São dez cidadãos americanos, considerados independentes, respeitados pelo País, com destaque na comunidade acadêmica e em atividades empresariais. Formam a CPD – a Comissão para Debates Presidenciais – instituição criada em 1988 para assegurar e organizar os encontros entre os candidatos que, a cada quatro anos, lideram a disputa para a Casa Branca.
A ideia de um “organizador neutro” tinha duplo objetivo. Primeiro, garantir que os debates ocorram depois das tentativas fracassadas em 1976, 1980 e 1984, anos em que o impasse entre partidos ou o desinteresse do líder nas pesquisas, impediu a realização dos encontros. E, mais importante, “trazer para o eleitorado debates educativos e de alta qualidade”.
Desde a última 3ª feira, após a pancadaria verbal entre Trump e Biden e o enorme desserviço prestado pelo debate, os dez integrantes da CPD não têm mais sossego. Andam em busca de uma fórmula que proteja os americanos, ao menos durante hora e meia, do personalismo, autoritarismo, grosserias, mentiras e descumprimento de regras.
De alguma forma, o debate se deixou contaminar pelo estilo redes sociais. Quem via Trump e Biden na verdade estava lembrando dos milhões de pessoas que têm sido estimulados pelas mais diversas plataformas a adotar o insulto e o ódio como formas de expressão e a intolerância como postura.
Por isso, a mudança nas regras dos debates, em discussão na CPD, de modo a preservar seus objetivos, simboliza perfeitamente a tensão e o esforço dos que em todo o mundo promovem a mesma busca, em escala maior e mais dramática: como proteger as instituições, onde existe liberdade, do mesmo tipo de inimigo.
Nos debates ou na vida politica, o problema é similar: suas regras e seus objetivos não se realizam se os atores em disputa não tiverem compromisso, atitude e comportamento, também eles, democráticos.
Respeitar o outro, ouvi-lo ao menos com atenção, falar sem grosseria, responder ao que se pergunta não são dispositivos válidos apenas para uma hora e meia de conversa, mas metáforas para a própria convivência democrática.
O que Trump fez em Cleveland, ao atropelar os manuais do debate e das boas maneiras, revela na verdade sua posição sobre a essência da democracia: ela deve estar subordinada ao seu interesse. E, se seu interesse passa por descumpri-los, danem-se eles.
Ou, no caso brasileiro, o que faz Bolsonaro, o real, o do cercadinho, quando livre dos conselhos de alguns palacianos e de ambientes mais cerimoniosos, fica livre para mostrar o que é: um político que se sente apertado, desconfortável, sem condição de movimentar-se como queria, vestindo o traje democrático.
Provavelmente, o CPD vai anunciar pequenas mudanças para os próximos e últimos dois debates, especula-se nos Estados Unidos. Sejam quais forem, não alcançam Trump. Assim como nenhuma reforma do sistema eleitoral será capaz de evitar que a democracia, através do voto, acabe fragilizada pelos que não se conformam com ela.
Melhor e muito mais difícil seria seguir o sábio conselho do advogado, filósofo e professor gaúcho João Carlos Brum Torres, experiente e instigador ao transitar intelectualmente na discussão sobre a crise da democracia que grassa pelo mundo. Ele insiste, com acuidade, em sugerir que em vez de apenas questionarmos Trumps ou Bolsonaros ou tentarmos adequá-los à vestimenta democrática, comecemos a nos perguntar que razões, motivações ou frustrações dos cidadãos pelo mundo levam estes tipos populistas e autoritários ao Poder.
Em outras palavras, a democracia, para os que a defendem, precisa com urgência entender o que fez e, especialmente o que não fez, para permitir que discursos e comportamentos como os da última terça-feira consigam ser majoritários, de forma crescente. Lamentar ou criticar, poderia dizer Brum Torres, pode nos consolar. Mas nosso problema só será resolvido quando a democracia souber equacionar e pagar o que está devendo à maior parte da população no mundo. E retirar dos que não a admiram ou a praticam a possibilidade de caminharem pelo solo ressecado mas fértil das frustrações coletivas