O golpe dentro do golpe

O parlamento brasileiro deu dois tapas na cara da cidadania.
No Senado, terça, foi anulado o afastamento do senador Aécio Neves, determinado pela Justiça depois da escandalosa gravação em que ele pede dinheiro ao empresário Joesley Batista.
E, na Câmara no dia seguinte, a Comissão de Constituição e Justiça decidiu arquivar a segunda denúncia contra o presidente Temer, originada pelas delações no âmbito da Operação Lava Jato. Ficou  aberto o caminho para sua vitória no plenário, na próxima semana.
São dois tapas que selam aquilo que o senador Romero Jucá definiu como “estancar a sangria” ou seja esvaziar as investigações que nos últimos dois anos expuseram ao país as vísceras podres do seu sistema político.
Nenhuma novidade,  considerando-se que há no Congresso uma “bancada ruralista” capaz de alinhar seus votos em troca de um decreto que praticamente legaliza o trabalho escravo no país que, é bom lembrar, foi a última nação do mundo civilizado a abolir a escravidão, graças exatamente ao poder dos “terratenientes”.
Nenhuma novidade também no comportamento da midia corporativa e seus comentaristas amestrados, em certos momentos tão indignados com a “corrupção que campeia solta”  e que, agora,  fazem “olho branco” para os dois tapas violentos estampados pelos corruptos na cara da cidadania.
O Globo, Folha, Estadão e todo o séquito de repetidores pelo país afora… Nenhuma indignação, nenhum chamamento  que possa  representar qualquer alento ao cidadão espezinhado. Só o registro objetivo dos fatos, num tom oficioso para dar a entender que é assim mesmo. “Quem tem aliados tem tudo”, como escreveu a colunista.
Aqueles comentários indignados, aqueles editoriais, aqueles reptos de que a Lava Jato era intocável, que o combate à corrupção é uma exigência da sociedade… foram para a lata do lixo. A Lava Jato agoniza em praça pública.
Como disse, em editorial, o Globo, de onde emana a diretriz principal que inspira o jornalismo oficioso, os parlamentares perderam oportunidade de atender aos anseios da população por justiça, mas o importante é que a Constituição foi respeitada, “manteve-se intocável o fundamento constitucional de harmonia entre os poderes”.
Esse foi o golpe dentro do golpe. Agora é tocar pra frente que ainda tem a reforma da Previdência para aprovar antes da eleição de 2018.
 
 

Crime de Imprensa

O imediatismo que domina as grandes redações já lançou no cesto das notícias velhas o suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luis Carlos Cancellier de Olivo.
A principal razão é que até mesmo os vetustos jornalões, que não cansam de proclamar seu compromisso com a verdade dos fatos, sujaram o nome neste episódio.
Uma coisa é uma delegada abusar da sua autoridade ou uma juíza inexperiente exorbitar, incorrer em erro. Outra é uma imprensa inteira engolir sem mastigar informações erradas e consagrar versões baseadas em delações duvidosas. O cartaz que uma estudante tentou colocar sobre o caixão, no velório, cobrando “Cadê os 80 milhões”, diz tudo.
A mídia tem sido bem sucedida em suas manobras para encobrir erros históricos. Vamos ver agora.
Se as reservas de cidadania e consciência democrática que o país ainda tem não forem suficientes para exigir o amplo esclarecimento desse caso, é porque estamos muito pior do que se imagina.
 
 

Outro Mourão

ELMAR BONES
O primeiro Mourão, o general Olympio Mourão Filho, morreu acreditando que foi o verdadeiro mentor e o construtor da “revolução de 1964”.
De fato, ele foi um dos primeiros chefes a se envolver na conspiração, em 1962, quando comandava a 6ª Divisão de Infantaria, em Santa Maria.
Enquanto esteve naquele comando, Mourão, o primeiro, aliciou oficiais e, em Porto Alegre, animou empresários e jornalistas que já estavam na conjura. Afinal, ele era um general com um comando e não um comando qualquer. Santa Maria, no centro do Rio Grande do Sul, era, como até hoje, a principal base militar do Sul.
O núcleo da conspiração, no Rio de Janeiro e São Paulo, desdenhava Mourão, por voluntarioso e megalomaníaco. E o governo Goulart, informado de sua movimentação, não deu importância, era um general fanfarrão. Mourão não perdeu sequer o comando. Transferido para São Paulo, seguiu conspirando, depois para Minas de onde deflagrou o golpe, para surpresa do núcleo da conspiração.
Diz a lenda que quando ele chegou com seus soldados ao Rio, onde estava instalado o QG do golpe, era madrugada e foi recebido pelo general Costa e Silva, de cuecas, que o tranquilizou. Estava tudo sob controle, ele podia tomar uma Coca Cola e ir descansar.
Escanteado, Mourão foi um dos primeiros dissidentes do movimento de 1964. Morreu amargurado porque a censura impedia de publicar suas corrosivas memórias.
Antônio Hamilton, o atual Mourão, salvo engano, tem origem como conspirador também em Santa Maria, onde promoveu uma homenagem ao coronel Brilhante Ustra, torturador carimbado, em 2014, em grosseira afronta à presidente Dilma Roussef, constitucionalmente comandante-em-chefe das Forças Armadas do Brasil. Em todo caso, foi no Sul.
Perdeu o comando de uma tropa, ganhou o controle de um orçamento em Brasilia. E agora ressurge promovido pela maçonaria e apoiado pelos chefes maiores. Não sabemos, nós que nos informamos pela imprensa, a extensão da conspiração em que ele está metido.
É provável que ele esteja à margem do núcleo duro da conspiração e, como o primeiro Mourão, seja descartado no primeiro momento. O certo é que ele colocou o golpe militar na rua.
A ironia é que podem golpear a democracia derrubando um presidente ilegítimo como Temer e fechando um Congresso corrompido como esse comandado por Maia.
Aos democratas, talvez, reste ter que defendê-los para salvar a constituição.
A história se repete como farsa. Aí está o Brasil que não deixa o velho Marx mentir.
 

