A bola do jogo político quica na frente de Cármen Lúcia

GERALDO HASSE
  
Nos últimos dois anos, à medida que se aprofundavam as investigações sobre a corrupção de políticos mancomunados com empresários privados e altos funcionários de estatais, três pessoas do Judiciário se tornaram os atores principais da cena brasileira: o chefe do Ministério Público Federal Rodrigo Janot; o juiz de primeira instância Sergio Moro, baseado em Curitiba; e o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, relator do processo da Operação Lava Jato.
Ao mesmo tempo em que crescia o trio do Judiciário, saíam do palco, na marra, a presidenta Dilma Rousseff, alvo de um impeachment maroto; e o deputado carioca Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara Federal, preso pela Operação Lava Jato. No lugar dos dois caídos, estão o vice-presidente Michel Temer e o deputado carioca Rodrigo Maia, cujo(s) comportamento(s) não vêm gerando o menor entusiasmo – ao contrário.
Com a morte de Zavascki em acidente aéreo no litoral do Estado do Rio de Janeiro, avulta agora a figura da ministra Carmen Lucia, presidenta do STF. Voluntariosa, ela bem que poderia fazer o que se esperava (e se anunciava) que Zavascki estava para fazer: homologar os depoimentos forçados (delações premiadas, segundo o jargão judicial) de 77 executivos da Construtora Odebrecht que, para se livrar da prisão temporária, denunciaram falcatruas em contratos de obras públicas, favorecendo políticos e partidos. Dizem que são tantos os nomes de políticos citados que talvez se torne mais prático transformar o Congresso em prisão temporária.
É um imbróglio fenomenal que só encontra paralelos em 1964 (derrubada do governo Jango Goulart) e em 1954 (suicídio do presidente Getulio Vargas). Desta vez, há o agravante de que as denúncias de corrupção vêm com nomes, valores e as circunstâncias dos crimes.
Se a primeira mulher eleita presidenta da República não conseguiu segurar a barra, terá Carmen Lúcia coragem de fazer sua parte?
A propósito, qual será sua parte no jogo: homologar as denúncias, segurar a bola, passar a responsabilidade para outro, tentar conciliar os adversários numa mesa de pizzaria ou engavetar os processos?
Teoricamente, ela pode tudo; na prática, tem as mãos amarradas por diversos regulamentos. E, no frigir dos ovos, talvez resolva simplesmente dar ouvidos aos colegas ministros, a assessores, amigos e parentes. Pois os processos que estavam com a equipe de Teori Zavascki são explosivos por envolver cifras monumentais e comprometer altas figuras da república, incluindo o atual ocupante da cadeira principal do Palácio do Planalto.
Diante disso, tem sido natural pensar que o ministro-relator da Lava Jato foi vítima de uma armação criminosa. Sua morte pode ter sido mais uma brincadeira do D., seja ele o Destino ou o Demônio (Deus provavelmente não tem nada a ver com isso).
Não se deve esquecer que no verão, entre o Natal e o Ano Novo ou entre o Ano Novo e o Carnaval, sempre há uma tragédia no Brasil. Assim, pode-se admitir que a morte de Zavascki faça parte dessa quota acidental. Nesse caso é de lamentar que ele tenha saído de cena sem que os brasileiros ficassem sabendo o que ele estava para fazer: ia tocar os processos pra frente ou segurá-los? Era um homem discreto, um típico juiz que “só falava nos autos”. Estaria avaliando as ameaças recebidas?
Se o acidente foi forjado, porém, podemos concluir que não foi “queima de arquivo”, pois os arquivos da Lava Jato estão vivos nos escaninhos do Judiciário. Admita-se então, como hipótese mais robusta de investigação das circunstâncias do acidente, que o avião pode ter sido derrubado para intimidar quem vier a assumir a responsabilidade de avaliar as denúncias feitas pelos prisioneiros da Operação Lava Jato.
Mais uma vez, o Judiciário está no olho do furacão. E agora sob a presidência de uma mulher.
LEMBRETE DE OCASIÃO
Num jogo de futebol numa pequena cidade do norte do Paraná, algumas poucas décadas atrás, o árbitro marcou um pênalti contra o time da casa. Bate-boca, cobra-não cobra, a bola foi colocada na marca fatal. Eis que o chefão do clube mandante se aproxima e desfere um tiro na bola, que “morre” na hora. Fecha o tempo, acaba o jogo.

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