Avanço de grupo cearense inquieta moinhos gaúchos

A indústria moageira gaúcha está inquieta com o avanço do grupo nordestino M. Dias Branco, líder nacional do setor de massas e biscoitos, com uma receita de R$ 4,3 bilhões em 2013.
Apoiado por incentivos fiscais do Estado, o grupo octogenário sediado no Ceará comprometeu-se no início de 2014 a investir R$ 173 milhões na ampliação de sua fábrica de Bento Gonçalves, comprada em 2003 do grupo Adria, de São Paulo.
Com o investimento, a unidade da Serra Gaúcha – cuja marca Isabela é “a mais lembrada” pelos consumidores gaúchos – passará a ter capacidade instalada de 65 mil toneladas/ano de biscoitos e 60 mil toneladas/ano de massas, acrescentando mais duas centenas de empregados ao seu quadro de pessoal, integrado por 900 funcionários.
Junto com a ampliação da linha de massas e biscoitos, o grupo promete montar um moinho com tecnologia de última geração capaz de produzir 1.300 toneladas de farinha de trigo por dia.
Se operar a pleno durante 300 dias por ano, processará o equivalente a 15% da produção gaúcha do cereal.
Por aí se entende a inquietação da indústria riograndense, composta por cerca de 90 moinhos, alguns parados, outros operando intermitentemente e a maioria produzindo sem usar toda sua capacidade instalada.
Fiel a um modelo de governança corporativa de feições globais, muito comum em empresas multinacionais, o grupo M.(M de Manuel) Dias Branco mantém em São Paulo uma “assessoria de imagem” (Press à Porter) que alega não ter autorização para divulgar informações sobre marcas e unidades empresariais isoladas.
Por isso é impossível, no momento, saber precisamente a quantas anda o projeto de Bento e qual seu prazo de conclusão ou a época do início das atividades do novo moinho.
Na Prefeitura de Bento Gonçalves, o secretário Neri Mazzochin, do Desenvolvimento Econômico, confirma que o novo moinho, “um dos mais modernos da América Latina”, começará a ser implantado no próximo ano e iniciará a produção ainda em 2015, ocupando área de 10 mil metros quadrados no bairro Botafogo, onde já opera a fábrica de massas e biscoitos Isabela.
Na realidade, como outros grupos industriais, o Dias Branco assegurou-se o direito de usar os incentivos oferecidos pelo Fundopem, mas é livre para fazê-lo quando melhor lhe convier.
Quando reclamaram da concessão dos benefícios ao poderoso grupo sediado no Ceará, os empresários gaúchos foram informados de que a indústria moageira do Rio Grande do Sul pode usufruir das mesmas vantagens, basta realizar o procedimento burocrático junto à Secretaria de Desenvolvimento e Promoção do Investimento, que tem como um dos seus objetivos “melhorar a competitividade” de setores tradicionais da economia estadual.
No caso, pode ser que os moinhos menos modernos tenham acelerado seu colapso.
O JÁ cansou de tentar ouvir o presidente do Sinditrigo-RS, José Celestino Antoniazzi, cuja base operacional fica em Santa Maria.
MUITA BALA NA AGULHA
Para saber sobre as diversas empresas do grupo M Dias Branco, a saída é navegar nas águas de seu site, cujas demonstrações financeiras são extremamente transparentes.
Por ali se fica sabendo que no último exercício fiscal, encerrado em dezembro de 2013 com receitas de R$ 4,3 bilhões,

  • o grupo  tinha um patrimônio líquido de R$ 2,8 bilhões
  • obteve um lucro líquido de R$ 524 milhões
  • detinha 30% do mercado nacional de biscoitos e massas
  • gastou R$ 486 milhões com salários, previdência social e FGTS do pessoal
  • pagou R$ 386 milhões de impostos
  • teve despesas de R$ 2,86 bilhões, sendo R$ 1,1 bilhões com a compra de farinha de trigo
  • possuía uma dívida líquida de R$ 261 milhões
  • estava investindo R$ 288 milhões
  • dispunha de uma reserva para investimentos de R$ 780 milhões
  • contava com incentivos fiscais no total de R$ 233 milhões, sendo R$ 183 milhões referentes a créditos estaduais de ICMS e os R$ 50 milhões restantes, federais