Perguntas que o governo não respondeu

ELMAR BONES
Não temos o propósito primordial de ser isentos ou imparciais em nossas edições temáticas, impressas.
Nossa proposta, nesse caso, é escolher um tema corrente e importante e tentar resumi-lo, numa abordagem mais ampla, trazendo dados e argumentos que não transitam ou são restritos nos grandes meios de comunicação, mais sensíveis ao discurso oficial.
É o caso da última edição, que está circulando, sobre as privatizações. Tentamos situá-las no plano mais amplo do Regime de Recuperação Fiscal ao qual o governo do Estado está buscando aderir.
As propostas e as razões do governo alimentam o noticiário diário, o discurso oficial está impregnado nos comentários e análises dos grandes veículos.
As posições e as razões dos funcionários, dos técnicos não alinhados ao governo, dos representantes da oposição geralmente merecem tratamento pontual, secundaríssimo.
Os sindicatos, para expor suas versões e suas propostas, estão pagando inserções comerciais nos programas de grande audiência.
Então, o essencial da nossa proposta é exatamente explicitar essa parte que, certa ou errada, tem necessariamente que participar do debate.
Mesmo assim, nesta edição, planejou-se uma página para o governo do Estado resumir seus argumentos a respeito da adesão incondicional ao Programa de Recuperação Fiscal, que está prestes a ser assinado com a União.
O repórter Felipe Uhr tem os registros dos contatos que mantivemos durante dez dias com o governo. A certa altura pediram as perguntas por escrito, que foram enviadas a Carlos Búrigo, secretário de Planejamento, Governança e Gestão, sem resposta.
As perguntas, aliás, continuam aptas e agradeceríamos em nome dos nossos leitores se fossem respondidas:
Perguntas enviadas para Carlos Búrigo em 11/09
JÁ – Quais são os próximos passos até  a assinatura do acordo com a União? O que falta aprovar na Assembleia? O que ainda falta ajustar nas negociações com a União?
– As privatizações, parte essencial das contrapartidas, ficaram para 2018. O que o governo do estado está oferecendo como compensação? Haverá um pré-acordo para ser fechado depois das eleições?
– O acordo, além de suspender o pagamento da dívida por três anos, prevê entrada de recursos novos, via indenizações federais ou financiamentos?
– Agentes do governo, próximos das negociações, acreditam que até o final de outubro poderá ocorrer a assinatura. Qual é a sua expectativa?
– A falta de apoio político para poder privatizar CEEE, CRM e Sulgás sem plebiscito retardou bastante o processo. A falta do dinheiro que a privatização ou federalização delas renderiam não pode atrapalhar ou desequilibrar o caixa?.
– Os críticos do governo dizem que ele não tem um projeto para o Estado, mas apenas um programa ideológico de encolhimento do setor público O que diz o governo?
 

Memória fraca

Do caderninho de notas:
15 de abril. Operação Carne Fraca. PF. Relatório parcial
63 envolvidos
corrupção, crime contra ordem econômica e falsificação de produtos alimentícios
19 fiscais, 7 pessoas ligadas a eles
13 sócios de frigoríficos
12 funcionários, 1 diretor, 3 gerentes
Ex-chefe da superintendencia do Ministério da Agricultura no Paraná
Diretor da BRF
ex-chefe de inspeção em goiás, paraná e minas gerais.
Nota da PF: “Um esquema de favorecimento e contrapartida entre servidores públicos e empresários”
canhotos de cheque com nome de fiscais e valor da propina
envelopes com dinheiro apreendido
irregularidades:
-operando acima do permitido
-temperaturas elevadas na sala de corte
-falta de higienização da equipe de abate
-uso de conservantes proibidos em embutidos
-carne vencida
-mofo nas instalações
-reutilização de embalagens
-um frigorífico da JBS operava 30% acima da capacidade e tinha os termômetros adulterados na sala de corte.
-quatro frigoríficos Pessin, Larissa Souza Ramos e Palmari usavam ácido sórbico, conservante proibido.
Menos de seis meses depois desses fatos, no Rio Grande do Sul foi aprovado em regime de urgência (30 dias) um projeto  que transfere às empresas a tarefa de fazer a inspeção de suas próprias instalações e operações.

