foi aprovada tranquilamente, dia 15 de março, em segunda votação.
Foi tão tranqüila a vitória que os defensores do projeto não deram atenção à uma emenda enfiada à ultima hora pelo vereador Airto Ferronatto, do PSB, preservando uma faixa de 60 metros na beira do rio (pela lei, seriam 30 metros)
A emenda foi aprovada por unanimidade. O empreendedor acusou o golpe nos dias seguintes: a emenda reduziria 26¨% a área a ser construída e ameaçava a viabilidade financeira do projeto. Além do mais seria uma desapropriação porque atingiria a porção privada do terreno.
Na Câmara foi um choque, ninguém conseguia explicar o que havia acontecido.
Os mais espontâneos confessaram que não sabiam das implicações da emenda. “Foi um cochilo. O cachimbo caiu”, como disse o vereador Haroldo de Souza, líder do PMDB, que pediu desculpas aos empressários em público.
No dia 8, o empresário Saul Veras Boff, da BM Par Empreendimentos enviou uma extensa carta ao prefeito Fogaça desistindo de incluir edifícios residenciais no projeto, foco da maior discussão.
Queixa-se de “um maniqueísmo alcandorado e de orquestração conhecida que utilizou de todas as formas ao seu alcance para denegrir o projeto, a empresa e seus cotistas” e até os senhores vereadores.
Não foi só a emenda Ferronatto que inquietou o empreendedor. A mudança do referendo, proposto por Fogaça, para uma consulta popular nos moldes dos conselhos tutelares, como aprovaram os vereadores, também assustou. Ela “incentiva o dissentimento”, segundo a carta.
Em entrevista coletiva, em nome da BM Par, o advogado Milton Terra Machado, deixou mais claros os motivos da desistência dos prédios residenciais: reverter a emenda Ferronato, com um veto de Fogaça, e evitar a consulta popular.
A emenda seria inconstitucional e a consulta também passível de questionamento jurídico. “A consulta já era inócua, fica mais ainda com a posição do empreendedor”, disse Terra Machado.
Em nota publicada nos jornais, na quinta, 23, a empresa reforça sua tese de que a consulta se tornou dispensável, depois que ela desistiu dos prédios residenciais.
Em nenhum momento foi falado até agora na altura dos prédios, outra mudança importante introduzida pela lei agora aprovada. Pela lei anterior, a altura máxima permitida era de 12,5 metros. Agora, a altura pretendida pela BM Par e atendida pelas diretrizes da Secretaria do Planejamento, é de 43 metros de altura.
Fogaça diz que 300 urnas seriam suficientes para referendo sobre Pontal
Por Elmar Bones
Se depender do prefeito José Fogaça o referendo sobre o Pontal do Estaleiro será restrito, como as eleições para os Conselhos Tutelares.
“Pelo custo e pela amplitude, não vejo como fazer o referendo nos moldes previstos na Constituição. O mais adequado é o sistema adotado para a eleição dos Conselhos Tutelares, com uma comissão eleitoral e a delimitação de uma região na qual seriam distribuidas as urnas”, disse o prefeito.
Ele estima que seriam suficientes “umas 300 urnas” para que a população diretamente interessada no assunto possa se manifestar.
Fogaça ressalva, porém, que esta é apenas uma sugestão baseada no bom senso e evita até mencionar uma data para a realização do referendo. “Não posso dizer à Câmara o que ela tem que fazer”, explicou.
O referendo popular é uma proposta que o prefeito incluiu no projeto de mudança da Lei Complementar 470, para permitir a construção de prédios residenciais no terreno que pertenceu ao extinto Estaleiro Só.
A mudança da Lei foi aprovada por 20 votos a 14 no final do ano passado e, em seguida, vetada pelo prefeito que devolveu à Câmara o mesmo texto, com o adendo do referendo popular para que a população se manifeste sobre o polêmico projeto.
O presidente da Câmara, Sebastião Melo, que acompanhava Fogaça na abertura da Feira do Consumidor, sábado na Redenção, evitou tratar do assunto, dizendo apenas que “tudo será decidido na segunda-feira.
Na agenda da Câmara desta segunda-feira não está previsto este assunto. Depois que o tema voltou ao plenário do legislativo, já houve uma audiência pública para discutir o projeto e já foi aprovado o parecer conjunto das Comissões Técnicas, mas a questão do referendo foi tangenciada.
O relator do projeto, vereador João Dib, o mais experiente da Casa diz que o prefeito devolveu uma “batata quente” para os vereadores ao propor um referendo, sem indicar nem como nem quando ele deverá ser feito.
Pela lei, o referendo popular tem as mesmas características de uma eleição municipal, com abrangência de toda a cidade e envolvimento do Tribunal Regional Eleitoral.