Controlado pelo seu próprio presidente Francisco Ivens de Sá Dias Branco, que possui 63% dos ações (outros 25% estão na Bovespa), o grupo tem excelente saúde econômico-financeira e vem ancorando todos os seus principais investimentos em locais que oferecem incentivos fiscais.
No cinco estados onde fez ou está fazendo investimentos, apenas no Rio Grande do Norte os benefícios fiscais terminam em 2014. No Ceará e em Pernambuco, as vantagens fiscais vão até 2024. Na Bahia, até 2025. Na Paraíba, até 2032.
Além de incentivado, o Dias Branco dispõe de munição própria suficiente para alterar a correlação de forças no mercado gaúcho de moagem de trigo, do qual se ausentaram, há vários anos, grandes grupos moageiros como o norte-americano Bunge, aqui chamado Sociedade Anônima Moinhos RioGrandenses (SAMRIG), que começou com um moinho de trigo em 1929 e, em 1958, implantou em Esteio a maior fábrica de soja do Estado.
Embora não dê informações isoladas sobre unidades e marcas, o grupo M. Dias Branco tem consciência de que sua penetração no mercado moageiro gaúcho reacende a chama da agroindústria tritícola no Estado e, por isso, precisa pisar com cuidado no berço da lavoura nacional de trigo.
Nesse sentido, amaciaria o terreno se tivesse a gentileza de responder, entre outras, às seguintes dúvidas:

  1. O novo moinho de Bento vai se dedicar apenas ao autoabastecimento (da fábrica de massas Isabela) ou atenderá também o mercado regional de farinha ou, seja, vai disputar clientes com a indústria moageira já instalada no Estado?
  2. Vai moer apenas o trigo gaúcho/sulino ou está buscando posição geoestratégica para beneficiar trigo importado, explorando a proximidade com a Argentina e o Uruguai, países em que já possui escritórios comerciais?
  3. Além dos incentivos fiscais obtidos do governo do RS, o projeto do grupo no Estado visa usufruir de alguma vantagem decorrente da proximidade com o Mercosul?

ghasse@th.com.br
 

Brasil pode colher a maior safra de trigo este ano

Fim de agosto e os técnicos já anunciam a possibilidade de o Brasil colher este ano a maior safra de trigo da história. Ainda faltando três ou quatro semanas para o início da colheita no Paraná, onde o cereal é plantado mais cedo, as estimativas falam de 7,5 milhões de toneladas, uns 40% acima do ano passado.
A confirmar-se a boa safra, que se estende normalmente até novembro no Rio Grande do Sul, que planta mais tarde, o Brasil vai precisar importar “apenas” cerca de 4,5 milhões de toneladas de trigo para atender as necessidades nacionais de consumo de farinha, pão, biscoitos, massas e rações.
A queda das importações também é boa notícia, ainda mais num ano em que a Argentina, tradicional fornecedora de trigo, decidiu racionar as exportações para ajudar no combate à inflação interna. Em 2013, o Brasil importou 7,3 milhões de toneladas, pagando 332 dólares por tonelada, a média mais alta dos últimos cinco anos (a mais baixa foi em 2009, quando o Brasil importou 5,4 milhões de toneladas a 221 dólares a tonelada).
O que poderia ser motivo de festa – garantia de pão barato para a população num ano em que o circo foi derrubado pelo furacão alemão – começa a se tornar uma dor de cabeça para os produtores, que vêem os preços caírem abaixo do valor mínimo garantido pelo governo. A Expointer 2014, a partir de sábado (30/8), pode se tornar o muro de lamentações dos triticultores, pois as cenas se repetem.
Um levantamento da Fecoagro/RS reproduzido no volume Radiografia da Agropecuária Gaúcha, publicado pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, mostra que entre 1997 e 2012, apenas em duas safras – 2001/2002 e 2009/2010, os preços mínimos superaram os custos de produção do trigo nacional, cuja cotação segue os valores internacionais, historicamente baixos.
Com o sucesso do trigo, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) aumentou para 193,5 milhões de toneladas a estimativa da produção nacional de grãos na safra 2013/14. Também um recorde.