Terceirização na Saúde

ELMAR BONES
O projeto aprovado na Assembleia Legislativa, permitindo que as empresas que trabalham com produtos de origem animal se auto inspecionem, revela que o “programa modernização” do governo Sartori, em sua sanha privativista, não está preservando nem mesmo áreas essenciais, como a saúde.
A fiscalização e a inspeção de todo o processo de produção e distribuição de carne, leite e seus derivados, é antes de tudo uma questão de saúde pública.
Leite e carne recentemente tomaram as manchetes, pelas fraudes descobertas, praticadas com a conivência de agentes da fiscalização, mediante suborno.
Se um funcionário do Estado, que tem seu salário garantido e a sua estabilidade é subornável qual será a condição do profissional contratado pela empresa ou por uma terceirizada?
A proposta mais radical de Estado Mínimo, em discussão, preserva educação, saúde e segurança, como funções essencial do Estado.
No Rio Grande do Sul, uma questão de saúde pública – as fraudes com o leite e posteriormente com a carne – teve como resposta do Estado um projeto que transfere para as empresas a responsabilidade produzir ou contratar seus próprios laudos.
Diante de uma situação de urgência, com as fraudes, o governo criou outra urgência para transferir o problema.
Pior é que obteve esmagadora maioria no legislativo e o discreto e valioso apoio da mídia oficialista.
 
 
 

Bote salva-vidas

Pelo que se pode deduzir do ralo noticiário que nos é servido diariamente, o governo de José Ivo Sartori está naquela situação que sugere chavões como “beco sem saída”, “no mato sem cachorro”.
O governo precisa desesperadamente assinar o acordo da dívida com o governo federal, para sobreviver. Mas a chance do acordo parece cada vez menor.
O governo não cansa de repetir que saiu na frente, que antes de outros Estados fez o “dever de casa” para ajustar as contas. Chegou a cortar seis fundações que até hoje não conseguiu justificar.
Mas não teve condições de entregar o essencial: as empresas estatais que têm valor no mercado: CEEE, Sulgás e CRM . Não por acaso, todas da área de energia.
Diz o ralo noticiário que o governo Sartori agora está oferecendo a CESA (Companhia Estadual de Silos e Armazéns), o Badesul e a parte gaúcha do BRDE. É uma contraproposta intrigante, no mínimo.
A Cesa é um mico, tem mais dívidas que patrimônio, embora o governo sempre possa dar um jeito de ficar com o passivo e transferir o patrimônio.
O Badesul é um repassador do BNDES, por que o BNDES haverá de querer pagar alguma coisa por ele e ainda comprar as suas encrencas?.
A parte gaúcha do BRDE, Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo-Sul,  é algo imponderável.
O BRDE, uma criação do Leonel Brizola, é uma autarquia federal, pertence aos três Estados do Sul e, na realidade, tem sido um espaço para acomodar os interesses políticos dos governantes. Além do mais, é um mero repassador do BNDES.
Será preciso muito boa vontade política para aceitar essa  proposta.
O “bote salva-vidas” com que Sartori conta nessa eminência de naufrágio chama-se Eliseu Padilha. Só ele pode convencer Michel a aceitar o desgaste político da gambiarra e incluir o Rio Grande do Sul no programa federal de ajuste.
Para ser fiel a Padilha e Temer, Sartori não hesitou em contrariar Pedro Simon, seu líder histórico no PMDB. Agora precisa acreditar que Padilha e Temer vão sobreviver para não deixá-lo morrer na praia.
 