Portal do Estaleiro: por que a pressa?
Uma pergunta ficou no ar ao final da Audiência Pública, que terminou já na madrugada de sexta-feira, depois de mais de seis horas de debates: por que tanta pressa em aprovar uma nova mudança na lei? Para viabilizar um projeto privado?
Esta foi a questão levantada pela maioria dos que se manifestaram no plenário da Câmara Municipal de Porto Alegre.
Nem os mais ardorosos defensores do projeto do Pontal do Estaleiro conseguiram dar uma resposta convincente.
Também não encontrou explicação plausível a proposta de um referendo que o prefeito José Fogaça embutiu no projeto ao devolvê-lo aos vereadores.
Os defensores do projeto são contra o referendo e suas intervenções na audiência pública foram todas no sentido de que a legitimidade para decidir a questão é dos vereadores.
Os que questionam o projeto, em maioria na audiência, embora não sejam contra o referendo, consideram absurdo chamar um referendo, com alto custo para o município, para que a população se manifeste sobre uma questão pontual, um terreno de 60 mil metros quadrados, no contexto de uma orla de 72 quilômetros, num momento em que todo o Plano Diretor da cidade está na Câmara exatamente para definir estas questões.
O projeto, de um grupo privado, prevê um conjunto de prédios comerciais e residenciais, articulados com áreas públicas, no terreno que pertenceu ao antigo Estaleiro Só, conhecido como Ponta do Melo.
A mudança na lei, para permitir prédios residenciais na área, foi aprovado pelo legislativo municipal no ano passado, mas recebeu veto do prefeito José Fogaça.
A proposta da audiência pública, pela Diretoria Legislativa, não entusiasmou as lideranças comunitárias e ambientalistas que são contrárias a que se mude a lei para permitir a construção de espigões na orla.
Terreno do Estaleiro Só
Mantido o veto ao projeto do Pontal
Por Daiane Menezes
A manutenção do veto do prefeito de Porto Alegre ao Projeto do Pontal do Estaleiro foi acatada por 27 dos 34 vereadores presentes na sessão de hoje na Câmara Municipal.
Bernardino Vensdrusculo (PMDB), Haroldo de Souza (PMDB), Elias Vidal (PPS) e Reginaldo Pujol (DEM) votaram contra a manutenção do veto. João Antonio Dib (PP), João Carlos Nedel (PP) e Ervino Besson (PDT) optaram por abster-se da votação.
Logo após o início da sessão, o discurso da base aliada era de que o veto seria mantido. Porém, os vereadores já estavam pensando nas emendas que proporiam ao projeto encaminhado por Fogaça juntamente com o veto. Este novo projeto tem como principal diferença a proposta de um referendo para que os cidadãos de Porto Alegre manifestem-se sobre o assunto.
“Um referendo sairia muito caro para o município, em torno de 2 milhões de reais. Por isso vamos propor uma outra forma de consulta popular”, disse Valter Nagelstein (PMDB). Além dessa emenda, os vereadores da situação pretendem estabelecer um prazo para que o executivo realize a consulta. “Assim, se não for feita a consulta em 90 dias, passa a valer o que foi votado pelos vereadores”, completa ele.
A oposição tentou derrubar o regime de urgência, mas não conseguiu. Contou com apenas nove votos. Foram 21 contrários. Isto quer dizer que o projeto não passará pela Comissão de Constituição e Justiça. Dessa forma, limita-se a discussão entre os próprios vereadores e participação da sociedade. “Exclui-se o contraditório”, diz Beto Moesch (PP).
Cada vez que algum vereador criticava o projeto do Pontal ou defendia o referendo sobre o assunto, escutavam-se algumas palmas. Eram os 15 representantes do Fórum de Entidades, composto por associações de moradores e ONGs. Às vezes, cerca de 30 vendedores ambulantes que esperavam que seus problemas fossem tratados nessa sessão também aplaudiam junto.
Os defensores do Projeto do Pontal e da derrubada do veto não pareciam contar com simpatizantes nas galerias. Pelo menos não houve manifestações públicas nesse sentido.
Votações ocorridas em final de ano ou em período de férias não contam com a presença maciça da população. César Cardia, da Associação Amigos da Gonçalo de Carvalho, comentou a fraca mobilização: “o problema é que está todo mundo na praia”.
A vereadora Maria Celeste (PT) prevê um período de 15 dias para o tramite e votação do projeto do prefeito. Nagelstein acredita o processo se dará em 10 dias. Quanto mais tempo levar, maior a probabilidade de que os porto-alegrenses se organizem e exerçam influência na votação das emendas ao projeto.