 
 
 

Temer e a caneta

Pior cego é o que não quer ver, já dizia Millôr.
Assim estão os analistas e comentaristas da imprensa passiva que se comprometeram com a tese de que “Temer já caiu”.
Não viram o gesto de Temer, erguendo a caneta, cercado por sua tropa de choque em clima festivo. Não querem ver.
Ele havia assinado a Reforma Trabalhista, mas não era só isso que seu gesto estava referindo. Ele estava mostrando a caneta com a qual se nomeia ou se demite, a caneta que libera ou contingencia.
A caneta que vai garantir o bloqueio parlamentar à denúncia de Janot. Ou já garantiu.
O deputado Darcísio Perondi, que substituiu Padilha na linha de frente da Câmara, garante que já garantiu.
Enquanto isso os analistas e comentaristas ficam dando nó em pingo d’água para justificar a previsão precipitada. Falam em “sangria”, em “desgastes junto às bases”, “fatos novos que surgirão”, seguindo a cartilha da Globo.
Mas, agora, depois de barrar a denúncia na CCJ,  Temer está se sentindo forte a ponto de partir para cima da Globo, que decretou sua queda depois do episódio Joesley Batista.
Denúncias já começaram a pipocar, dívidas de impostos sonegados, evasão de divisas… O telhado é de vidro e o histórico do grupo indica que eles sempre saíram pelo governismo. Então, a Globo é questão de tempo, pouco tempo, talvez.
Os empresários foram contemplados com mais do que esperavam na Reforma Trabalhista. Temer, agora, promete a Previdência nos moldes requeridos pelo capital. Por que duvidarão? Para apostar no filho de Cesar Maia?
Restaria a bandidagem do Congresso, que poderia trair Temer para se safar. Mas aí, basta olhar a foto e ver o sorriso do Jucá. Dificilmente alguém fará melhor do que Temer está fazendo para “estancar essa porra” da Lava Jato.
A instabilidade vai continuar por que a situação decorre de um poder usurpado. Uma vez que uma manobra parlamentar comandada por um corrupto (hoje na cadeia) derrubou uma presidente eleita por 54 milhões de votos, não há como ter poder estável.
Nesse contexto, Temer pode até cair. Mas é ilusório achar que ele está por um fio.
 
 

Reforma Trabalhista

A imprensa passiva apoiou desde o início e, agora, está aplaudindo a reforma trabalhista que o Senado acaba de aprovar por esmagadora maioria.
Uma reforma patrocinada pelo capital, levada a toque de caixa no meio de um vendaval político e de uma crise econômica que já desempregou 14 milhões de trabalhadores. Só poderia merecer o aplauso das corporações midiáticas.
Os comentários lembram aquele personagem do Nelson Rodrigues, o “idiota da objetividade”. Um chegou a dizer que “os parlamentares aprovaram porque sentiram que a reforma é necessária”.
É necessária sim, para reduzir o custo da mão de obra e recompor as altas margens de lucro afetadas pelo crescimento da massa salarial na última década de governos trabalhistas.
 

Temer dá um golpe por dia

Elmar Bones
Ainda não caiu a ficha de analistas e comentaristas que há duas semanas predizem a queda de Temer a qualquer momento. Não se dão contas que Temer nada de braçadas num trajeto que ele mesmo traçou e que comanda, vencendo os riscos a cada dia.
Como o Luís Bonaparte, de Karl Marx, no 18 Brumário,  Temer se sustenta dando “um golpe a cada dia”, tirando proveito das próprias fragilidades.
Luís Bonaparte tinha a Sociedade 10 de Dezembro, uma súcia de corruptos que lhe dava sustentação no parlamento e mesmo nos trabalhos sujos. Temer não tem menos, a Nação inteira sabe.
Ele sabe, como poucos, o que é o presidencialismo brasileiro.  Tem a caneta para recompensar os aliados e a Constituição para erguer o Congresso em sua defesa. Quando o general Villas Boas vai ao parlamento dizer que a Constituição é intocável, ele se sente seguro.
Para chegar até ele, sem afrontar a Constituição, tem que passar pelo Congresso, onde está a sociedade dele.
Um exemplo de como Temer consegue tirar proveito das contradições é o episódio da delação de Joesley Batista.
Temer estava enfrentando dificuldades com a tramitação das reformas nas quais empenhou seu mandato perante o capital – a reforma trabalhista e a da Previdência, especialmente.
As reformas são impopulares, a base estava relutante, exigindo maiores compensações pelo risco eleitoral ali adiante.
Em certo momento pareceu que Temer não ia conseguir e, então, como as reformas são intocáveis, a ideia de substituí-lo entrou em cena. Em dado momento, logo depois de divulgada a gravação da conversa com Joesley, pareceu à Nação inteira que Temer tinha que cair no dia seguinte.
Então, ele usou o ataque para unir suas tropas e retomar o ritmo das reformas. Quando ele disse: “Não vão nos destruir” estava dizendo: “Se eu cair, todos vocês cairão”.  Com isso uniu a “base”, novamente.
Além da caneta presidencial, da Constituição, da maioria do Congresso e do capital, interessado nas reformas, ele ainda tem Gilmar Mendes!
As analogias históricas são perigosas, geralmente não resistem a uma aproximação. Mas não é demais lembrar que Luis Bonaparte, o farsante,  deu um golpe em si mesmo e foi coroado Imperador como Napoleão III.